Crônicas: O não das Prudentes
Parábola das Virgens Sábias e Loucas (1886),
por Baron Ernest Friedrich von Liphart
Neste mês, estou a fazer, novamente, o Mês de Maio. Um mês que é como uma bala dada a uma criança com lágrimas nos olhos. Um mês que traz doçura a esta vivência eclesial tão cheia de espinhos e dessabores. Nossa Senhora e Nosso Senhor são as únicas coisas realmente valiosas nesta vivência eclesial que Ele mesmo instituiu.
Bem, num dos dias de meditação, é solicitado a leitura do texto das Virgens Prudentes. Lembra-se? O texto das lamparinas e das moças que ficaram sem óleo. Mas o que me chamou a atenção foi: as Virgens Prudentes não dividiram o seu óleo. Elas disseram “não”.
Eu confesso que fiquei um tanto chocada. Estamos tão habituados ao modo de pensamento de que a bondade é sinônimo de ser trouxa, que muitas vezes é difícil se livrar disso. Então, lá estava eu, maravilhada com o “não” daquelas moças, que simbolizam a alma prudente que se prepara para receber o Senhor.
Confesso que sou uma pessoa de poucos “sim”. Tenho a sensação de que muitas pessoas, ainda que na Igreja, preservam essa visão de que o cristão é meio trouxa — e acabam usando isso em seu proveito.
Por exemplo, há muitos locais que chamam para dar aula, não pagam o professor e depois colocam a aula em um curso ou em uma plataforma de membros paga (veja bem). Editoras que querem divulgação mandam livros retirados das vendas por estarem danificados — livros com erro de impressão ou com páginas faltando. Ou seja, mandam livros aos “divulgadores”, que devem incentivar a compra obrigatoriamente, independentemente de terem lido ou não o livro, e gerar lucro para os editores com os livros que receberam do resto inutilizado da impressão. Grupos que fazem “convite” sem conhecer o trabalho ou ler uma linha de texto. Grupos que fazem “convite” por representatividade feminina, sem conhecer o trabalho (o que é uma falta de respeito para uma pessoa que não acredita em “representatividade”, mas em competência — o que me levaria a falar dos possíveis preconceitos sobre a competência feminina, mas isso seria outro texto).
Tudo isso — e muito mais — acontece. Então, ler sobre esse “não” protetor, que preserva o óleo da lamparina, foi um sufrágio. Não é uma tarefa fácil se proteger da malícia das pessoas, da falta de cuidado e respeito que permanece no comportamento de muitos, mesmo após a conversão. Exige paciência — e muitos “nãos”.
O “não” protetor também protege quem nós somos. Talvez, se elas tivessem dado o óleo, não seriam quem são. Teriam perdido a própria identidade.
A identidade... a pequena luz que já me levou a dizer muitos “nãos”: – mostrar a própria vida na internet: não – se expor todo o tempo: não – seguir as panelinhas: não – aceitar propostas baseadas em visibilidade e status: não – adotar os discursos correntes para pertencer: não – puxar o saco das pessoas: não – acatar tudo sem pensar e refletir: não – fazer concessões em matérias simples e fáceis: não
E, claro, todo “não” tem um custo.
Segundo os exegetas, o óleo são as boas obras. Por isso, elas mandaram que as Virgens Loucas fossem comprar o seu óleo. Pareceu-me muito oportuno refletir sobre isso, num momento (alguns anos) em que existem tantas pessoas que querem lucrar placidamente — e descaradamente — em cima dos esforços das obras de outras pessoas. Eu me pergunto se elas não notam mesmo que isso é errado...
Bem, quanto a mim, adotei o “não” das Prudentes e a postura de sonhar com um meio católico em que o trabalho das pessoas é realmente valorizado. Que os professores recebam a justa paga de suas aulas. Que os escritores recebam a justa paga — e em dia. Que os coordenadores busquem conhecer o trabalho e o talento das pessoas e as escalem por sua competência em um assunto. Que as pessoas não sejam usadas como tapa-buraco ou algo similar. Enfim, que a conduta cristã seja melhor que a do pagão.
Um sonho que vale vários “nãos”.
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