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Salus in Caritate






Parece que ainda estamos em debates sobre "ser mulher", "ser homem" e tudo que poderia milagrosamente nos salvar. Quem escreve se digladia, e as ideias são várias:

Existe quem diz que eu sou feminista porque sou celibatária, escrevo e acho que existem diferenças entre uma mulher e uma árvore de Natal. Por outro lado, há quem diga que sou cristã porque sou celibatária, escrevo e acho que uma mulher não é uma árvore de Natal. Existe quem defenda que, na metafísica do feminismo, ainda estamos dançando a mesma dança revolucionária, mas com mais babados. Existe o discurso de que as feministas são todas imorais e, portanto, não deveriam ter tanto crédito. Outras acreditam que cabelo alinhado, regras de etiqueta, maquiagem e adornos são a própria beleza, e que o mundo será resgatado por essa beleza que se materializou num pó compacto. Outras acham que a feminilidade é uma matrona numa poltrona, que deixa os assuntos como política e economia, ou qualquer coisa que exija algum estudo, para os homens.

Talvez eu tenha esquecido alguns pontos — são tantos que é difícil lembrar de todos.

O interessante de todas essas narrativas é que elas formam grupos partidários que dividem as mulheres, mas eu não quero começar a escrever textos visando a paz mundial. Os discursos separam as pessoas, são uma grande peneira, e assim sempre será. Ingênuo é quem acredita que isso um dia cessará neste exílio. A Babel moderna só pode ser regulada pelo Pentecostes, mas, para isso, precisamos de uma primavera clerical e eclesiástica.

Voltando ao ponto interessante dessa temática: a divisão realizada pelo discurso acontece porque o Brasil é um país populista. Escutar a ideia de alguém e considerar seus pontos é visto como um apoio. O brasileiro — pois nunca chegamos a ser "brasilianos" — apoia pessoas porque vê nelas a si mesmo e a possibilidade de desfrutar do que fulano desfruta. Assim, quando alguém fala da ideia de fulano (e não de beltrano), está automaticamente falando da pessoa e, portanto, de todos que o apoiam. É uma guerra de egos, e o povo segue sempre a ideia mais predominante.

No que se refere às ideias sobre feminilidade atualmente assimiladas, elas foram gestadas numa ação antifeminista desesperada, uma ação que só foi bem-sucedida pela ajuda da Graça. Naquele período, entre 2016 e 2017, as feministas eram auratos bem mais adorados do que hoje e, ao meu ver, era, sim, necessária uma atuação que evidenciasse que não havia nada para admirar. A deputada Ana Campagnolo deu esse passo em sua publicação, e talvez ninguém pudesse fazê-lo de outra forma. É uma regra no mundo das imagens e reputações: se você quer descredibilizar alguém, atinja a imagem que as pessoas têm daquela pessoa. Como quase todas as feministas citadas eram praticamente adoradas — e quem é professor sabe disso — esse passo, considerando que estamos no Brasil, era necessário.

Mas é claro que toda ação tem uma reação, e isso não é necessariamente algo sob o controle do autor. As pessoas seguem não só o que leem, mas também interpretam conforme o que já têm dentro de si. Então, a narração antifeminista daquela época culminou na valoração da família, mas não considerou (e não havia como fazê-lo) que a ideia de família antifeminista e antimoderna ainda estava alicerçada no próprio feminismo.

O feminismo se tornou uma referência de atuação. E veja o problema: o que as feministas consideram como "feminilidade inimiga" é a mulher de vestido perfeito, numa casa perfeita, com um marido perfeito de pulôver e cabelo arrumado, filhos perfeitamente vestidos — uma família de comercial de margarina. Quando uma mulher vê a podridão por trás, não apenas da mentalidade, mas também dos ideólogos por trás do feminismo, pensa: "Bem, se as feministas têm essa imagem como errada, então ela deve ser a certa."

Então, essa mulher tomou esse modelo como o modelo tradicional. O modelo tradicional atual é embasado nas ideias do próprio feminismo sobre a família tradicional.

Acredito que não seja necessário dizer o problema, mas, como professora numa terra como o Brasil, prefiro não me arriscar: o problema é que ninguém questionou — mas será que isso é mesmo a família tradicional? O que é tradicional? E, baseado em quais referências, eu defino isso?

Isso não aconteceu porque ainda estamos, socialmente, num movimento reativo em quase todas as áreas sociopolíticas. As produções, discursos etc. são antifeministas. Estamos muito bem especializados no erro. O que fez com que o público — você, leitor — ficasse cheio de impressões sobre os sinais do erro. A mente humana funciona dessa forma: quando uma ideia é apresentada, ela tenta estabelecer padrões para delinear uma forma exata para essa ideia. Mas a ideologia não é assim; é uma massa de modelar diabólica que se autodefine conforme o ambiente e usa, em seu benefício, discursos que antes serviam para destruí-la.

E, para isso, as mentes não estão prontas. Esse é o motivo de as linhas serem tão díspares: estão lutando contra algo que se autodefine através das ofensas que recebe.

A maioria não tem a esperteza das serpentes para ver algo tão nítido, e, por isso, se organiza pelo populismo. Apoiar e endeusar uma pessoa é mais fácil do que buscar entender as ideias. Eu não critico — acredito que quem consegue escolher o mais fácil, sem peso, certamente assim fará, e ninguém questionará. O ponto é a atmosfera de caos que isso gera, impossibilitando a reflexão que este país precisa para finalmente sair do buraco em que está.

Aqui deixo alguns apontamentos para os que talvez tenham algum gosto pela reflexão, pois talvez vocês entendam que o pensamento — e a mudança do pensamento — ainda não aconteceram:

A maioria das famílias que hoje fazem um bom trabalho parece achar que está criando a roda. No entanto, o Trivium e a Ratio Studiorum que vocês usam foram escritos por celibatários.

A indústria rotulou a área de cosméticos como "beleza e autocuidado" para ganhar mais dinheiro. É por isso que você acha que maquiagem é beleza — é um trabalho de manipulação da massa pela propaganda, e a massa é você.

A feminilidade não é algo adquirido pelo que você compra e pendura em si mesma. A mulher nasce mulher e será mulher mesmo que não tenha nenhum dos objetos que são vistos como "femininos".

Essa ideia de construção do feminino com adereços externos é materialista e, veja só, feminista — que acredita que a mulher se constrói por uma imposição social através dos adereços, normas de comportamento etc. Ou seja, se você pensa assim, ainda é feminista, porque ainda pensa como feminista.

Por fim, leia a vida das santas. Não apenas aquelas que têm a mesma vocação que você — não torne a leitura das santas numa vivência velada de egoísmo, sim? Leia para perceber a variedade e profundidade dos talentos que Deus dá para suas filhas e as diversas áreas em que esses talentos são úteis. Se Deus lhe deu um talento, já está implícito, de forma imperativa, que você deve fazer uso dele — mas de maneira pessoal, distante do mimetismo.



Professora Ana Paula Barros

Especialista em Educação Clássica e Neuro Educação. Graduada em Curadoria de Arte e Produção Cultural. Professora independente no Portal Educa-te (desde 2018). Editora-chefe da Revista Salutaris e da Linha Editorial Practica. Autora dos livros: Modéstia (2018), Graça & Beleza (2025).

Possui enfática atuação na produção de conteúdos digitais (desde 2012) em prol da educação religiosa, humana e intelectual católica, com enfoque na abordagem clássica e tomista.

Totus Tuus, Maria (2015)
















“Enquanto durar a terra, semeadura e colheita, frio e calor, verão e inverno, dia e noite jamais cessarão.” — Gênesis 8,22


Este texto é uma tentativa, provavelmente horrível, de falar sobre o inverno sem cair nos clichês da estação da interioridade. O inverno é a estação do conforto e do recolhimento, mas, ao mesmo tempo, do desconforto. Então, seria melhor dizer que é a estação da busca do conforto em meio ao desconforto.

O silêncio é mais profundo que o do outono. Com um tipo de crescimento oculto, que não se mostra. O crescimento é o das raízes, e não dos galhos.



“Foste tu que fixaste todos os limites da terra; o verão e o inverno, foste tu que os formaste.” — Salmo 74,17

O outono ensina uma certa impermanência: o ciclo da vida e da ressurreição. O inverno ensina a preservar, guardar, proteger. Não é uma estação de abundância. À primeira vista, tudo parece estéril, parado, muito parado. Mas, de algum modo, o inverno gera sustento, mesmo quando parece oferecer tão pouco.

É uma época de lentidão e de certo preciosismo, muito boa para revisitar projetos, avaliar escolhas e ouvir o que ficou soterrado em nós durante os dias que passamos e os dias que passam por nós.

É a estação do repouso, do descanso, da pacatez.

Mesmo que as atividades sigam as mesmas, o ritmo não é o mesmo. É desacelerado.



Carpe Diem.


Os dias passam cheios de pequenas tarefas e pensamentos. Coisas simples ganham uma certa beleza: arrumar um armário, revisar o que temos guardado, cuidar da despensa com atenção.

Pouco a pouco, como convém ao inverno.

Ou, ainda, ganham um tom heróico — quase hercúleo — como lavar a louça ou manter as roupas lavadas e secas.

Os movimentos ganham uma precisão que beira o ritual: preparar um chá, cuidar das palavras, repousar o corpo. A atenção fica encantada com pequenas coisas: o conforto das meias de lã ou o bule no fogão que convida para mais uma xícara de chá... e outra... e mais uma.

O inverno pede o oposto das urgências do nosso tempo. Pede a criação de aconchego, pede a busca da branda alegria em dias calmos e tranquilos. Pede menos pressa, pede certa reverência à normalidade e à pacatez, antes da leve agitação da primavera.

“Porque eis que passou o inverno, cessaram as chuvas e se foram. Aparecem as flores na terra, chegou o tempo das canções, e a voz da rola ouve-se em nossa terra.” — Cântico dos Cânticos 2,11-12




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O anseio por uma vida sazonal: ritmo e tradição 

Revista Digital Salutaris - Edição Especial Pausa: Educação Estética, Arte & Patrimônio 







O outono é a estação que marca a transição entre os extremos do verão e do inverno. Mesmo em um país como o Brasil, onde o clima é predominantemente marcado pelo calor do verão, o outono apresenta algumas variações interessantes. É, geralmente, o período ideal para o cultivo de hortaliças e frutas, com temperaturas amenas que favorecem o desenvolvimento das plantas. Agrião, acelga e alface são especialmente cultivados nesta época. Além disso, é considerada a estação oficial da colheita.


Em nós, como reflexo harmonioso da natureza, manifesta-se uma estação de recolhimento e introspecção, dedicada ao cultivo e à reorganização das dimensões mental, física e espiritual. No hemisfério sul, oportunamente, coincide com meados da quaresma em quase todos os anos. Este período se torna ainda mais significativo pelas orientações das quatro têmporas e pela prática das virtudes para cada mês do ano, segundo Santo Afonso de Ligório.


Neste período, podemos dizer que passamos do vigor e do enraizamento da primavera para a renovação, condensação e transformação características do outono. Nesta estação, alinhados com a virtude do mês — que é a virtude da piedade — e com a quaresma, podemos, com a Graça, reorganizar e condensar ideias e condutas, limpando o que já não serve mais, como fazem as árvores ao se transformar.


Dessa forma, é valioso trabalhar com o objetivo de condensar, ou seja, dar maior densidade e substância às ideias. Para isso, ideias, objetivos e projetos podem exigir certa atenção especial, sem exaustão.


O outono sempre me recorda da "seriedade de 80 anos" que São Josemaria Escrivá solicitava com frequência. Esta seriedade, muitas vezes vista como tristeza, inclusive dentro da Igreja, na verdade reflete a beleza de bons outonos vividos com colheita e cultivo, com limpeza e condensação. Ela traz certa gravidade à vida e a densidade de alguém que possui bagagem.


Provavelmente, você já viu uma árvore de muitos anos. Aquelas árvores centenárias, com raízes que chegam à altura do joelho e copas majestosas que se perdem em algum lugar no alto. Quando as vejo, sempre me recordo do outono, e não das outras estações. Crescem calmamente e constantemente, com seriedade e lentidão, alheias às inconstâncias do que se estabelece ao seu redor.


"Ocupando-vos com os vossos próprios negócios e trabalhando com as vossas próprias mãos, como já vos ordenamos." - 1 Tessalonicenses 4, 11




Ocupar-se dos próprios negócios, ou seja, de si mesmo e da própria alma, é uma tarefa e tanto. Exige muito esforço e uma luta constante com o "irmão mais velho" — da parábola do filho pródigo — que habita em todos nós. Essa parábola é interessante, pois, longe de ser uma alegoria do rígido e do misericordioso, fala sobre o amor e a alegria no convívio com Deus.

O filho mais novo buscou a alegria longe do Pai e voltou animado pelas coisas que receberia, mesmo como empregado. O Pai, ciente disso, deu-lhe bens para que ele se sentisse seguro, ao menos, e não se perdesse novamente no pecado. No entanto, o amor do filho mais novo estava condicionado pelas coisas que possuía ou não. 

Já o filho mais velho, que sempre esteve ao lado do Pai, apresentou como primeira queixa o fato de nunca ter recebido algo para festejar com os amigos. Assim, ele também não reconhecia a riqueza incomparável de estar junto ao Pai, a própria fonte de todos os bens. Enquanto se ocupava em invejar as dádivas recebidas pelo irmão mais novo, ele não percebia que possuía algo muito maior: conviveu mais tempo com o Pai, esteve mais próximo Dele e, na verdade, o próprio Pai era a sua maior recompensa.


Parece óbvio, não? Mas não é. Depois de muito tempo servindo a Deus e observando como Ele dá a cada um o que é necessário para que aquela alma não caia no pecado, passamos a esquecer que estar sempre ali com Ele, como uma lamparina do Santíssimo, que nunca se apaga, é uma recompensa imensamente maior do que as coisas que Ele oferece a algumas almas para mantê-las longe do mundo.


Todos nós vivemos experiências semelhantes às dos dois irmãos em nossas vidas. No ensino tradicional das quatro têmporas, vemos que a têmpora do outono, ou da quaresma, tem como objetivo combater a melancolia e a tristeza. Acredito que esta parábola seja muito oportuna para essa estação.


Além de revelar o amor e a alegria com o Pai, essa parábola também nos oferece uma valiosa lição sobre a justiça divina. Ela ilustra como a justiça de Deus, muitas vezes incompreensível à visão limitada dos homens, pode parecer injustiça aos olhos humanos. O irmão mais velho enxergava com olhos humanos a ação do Pai; ele via uma ação injusta, e isso o impedia de reconhecer a imensurável riqueza dos momentos - do tempo -vividos ao lado do Pai, do estar ali, algo que seu irmão mais novo não havia experimentado da mesma forma. 


Tempo. Um tema que abordei longamente no livro "Graça e Beleza". Os ciclos do tempo nos levam, no outono, a voltar o olhar para o Pai e para dentro de nós mesmos, e certamente isso nos conduzirá a organizar gavetas e armários, tanto internos quanto externos. É um tempo de recolhimento ativo, marcado por uma agradabilidade peculiar.


Vamos tornar nossa casa — interna e externa — mais confortável, como uma sala estar - e gostar de estar- para conviver com Aquele que importa.





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O anseio por uma vida sazonal: ritmo e tradição 

Revista Digital Salutaris - Edição Especial Pausa: Educação Estética, Arte & Patrimônio 









Iluminura "Cosmos, Corpo e Alma" de Santa Hildegarda de Bingen apresentada em seu livro "O Livro das Obras Divinas". No centro, está a roda da vida com as estações harmonizadas ao ciclo da vida humana. Os animais em suas obras normalmente significam as tentações e suas forças (pelos sopros que fazem) que a alma precisa vencer. No canto inferior esquerdo, a santa pinta a si mesma para mostrar que é testemunha da visão, que, por sua vez, é muito maior que ela mesma.



Quantas reflexões podemos tecer sobre a palavra 'tradicional'? Recentemente, tenho me permitido ponderar longamente sobre o que, de fato, significa moldar a vida segundo essa palavra. A verdade é que, aqui no Brasil, o termo 'tradicional' está fortemente associado à forma da Santa Missa e, em alguns casos, ao comportamento e vestimenta. Isso é realmente fundamental.

No entanto, como seria uma vida mais alinhada aos ritmos das estações, ao tempo litúrgico e à devida harmonia entre descanso e trabalho? Tenho nomeado esse alinhamento, em meus pensamentos, como 'vida tradicional'. Talvez você já tenha notado o crescimento dessa busca em diversos grupos, dos mais variados credos ou convicções. Parece ser um anseio genuíno por um ritmo que perdemos, mas que ainda está latente em nossa memória coletiva. Um anseio é algo que, como explico no último capítulo do livro Modéstia (2018), pode ser observado em vários países, com nuances distintas, atreladas a um único fio condutor: "quando estamos diante de um comportamento social, devemos nos atentar a alguns pontos cruciais visando analisá-lo bem".

No entanto, viver realmente no campo não é, de imediato, a coisa mais simples de se realizar, pois, afinal, a maioria de nós pode se considerar um 'bicho da cidade' ou, para alguns, um 'guri de apartamento', em maior ou menor grau. O que fazer, então?

Em 1 Tessalonicenses 4,11 lemos uma orientação interessante: "E procureis viver quietos, e tratar dos vossos próprios negócios, e trabalhar com vossas próprias mãos, como já vô-lo tenho mandado". É um incentivo para a busca por uma vida simples e tranquila, focando no trabalho realizado com alegria para o Senhor. Já em Provérbios 31, 27 encontramos a orientação para as mulheres sobre este tema: "Atende ao bom andamento da sua casa e não come o pão da ociosidade". Viver quieta e tranquilamente sobre a terra, mas sem o ócio maléfico pairando sobre nós. "Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças, porque na sepultura, para onde vais, não há obra, nem projeto, nem conhecimento, nem sabedoria" (Eclesiastes 9,10). Um ritmo de trabalho que não se torne doentio na busca por obras e resultados terrenos. Nossas forças são limitadas, limitado é o nosso entendimento. Numa grande aula sobre o esforço e a tensão intrínseca existente no tema, o Senhor continua: "E tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como ao Senhor e não aos homens" (Colossenses 3,23). O esforço por resultados terrenos cansa e fadiga, excede as nossas forças. O esforço para a maior glória de Deus santifica. Quanta diligência em ambos os esforços e quanta tristeza vem do primeiro e quanta bênção vem do segundo. Afinal, os resultados humanos não importam, o Senhor se preocupa mais em nos fazer trilhar o seu método. É o método que importa.

Quando falo ou escrevo sobre isso sempre me recordo de São Roberto de Molesmes, o fundador dos trapistas que nunca deixou de ser um beneditino. Ele sofreu muito como abade de um mosteiro, os monges bateram nele e ele saiu em fuga do convento do qual era abade. O motivo? Ele queria restaurar o cumprimento da regra de São Bento entre os monges beneditinos. Quando fundou a sua tão sonhada ordem trapista, dos monges brancos (os monges pretos eram os beneditinos), não pôde viver com eles. Um santo que se santificou pelo anseio, mas colheu pouquíssimos resultados terrenos concretos. É um exemplo claro de que o que importa, para o Senhor, é seguir o método, mesmo sem resultados a olhos vistos. A fidelidade ao método pode ser chamada de disciplina. Vale a pena comentar que a disciplina, a diligência, é a primeira virtude nomeada pelo monge professor Hugo de São Vítor. A instrução pedagógica católica é uma educação espiritual que se plasma na matéria e se alicerça na disciplina, esta virtude abraça amorosamente a vida cristã.

Não existem áreas separadas; todas as áreas que compõem um ser humano fazem parte da educação católica. Seu ensino espiritual não significa uma restrição, antes é uma sinalização de sua ordem superior, pois o que é superior influencia o que é inferior, ou seja, o espiritual abarca o material, pois é superior a este. A segmentação das áreas, fruto da mente moderna, gera um conjunto de fissuras que desfavorecem a harmonização dos ciclos e ritmos do tempo. Passamos a viver achando que a leitura de um clássico da literatura, a filosofia, a oração piedosa são coisas distintas, sem nenhuma ligação. No entanto, estão completamente interligadas. E a primeira ponte entre elas é a virtude da disciplina. Como ensina o Cardeal professor Hugo de São Vítor: "(...) a prática da disciplina dirige o espírito para a virtude, e a virtude então leva à bem-aventurança".

No entanto, em nossas mentes modernas, o termo disciplina é pintado com imagens tristes e taciturnas, com notas graves de tristeza e talvez castigos. No entanto, a disciplina pedida pelo salmista no Salmo 119, ensina Hugo de São Vítor, deve ser quista e pedida, juntamente com a ciência, a capacidade de discernir. A disciplina, portanto, trata-se de um itinerário didático que se inicia com a ciência (que é ver nas coisas terrenas os sinais dos desígnios divinos, é um senso político celestial das coisas terrenas segundo as eternas, adquirida pela meditação das Escrituras, da Santa Doutrina e da vida dos Santos). A ciência abre as portas para a disciplina (a habilidade de se deixar instruir por Deus, avaliar os próprios atos segundo as diretrizes meditadas e então mudar as atitudes). A disciplina nos leva a ser bons (já que nos tornamos continuação do Evangelho vivendo-o numa conduta santa).

A conduta santa ensinada por Hugo de São Vítor é a base da pedagogia católica e se refere não somente à oração, mas à conduta ao comer, falar, vestir, estudar, meditar, ou seja, abarca todos os atos e áreas. Parte da inanição católica vem do esquecimento de que a formação católica, sua instrução, se refere a todas as áreas que formam uma pessoa e que a piedade é o alicerce de todas as outras instruções. E, em suma, todas as áreas são trabalhadas em conjunto com uma atenção generosa à forma de administrar o tempo. Talvez, quando essa percepção, alocada no âmago da palavra tradicional, voltar realmente às nossas mentes possamos ter uma esperança mais luminosa e posturas menos jactantes.



As Quatro Têmporas e Seu Efeito no Ritmo do Tempo



As Quatro Têmporas, ou Quatuor Tempora, são períodos de jejum e abstinência instituídos pela Igreja Católica para marcar o início das estações do ano. Esses períodos são:


Têmpora da Primavera: Celebrada após o primeiro domingo da Quaresma.
Têmpora do Verão: Celebrada na semana após Pentecostes.
Têmpora do Outono: Celebrada após a festa da Exaltação da Santa Cruz (14 de setembro).
Têmpora do Inverno: Celebrada após o terceiro domingo do Advento.


Segundo Michael P. Foley, em seu livro "The Light of the World: A Celebration of the Four Seasons": "As Têmporas são um poderoso testemunho de como os ritmos litúrgicos podem se alinhar aos ciclos naturais, promovendo uma sensação de harmonia e propósito ao longo do ano." Além disso, o autor Uwe Michael Lang, em seu ensaio "The Genius of the Roman Rite", menciona: "A observância das Têmporas nos convida a refletir sobre a generosidade de Deus em cada estação, ajudando-nos a manter um ritmo de vida que respeite os ciclos naturais e a piedade."

O Midrash (comentários sobre os livros da Torá) explica em VaYikra Rabá sobre a importância do trabalho e da diligência: "Como o agricultor que trabalha sua terra com devoção e esforço, também nós devemos dedicar-nos ao trabalho, servindo como exemplo de diligência e compromisso nas nossas vidas diárias."


Ela não come o pão da ociosidade (Provérbios 31, 27). 


Devemos permitir que a simplicidade da vida sazonal nos ensine a encontrar Deus em nossas pequenas ações diárias. Voltar às raízes de uma vida simples e tranquila é essencial para um elo catolicamente sadio e mais profundo com a natureza e, o principal, com Deus. A vida sazonal nos convida a adotar um ritmo mais lento e significativo, seguindo os ciclos da natureza e das estações do ano. Aproveitar cada estação ao máximo, celebrando as pequenas bênçãos que cada uma traz.

 Adotar uma rotina sazonal pode nos ajudar a viver de forma mais veraz, respeitando os tempos de atividade e descanso. Sem uma preocupação exasperada com o calendário como tinham os pagãos, mas numa atenção amorosa de filhos para a criação mantida pelo amor divino por nós. 

Numa época tão atribulada quanto a nossa, olhar para o céu e verificar, verbi gratia, que o sol está se pondo no mesmo horizonte, mas um pouco mais para a esquerda do que na estação anterior, pode ser um motivo para semear um sorriso no rosto e frutificar em oração por Sua bondade. Isso também é testemunhar as obras do Senhor. 





Práticas simples




Alimentação

Santa Hildegarda dava grande atenção à alimentação, acreditando que a comida deve proporcionar conforto. Um olhar atento ao consumo de alimentos locais e sazonais não apenas promove uma alimentação mais saudável, mas também fortalece a agricultura local. Há algo de profundamente significativo em visitar feiras e mercados locais, escolhendo frutas e vegetais da estação, repletos de frescor e sabor. Longe de ser uma atividade ativista, trata-se mais de uma ação consciente da qualidade inferior das produções alimentícias em massa e do aumento dos desertos alimentares nas grandes cidades. Desertos alimentares são regiões onde os habitantes têm acesso limitado a alimentos saudáveis, nutritivos e baratos.



Ritmo de Exercícios

Ajustar a modalidade de exercícios conforme a estação favorece uma atividade harmônica. Por exemplo, caminhadas na primavera, natação no verão, corridas no outono e aumentar o tempo de oração mental no inverno. Tais mudanças não só promovem o bem-estar físico, como também o equilíbrio mental e espiritual.

As estações estão realmente passando por mudanças, e existe uma nova ansiedade intitulada "ansiedade climática". O mundo moderno, gerador de uma instabilidade monstruosa, somado ao anseio marxista de que o estado supra todas as inseguranças, gera uma predisposição para ansiedade e terror.

Diante disso, é essencial adotar uma atitude cotidiana dinâmica, baseada em observar a estação, acolher a realidade e agir de acordo. Verificar os efeitos saudáveis dessas práticas pode proporcionar um equilíbrio entre corpo e mente, ajudando-nos a enfrentar os desafios contemporâneos com serenidade e discernimento.



Celebrações e Rituais Sazonais

Viver as têmporas, celebrar as festas tradicionais de Santa Luzia, São Nicolau, São João, o onomástico (santo com o mesmo nome que o seu), o santo do dia do nascimento, além da Páscoa e do Natal, ajudam a viver cada estação de uma forma agradável e católica.



Ritmo de Trabalho e Descanso

Equilibre períodos de trabalho e descanso de acordo com as mudanças sazonais. O inverno pode ser um tempo de mais repouso e reflexão, enquanto a primavera e o verão podem ser períodos de maior atividade e produtividade.



Refletir sobre o que cada estação pode ensinar. 


Essas atitudes cultivam a habilidade de respeito ao tempo, tanto ao nosso quanto ao das pessoas ao nosso redor. Encontramos alegria nos talentos próprios e nos dons de nossos irmãos, expressando agradecimentos mais frequentes a Deus e as pessoas pelo trabalho, pelos esforços, serviços e talentos daqueles que nos cercam.

Podendo desenvolver a capacidade de comunicação respeitosa e tranquila no dia a dia usando o antigo e tão esquecido "bom dia", "boa tarde", "boa noite". Quanto cansaço podemos poupar, quanta alegria podemos gerar com coisas simples como respeitar o próprio tempo e o tempo do próximo.

Veremos que o respeito ao tempo, ao nosso tempo, com a simples pergunta "Onde lanço as sementes de tempo que o Senhor me deu?" ou "Eu respeito as sementes de tempo das outras pessoas?", "Isso, essa pessoa, esse lugar respeita o meu tempo?" gera grandes mudanças de atitude em relação a escolhas de amizades, contatos, trabalhos e tantas outras áreas de nossas vidas, redescobrindo, assim, a serenidade e a harmonia no respeito ao tempo que nos faz crescer em graça.


revista salutaris cultura, arte e literatura






Referências:


BÍBLIA DE JERUSALÉM. Provérbios 31, 27: "Ela não come o pão da ociosidade."

BÍBLIA DE JERUSALÉM. 1 Tessalonicenses 4, 11: "E procureis viver quietos, e tratar dos vossos próprios negócios, e trabalhar com vossas próprias mãos, como já vô-lo tenho mandado."

BÍBLIA DE JERUSALÉM. Eclesiastes 9, 10: "Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças, porque na sepultura, para onde vais, não há obra, nem projeto, nem conhecimento, nem sabedoria."

BÍBLIA DE JERUSALÉM. Colossenses 3, 23: "E tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como ao Senhor e não aos homens."

BÍBLIA DE JERUSALÉM. Provérbios 12, 24: "A mão dos diligentes dominará, mas a preguiça será sujeita a trabalhos forçados."

FOLEY, Michael P. The Light of the World: A Celebration of the Four Seasons.

LANG, Uwe Michael. The Genius of the Roman Rite.

KELLY, Matthew. Rediscovering Catholicism. Beacon Publishing.

KEMPIS, Thomas à. A Imitação de Cristo. Paulinas.

CHITTISTER, Joan. The Gift of Years: Growing Older Gracefully. BlueBridge.

BARROS, Ana Paula. Modéstia. 2018.

CALICO TWINE. "A Seasonal Life". Disponível em: <https://calicotwine.com/seasonal-life>. Acesso em: 14 out. 2024.








Brincadeira: Você rirá ou não? por Sophie Anderson, 1857





Dentro dos círculos dos especialistas do erro, surgem discursos bastante intrigantes, como a afirmação de que toda mulher possui vestígios feministas (eu mesma acho que já falei essa frase várias vezes). Contudo, se assim for, podemos igualmente supor que todo homem carrega traços machistas. Curiosamente — e convenientemente — essa última premissa não é aceita, como se os homens, por algum motivo obscuro, estivessem imunes a tais perturbações.

Este raciocínio pode ser bastante confortável, mas não posso afirmar que seja prudente. Se uma premissa é válida em uma direção, deve ser também na outra; caso contrário, há manipulação do discurso. O mais grave na especialização no erro é a completa desconsideração dos motivos subjacentes ao erro, com o único objetivo de não “parecer com o grupo adversário”. Por exemplo, as protestantes no Brasil usam coque baixo e saia reta; logo, se você não é protestante, não deve usar essas coisas para não parecer protestante (e mesmo que, em outro país, se use a mesmíssima coisa com o nome de “clean girls”, aqui será recebido como “coisa de protestante”). Em outra direção, se as feministas não fazem algo, nós logicamente devemos fazê-lo. É uma disputa infantil, rotulada de intelectualidade à brasileira — uma análise desprovida de critério que provavelmente abrirá espaço para pensamentos revolucionários ainda mais perniciosos.

O comportamento feminino e masculino foi corrompido pelo pecado original.

Os homens têm, sim, tendência ao clubismo dos pares e a oprimir a mulher de alguma forma, podendo ser extremamente perigosos quando não estão sob a verdadeira redenção do Senhor. Verdadeira, pois pode acontecer de alguém ter o nome de Deus na boca e ser soberbo e intimidador — exceto se diante de um homem mais forte. Esses traços do Adão caído são comuns nos homens sem Deus, mesmo dentro da Igreja: sorriso de escárnio, humor de quinta série, clubismo masculino acolhedor, culpar as mulheres por suas mazelas e incompetências, menosprezá-las como Adão fez com Eva, e culpar a Deus por tudo. Esses traços da queda são comuns, já que todos estamos caídos e feridos. Isso é machismo? Não. É algo pior, que está na origem: é o pecado.

As mulheres têm, sim, a tendência a se deixar dominar pelo homem, numa relação de dependência que não é saudável. Enfrentam grandes dificuldades na maternidade e nos caminhos para vivê-la, têm apreço por si mesmas num amor desregulado e vaidoso, deixaram de olhar para as coisas eternas e passaram a focar nas terrenas. Sentem-se desprovidas de proteção, já que todos os homens se comportam como Adão; então, como Eva, resolvem, reiteradamente, fazer as coisas sem o apoio masculino — ao mesmo tempo que sentem que dependem doentiamente da aprovação masculina. Isso é feminismo? Não. É algo pior, que está na origem: é o pecado.

E ambos perderam a inocência e a alegria de descobrir a Deus e em Deus. Mesmo entre os grupos mais dedicados, existe uma acepção de pessoas brutal, alimentada pelo famosismo, populismo e polemismo — as novas e antigas vestes que geram atenção e aprovação irrefletida.

É um amor falso pela verdade. Uma dinâmica mundana que só poderá ser vencida com oração e meditação.

Por fim, além de nos preocuparmos com as possíveis ações feministas ou machistas, poderíamos perguntar: o que afinal é uma mulher cristã e um homem cristão? Será que os santos perderiam tempo com essas rotulações? Ou gastariam tempo cultivando a alma em virtudes e a mente em pensamentos santos?

Santa Joana D’Arc liderou um exército. Santo Antônio foi cozinheiro por anos. Santa Teresa derrubou uma parede à marretada para ampliar um convento. São Geraldo Majela era alfaiate/costureiro. Santa Lídia era empresária/comerciante.

Diante da vida dos santos, todas essas divagações infantis se desfazem. Tudo fica claro como a luz nos vitrais das igrejas. Deus faz maravilhas nas almas dos seus escolhidos. Os filhos de Deus podem fazer tudo que estiver conforme à vontade de Deus e à santificação de suas almas — basta que ajam como homens e mulheres, na vocação e instalação sexual que a Providência lhes conferiu.

Quem dera cessássemos de desperdiçar tempo e nos entregássemos ao estudo e à meditação, conforme convém aos filhos de Deus.











Frequentemente, tenho a sensação de que a internet é um manicômio. As polêmicas mostram exatamente a qualidade obsoleta da produção cultural neste cenário.

Lembro-me de que muitos dos meus professores, tanto de neuroeducação quanto de curadoria de arte, salientavam a necessidade do uso da internet para melhorar o acesso ao patrimônio cultural — principalmente visando as pessoas com histórias pessoais que as distanciavam da beleza genuína de uma sinfonia, de boas leituras ou de uma galeria de arte. Mas a internet, se não houver uma escolha explícita pelo oposto, é uma extensão dos programas de domingo dos anos 90; no entanto, agora é possível acessar um número surpreendente de idiotices todos os dias. Cada vez que abro algum app, há uma nova polêmica. Veja bem, eu “acompanho” pouquíssimas pessoas — e ainda recebo algo desse conteúdo de exemplar necedade. Imagino quem segue todos os seus produtores. É uma mistura cada dia mais inusitada que realmente afronta tudo que conhecemos sobre criatividade. Provavelmente estamos além do mundo fantástico; adentramos algum território de loucura coletiva.

Todos de blazer se estapeando em polêmicas — segundo eles, refinadamente. Com tal empenho, podemos perder o pão (que literalmente aumentou em preço e diminuiu em tamanho), mas o circo, certamente, não perderemos.

Existem momentos em que vejo com outros olhos a fala “aí que preguiça” do índio Macunaíma, no livro de mesmo nome. A intenção do autor era personificar — ou não — o brasileiro no personagem Macunaíma (preguiçoso e tarado). No entanto, realmente, dá preguiça ser brasileiro. Para completar, podemos, em breve, passar pela oportunidade de vivenciar uma São Paulo governada com o poder da mente.

Sem contar que a obsessão em se adornar para o marido, mostrando isso na rede social — sendo o marido mais um na plateia — agora ganhou um novo patamar: não se maquiar para o marido é falta de respeito e, na carreira, não reflete credibilidade. Olha que poço de sabedoria adentramos! Fico imaginando, no caso de uma dificuldade grave, financeira ou de saúde, o que será dessa família em que o respeito se solidifica num pó compacto. Talvez deva colocar minhas esperanças na marca do pó; certamente, isso será determinante. E que falta de credibilidade passa a médica que atende uma emergência de “cara lavada” de tanto servir, ou uma professora na periferia — também de “cara lavada” — que gasta tudo, inclusive os seus nervos, para servir. Que horror! Que falta de credibilidade!

Que tristeza pensar que muitos deles são católicos — católicos mundanos. Falta-lhes conversão e uma dose de inteligência (e talvez problemas reais para resolver).


“Vede cuidadosamente como andais, não como os néscios, mas como os sábios.” Efésios 5, 15









“Feminino não é um atributo da mulher, masculino não é um atributo do homem. São dois construtos sociais que nós, tempo a tempo, sociedade a sociedade, classe a classe, raça a raça, gênero a gênero, localização geográfica a localização geográfica, inventamos. Feminino, feminilidade é uma coisa que você compra, literalmente, da unha ao cabelo, da prótese ao espartilho, do sapato à meia-calça. Você vai comprar, está à venda. Ela se constrói a partir do que pode ser comprado.”

Esta fala é de um comunista.

No entanto, me pergunto se está perceptível que a concepção da construção do denominado “gênero”, conforme a literatura revolucionária e seus defensores, fundamenta-se na aquisição de certos apetrechos que conferem ao seu portador a feminilidade ou a masculinidade, independentemente de ser este ente homem ou mulher. A feminilidade e a masculinidade são edificadas pela aquisição de determinados adornos, sendo, portanto, transitórias. O indivíduo está homem ou está mulher, podendo amanhã estar de outra forma.

Muito bem, certamente isso já é de conhecimento do leitor. Portanto, adentremos o Panteão contemporâneo que é a percepção da feminilidade atual.

A educação católica tradicional é bastante clara, tanto na Patrística quanto nos textos sagrados, ao afirmar que os apetrechos e acessórios não são determinantes para a definição de um sexo (por isso o homem não deve se vestir de mulher e a mulher de homem). O sexo é uma condição intrínseca, assim como a nacionalidade e a genealogia; ou seja, você nasce com um sexo, uma nacionalidade e em uma família (numa linhagem, mesmo que você a desconheça). Isto está dado.

Ao adotarmos o discurso da feminilidade como a adesão a acessórios, além de confortarmo-nos em nossas próprias afeições e afetações, também nos propomos a um flerte perigoso com a ideia materialista revolucionária de construção do sexo por meio de apetrechos externos. Isso é bastante contraditório e grave para aqueles que não acreditam em “fluidez identitária” ou em uma “sexualidade construída”.

Compreendo que o exercício de análise do discurso e crítica cultural é exaustivo. Contudo, neste estágio, torna-se necessário revisitar os discursos dos cristãos, conservadores e da direita. Nós, cristãos, estamos replicando — ingenuamente ou burguesamente, mas certamente, solenemente e alegremente — discursos marxistas em menor escala.

Todavia, esses discursos são deletérios em termos morais, sociais e políticos, pois encerram uma contradição intrínseca.


Qual seria a conduta adequada?

Alinhar os atributos da feminilidade à sua verdadeira essência.

A maioria das mulheres não sabe definir o que é a feminilidade. Sabem citar atributos — e metade deles tem alguma relação com imagem e aparência. Isso é realmente preocupante, pois a redução da feminilidade a apetrechos também reduz a percepção da beleza. A mulher é o ícone visível da Beleza Suprema. Reduzindo a percepção da beleza temporal, reduzimos também a moralidade. A moral, por sua vez, nos permite trilhar o caminho até o Belo Supremo.

Novamente, observe que o discurso atual está servindo à pauta revolucionária e inviabilizando a conduta cristã genuína — mesmo que revestido do verniz conservador-culto-cristão.


O que é a feminilidade?

Tentemos, mais uma vez, destruir as estátuas de Ísis e das deusas da toalete feminina espalhadas por aí.

Santa Hildegarda, ao descrever o momento da criação de alguns minerais e plantas, narra que cada um deles recebeu um atributo ou potência em determinado momento. Embora nem todos apreciem a linha teológica da Santa, o exemplo se torna oportuno para explicar o feminino e o masculino para além das análises materiais.

É uma potência conferida ao corpo da mulher — e que somente nele reside — possuindo a função física e/ou espiritual de receptáculo, de gestar e gerar. Tal potência nos credibiliza o direito à proteção, ao amparo e à recepção de dádivas. É desta potência que advêm a docilidade, a fortaleza, a delicadeza, a sabedoria e a firmeza. Quando esta potência se encontra suprimida, desregulada ou deseducada, surgem: as revoltas, as afetações e apegos, os vícios, a brutalidade e a falta de docilidade ao ser educada ou corrigida. Independe dos apetrechos.

Estas questões não são insignificantes; todo acolhimento de discurso é uma aprovação de uma mentalidade. E, se isso acontece, é pela fraca mentalidade cristã moderna.


A expressão material da feminilidade é, indubitavelmente, a virtude da modéstia.

É evidente que a potência feminina norteia os atos. A virtude responsável por moderar o comportamento é a virtude da modéstia e, por meio dela, ocorre a moderação da mente pela estudiosidade, da percepção de si pela humildade e dos gestos, vestimenta e fala pela modéstia. A manifestação da feminilidade não se realiza pela aquisição de apetrechos, mas sim pela transformação da ordem interior que gera uma conduta refinada espiritual e moralmente. Desta forma, cumpre-se o pedido do Apóstolo Pedro para que as mulheres cristãs se adornem de piedade, sabedoria, firmeza e coragem:


“Não seja o vosso adorno exterior: cabelos frisados, adereços de ouro, gala e preparo dos vestidos — mas (resida) no interior do vosso coração, na incorruptibilidade de uma alma doce e serena; eis o que é de grande valor diante de Deus.” (1 Pedro 3, 3-4)

A instância material não pode oferecer tais coisas; as escolhas materiais são reflexos da ordem interior e das preocupações da mente. O Apóstolo propõe que façamos boas escolhas na esfera material, mas que, acima de tudo, estejamos firmes na certeza de que somos fortes, sábias e corajosas na piedade — não buscando tais atributos em modas ou apetrechos. E continuamos sábias, fortes e corajosas com poucos apetrechos ou sem apetrechos, pois a beleza não reside neles.



Parábola das Virgens Sábias e Loucas (1886), 
por Baron Ernest Friedrich von Liphart






Neste mês, estou a fazer, novamente, o Mês de Maio. Um mês que é como uma bala dada a uma criança com lágrimas nos olhos. Um mês que traz doçura a esta vivência eclesial tão cheia de espinhos e dessabores. Nossa Senhora e Nosso Senhor são as únicas coisas realmente valiosas nesta vivência eclesial que Ele mesmo instituiu.

Bem, num dos dias de meditação, é solicitado a leitura do texto das Virgens Prudentes. Lembra-se? O texto das lamparinas e das moças que ficaram sem óleo. Mas o que me chamou a atenção foi: as Virgens Prudentes não dividiram o seu óleo. Elas disseram “não”.

Eu confesso que fiquei um tanto chocada. Estamos tão habituados ao modo de pensamento de que a bondade é sinônimo de ser trouxa, que muitas vezes é difícil se livrar disso. Então, lá estava eu, maravilhada com o “não” daquelas moças, que simbolizam a alma prudente que se prepara para receber o Senhor.

Confesso que sou uma pessoa de poucos “sim”. Tenho a sensação de que muitas pessoas, ainda que na Igreja, preservam essa visão de que o cristão é meio trouxa — e acabam usando isso em seu proveito.

Por exemplo, há muitos locais que chamam para dar aula, não pagam o professor e depois colocam a aula em um curso ou em uma plataforma de membros paga (veja bem). Editoras que querem divulgação mandam livros retirados das vendas por estarem danificados — livros com erro de impressão ou com páginas faltando. Ou seja, mandam livros aos “divulgadores”, que devem incentivar a compra obrigatoriamente, independentemente de terem lido ou não o livro, e gerar lucro para os editores com os livros que receberam do resto inutilizado da impressão. Grupos que fazem “convite” sem conhecer o trabalho ou ler uma linha de texto. Grupos que fazem “convite” por representatividade feminina, sem conhecer o trabalho (o que é uma falta de respeito para uma pessoa que não acredita em “representatividade”, mas em competência — o que me levaria a falar dos possíveis preconceitos sobre a competência feminina, mas isso seria outro texto).

Tudo isso — e muito mais — acontece. Então, ler sobre esse “não” protetor, que preserva o óleo da lamparina, foi um sufrágio. Não é uma tarefa fácil se proteger da malícia das pessoas, da falta de cuidado e respeito que permanece no comportamento de muitos, mesmo após a conversão. Exige paciência — e muitos “nãos”.

O “não” protetor também protege quem nós somos. Talvez, se elas tivessem dado o óleo, não seriam quem são. Teriam perdido a própria identidade.

A identidade... a pequena luz que já me levou a dizer muitos “nãos”: – mostrar a própria vida na internet: não – se expor todo o tempo: não – seguir as panelinhas: não – aceitar propostas baseadas em visibilidade e status: não – adotar os discursos correntes para pertencer: não – puxar o saco das pessoas: não – acatar tudo sem pensar e refletir: não – fazer concessões em matérias simples e fáceis: não

E, claro, todo “não” tem um custo.

Segundo os exegetas, o óleo são as boas obras. Por isso, elas mandaram que as Virgens Loucas fossem comprar o seu óleo. Pareceu-me muito oportuno refletir sobre isso, num momento (alguns anos) em que existem tantas pessoas que querem lucrar placidamente — e descaradamente — em cima dos esforços das obras de outras pessoas. Eu me pergunto se elas não notam mesmo que isso é errado...

Bem, quanto a mim, adotei o “não” das Prudentes e a postura de sonhar com um meio católico em que o trabalho das pessoas é realmente valorizado. Que os professores recebam a justa paga de suas aulas. Que os escritores recebam a justa paga — e em dia. Que os coordenadores busquem conhecer o trabalho e o talento das pessoas e as escalem por sua competência em um assunto. Que as pessoas não sejam usadas como tapa-buraco ou algo similar. Enfim, que a conduta cristã seja melhor que a do pagão.

Um sonho que vale vários “nãos”.












Todos os dias, o mesmo café coado, com a água fervida na mesma chaleira, aquecida no fogo do mesmo fogão, que fica na mesma cozinha — que não recebe a mesma claridade todas as manhãs. Todos os dias, o mesmo tênis pisa na mesma rua, faz a caminhada no mesmo trajeto, sob as mesmas árvores — que não estão debaixo do mesmo céu.

As mesmas coisas se desenrolam numa vida quieta e absolutamente normal. Que grande graça é a normalidade — as tarefas pequenas desempenhadas na quieta passagem do tempo, que, como um gentleman, passa com um aceno de cabeça e mão na cartola.

O som da quietude é a maior sinfonia do universo. A vida parece um livro que está sendo folheado pelo silêncio da passagem do tempo, numa rotina calma e cheia de repetições normais. A louça ao sol, o vento que faz badalar os sinos na cozinha, o sol que descansa no tapete da sala às 13 horas, no guarda-roupa do quarto às 15 horas e no quadro da sala às 16h30.

Pequenas mudanças aqui e ali acontecem na casa e na vida — mas tudo numa certa calma. Sentir a vida quieta parece nos colocar numa outra existência. É como mudar a estação de rádio num aparelho analógico: traz um alívio imediato ao finalmente encontrar algo sem ruídos e frases fragmentadas.

As respirações se tornam mais profundas, os olhos se enchem de lágrimas — sem nenhuma vontade de chorar ou tristeza. É como encontrar um velho amigo que traz conforto e certo sentido.

A fala da vida quieta é densa — instrui muito em poucos minutos, alimenta a alma de certas forças que não são encontradas em outros locais. Parece uma oração recebida, em que o próprio silêncio intercede por nós.

Existe uma situação mental que ganha o nome, por alguns, de algo como “deslocamento do self”. Self é o “consigo”. Então, seria um deslocamento do “estar consigo”. Não é difícil notar esse deslocamento: nuvem mental, certa desconexão do corpo, irritabilidade, uma sensação de fraqueza interior. Existem várias orientações sobre essa situação, mas tenho pensado que se assemelha muito à uma escassez da nutrição que a vida quieta traz.

A vida quieta não é uma vida totalmente silenciosa — antes, é a vida que se desenrola num fundo de silêncio. Por exemplo, quando estou com a máquina de lavar ligada, algo no forno da cozinha, um feijão na panela de pressão, o moço da manutenção arrumando o jardim do prédio e eu mesma falando numa aula online — se eu parar um momento, encontrarei o silêncio ali, no pano de fundo de todos esses acontecimentos simultâneos. Me parece que é essa percepção — ora maior, ora menor — que constitui o que eu chamo de vida quieta, que me permite, de tempos em tempos, olhar em volta, ver o Tempo passar com a mão na cartola e não como o Coelho do País das Maravilhas, que me faz correr atrás dele sem rumo. Antes, a vida quieta é a vivência da oração de agradecimento realizada no alívio e reconhecimento deste fragmento de eternidade que repousa sobre a criação como bênçãos em partículas cintilantes.

Singelamente, Ana







Aparentemente, o ano começou. Os dias se tornaram mais frescos, como uma antecipação do outono. 

O outono é a estação das folhas secas e do vento. Uma estação de recolhimento para uma mudança interna, numa disposição para deixar o vento levar o que já não parece vívido. As árvores ficam lindamente alaranjadas ou sem folhas, as folhas antes verdejantes tornam-se adubo para um novo ciclo, de maior recolhimento. 

Mas ainda é verão. Embora já se possa sentir, pelos acordes que o Senhor rege a criação, as notas de uma nova sinfonia, mais aconchegante, lenta e intimista. 

Quando nos educamos para respeitar e honrar o tempo, passamos a acolher os tempos dos ciclos naturais com sentido católico. 

Segundo o ensinamento das Quatro Têmporas, a estação do verão nos impulsiona a contemplar a força do calor e a regrar em nós o arrebatamento e a falsidade, como se a própria estação se empenhasse conosco a vencer os arrebatamentos que o calor gera através da vivência da virtude da modéstia; acostumando-nos com a luz vibrante do sol, que como a Verdade não admite falsidade. Já o outono, com seu despojamento manifesto nas árvores, nos ensina a acalmar em nós a melancolia, a tristeza e a cobiça. 

O Senhor nos direciona por vários meios. Como um maestro coordena o Universo, no entanto, tem na mão, não uma vara de madeira, mas uma vara de ferro. 

"Tu as quebrarás com vara de ferro" (Salmo 2, 9).

A vara de ferro significa um governo severo. Sempre quando leio os salmos, me impressiono com o que fizeram com o Reinado do Messias. 

Severo significa exigente. 

Num mundo tão instantâneo quanto o nosso, tão ansioso, tão profundamente superficial, é difícil, para alguns, conciliar à Santa Bondade uma Santa Exigência. 

No entanto, este é um atributo do Reinado Messiânico. Uma característica do Príncipe Messiânico. O triunfo do Reino do Messias é justamente estabelecido quando os príncipes da terra que se uniram contra Deus e seu Messias, prestam-lhe vassalagem, com temor e tremor. 

O triunfo do Reinado do Senhor Jesus se manifesta quando se estabelece a Santa Ordem: tudo o que é inferior deve se submeter ao que é superior. 

Isso significa que o Reinado do Messias se fará sobre todo povo e nação. Significa também que estas serão sujeitadas a Ele. 

Tristemente não é essa a catequese que recebemos nas homilias, todos estão preocupados com a opinião dos outros e não com a opinião do Messias que pagou um alto preço e agora vê seus filhos e ministros ordenados se alistarem contra Ele, atentando contra o Seu Poder e Direito de Reinar. 

No entanto, não devemos deixar que essas atitudes, feitas por aqueles que deviam nos proteger, tirem a nossa esperança no Senhor e no Plano para a Sua Igreja, pois "o que habita os céus ri, o Senhor se diverte às Suas custas... confundi-os com o Seu furor" (Salmo 2, 5)

Proteja-se na Verdade do Senhor, no ensinamento puro da Santa Igreja e da Santa Tradição e deixe que os que escolheram solenemente a confusão nela recebam mais confusão.


"Felizes aqueles que n'Ele se abrigam." (Salmo 2, 12)

Quantas pessoas realmente esperam o Senhor? 

Você espera o Senhor?

Tenho pensado muito sobre isso. Os judeus, antes da vinda do Messias, esperavam o Messias. Os judeus que se converteram também esperaram o Messias. Por gerações, trabalharam, foram à sinagoga e esperaram o Messias. Hoje ainda muitos judeus o esperam. Ao menos, eles esperam. 

Não sei se posso dizer com veemência e sinceridade que os cristãos, os católicos, principalmente, esperam o Senhor. Quase não se escuta nenhuma ensino sobre a vinda do Messias. Estamos na Quaresma e quase não escutamos o motivo pelo qual entramos em oração e jejum. O motivo é: o noivo voltará. 

É triste constatar que ninguém parece esperar o Senhor. Os padres fogem de falar sobre a vinda do Senhor, por um único motivo: terão que falar sobre o Juízo. E é claro, isso fere a suscetibilidade das pessoas, então não pode. 

Penso constantemente na frase do Senhor: "quando eu voltar encontrarei fé sobre a terra?" (Lucas 18,8). Que triste, não é? Ele já sabia e por isso ficou tão triste. 

Eu não sei muito bem se podemos ajudar o clero, me parece que eles cavam diariamente a própria cova, se afundando em calar sobre realidade gritante ou em falar doutrinas estranhas. Não sei também se podemos mudar a sociedade, sem catequese ministrada de forma pura é difícil existir uma mudança social. Mas uma coisa me parece sensata: esperar que o Senhor venha. 

É comum escutar que o Senhor já veio, não é tão comum escutar que Ele virá de novo. Existe uma completa descrença na vinda do Senhor entre os que dizem crer, é algo tratado como um mito, como a existência de um pote de ouro no fim do arco íris. 

Que alegria seria se um número maior de pessoas pudesse levantar a cabeça e sorrir ao escutar que o Senhor vêm, Ele realmente vêm. E ter, finalmente, esperança. 


 







É verão. As festividades passaram, as estações, no entanto, não mudam. É sempre verão. Os dias se desenrolam vagarosos, como devem ser, se o celular está desligado — assim como qualquer dispositivo de áudio visual.

É estranho como tudo muda quando entramos no ritmo frenético da hiperinformação e da hipercomunicação, que não preenchem, mas tornam o espaço interior e mental estranhamente vazio. Murchamos como uma planta que recebe água ou sol demais.

“Suas folhas nunca murcham, tudo que ele faz é bem-sucedido.” (Salmo 1, 3)

A terra precisa de descanso entre uma plantação e outra. Já no Antigo Testamento, o Senhor decretou um ano sabático a cada sete anos. E, dentre as quatro estações, duas são vibrantes e duas de recolhimento. Os ciclos ordenados são necessários para o crescimento.

“Suas folhas nunca murcham.”

Que grande desafio se manter seguro num tempo tão frenético e acelerado — feito para murchar as folhas de qualquer alma. Olhamos em volta e podemos ver, com clareza, pessoas com suas folhas murchas, simplesmente pelo cansaço que a vida na tão esperada pós-modernidade nos presenteou.

“Suas folhas nunca murcham, tudo o que ele faz é bem-sucedido.”

Sucesso. Provavelmente, o sucesso que o salmista aponta não se trata do sucesso que hoje temos em mente. O sucesso de hoje desfigura a alma, faz a todos igualmente murchos. O sucesso está no que fazemos hoje.

“Tudo o que ele faz é bem-sucedido.”

E o que fazemos, todos os dias? Bem, coisas simples, pacatas, repetitivas — mas que podem ser incrivelmente bem-sucedidas. Feitas com esmero, na calma e tranquilidade da passagem do tempo, que anda normalmente como um acompanhante de cartola que é antigo e novo.

E, então, nossas folhas nunca murcham.










Os tempos estão instáveis. O mundo está instável, incoerente, acelerado. Uma saudade estranha dos tempos do “tempo vagaroso” se mistura com uma ânsia que rejeita constantemente a assombrosa calmaria.

“Como árvore plantada junto às correntes de águas, que a seu tempo dá fruto.” (Salmo 1, 3)

E, neste mundo mutável, o justo é como uma árvore plantada à beira das águas que correm. Ele abraça a calmaria como quem possui uma receita celestial.

Uma árvore é estável, nunca sai do lugar. As estações passam por ela, os anos, até mesmo décadas — e ela está lá, recebendo as estações, mudando, crescendo, dando os seus frutos, enraizada. Enraizando mais e mais, gerando um tronco maior e mais forte, folhas maiores e mais altas.

Ser como uma árvore parece realmente reconfortante. Mas a nossa natureza é imperfeita justamente por ser mutável. Deus é perfeito por ser imutável. Somente aquele que é imperfeito muda — muda para buscar a perfeição. Parece que ser como uma árvore plantada junto às águas que passam, sempre e sem parar nunca, seja o nosso grande remédio em prol da imutabilidade.

“Toda dádiva boa e todo dom perfeito vêm de cima: descem do Pai das luzes, no qual não há mudança, nem mesmo aparência de instabilidade.” (São Tiago 1, 17)

Imutabilidade, estabilidade. Nunca antes essas palavras causaram tanta aversão. E nunca antes perseguimos tanto essas duas coisas. No entanto, a imutabilidade e a estabilidade vindas do Senhor são diferentes do comodismo e da vida de conveniência. É importante notarmos, pela vida dos santos, que somos mais perfeitos quanto mais consciência da nossa imperfeição e impermanência temos. Podemos fazer um bem maior às pessoas quanto mais notarmos que o mundo é impermanente e imperfeito. Isso é possível quando nos refugiamos, pela oração mental, na imutabilidade e na permanência do Senhor.

“Que a seu tempo, dá fruto.”

A oração mental nada mais é que aquietar-se e imitar Aquele que é o “motor imóvel que move todas as coisas”. É por isso que tantos benefícios são colhidos pela oração mental — porque nós imitamos o Imóvel que move tudo e todos com Seu Amor.

Imitando-O, podemos confiar em Quem nos plantou em Si mesmo para dar fruto.

“Como árvore plantada junto às correntes de águas, que a seu tempo dá fruto.” (Salmo 1, 3)



Escrito entre 28 de dezembro de 2023 e 12 de janeiro de 2024.




O Brasil é um país com aversão à inteligência. Historicamente, o conhecimento foi, gradativamente, colocado como algo ruim e como sinônimo de “soberba”.

Uma vez conheci um africano que ministrava aulas na mesma escola que eu. Na entrevista para aquisição de uma cadeira docente, foi-lhe perguntado se, na África, existia qualidade de ensino, estrutura. Ele respondeu que, realmente, a estrutura não era como algumas das nossas, mas que ele teve aula com os maiores professores do Reino Unido e de Portugal. O conhecimento genuíno era algo extremamente valorizado por ele. Ele se orgulhava de seus professores e de si mesmo.

Nos Estados Unidos, é fácil encontrar debates, pessoas lendo — lendo muito. Qualquer coisa, para ser debatida, deve ser publicada. O conhecimento e a veiculação do conhecimento são valorizados, são um bem, são sinônimo de liberdade.

Nos países hispânicos, é frequente que confirmem a lista de referências, checando o que foi explicado em aula, aprofundando o conhecimento. São povos que aprenderam a valorizar o conhecimento — e também a checá-lo, a verificar se aquilo é mesmo a verdade. Resultado de sua história como povo. Uma vez, estava ministrando uma palestra e, dentre os participantes, estava uma peruana. Bem, ela pediu as referências e, na outra semana, já havia checado todas.

Já no Brasil, a pseudo pátria educadora, o conhecimento é sinal de ofensa. Estudar e veicular conhecimento é como um xingamento. Automaticamente, a pessoa que estuda é vista como soberba, orgulhosa e “quer ser melhor que os outros” — principalmente nos meios religiosos. Sendo que o ato de compartilhar conhecimento, contribuir nos debates, veicular informação e formação é um sinal de generosidade. Principalmente num país como o nosso, enorme em tamanho, mas tão pouco encorajado. O resultado é um misto assombroso de desvalorização de autores, professores, discursos contra o conhecimento e o saber, apontamentos feitos no púlpito e fora dele dizendo que todos são soberbos e orgulhosos (sem nunca ter conversado com o sujeito, veja bem). “Soberbos” que compartilham o conhecimento que acumularam em anos de estudos — que coisa inusitada.

Nenhum professor ou estudioso encontrou o que sabe na sarjeta. E nenhum deles é obrigado a dar aula e escrever de graça. Se o faz, é por generosidade — é por acreditar na educação e no potencial do povo, apesar do próprio povo.

Bem, a aversão à inteligência é uma reação que possui várias origens. A principal delas é a exigência que o conhecimento gera. Veja bem: quando o conhecimento é veiculado, isso muda as referências de saberes do povo, os enriquece e, portanto, os faz mais exigentes. Por outro lado, também oferece novos horizontes sobre o que seria educação e conhecimento, mudando assim os pontos exigidos no âmbito pessoal. Afinal, é preciso ler, estudar — e não somente receber a informação passivamente, como se estivéssemos vivendo numa Matrix. Claro, isso não agrada. Existe quem se favoreça com um povo sem conhecimento. Afinal, diante de um povo sem conhecimento, o professor, o padre, o político, o empresário não precisam se esforçar em seus ofícios. Ainda existe, no entanto, quem escolha não estudar — e que se incomode com quem o faz. Lembrando que não falo somente do estudo oficial, mas do ato mesmo de estudar como uma vocação, e não uma obrigação para cumprir a jornada da escada social rumo ao nada.

O que fazer?

Não há o que fazer com quem tem aversão à inteligência. É um aspecto que o sujeito precisa cuidar, tratar e revisitar — os motivos para essa reação diante de algo tão simples. Ninguém pode obrigar alguém a perguntar-se: “Eu não gosto de quem estuda?” “Eu acho que quem estuda é soberbo?” “Donde eu tirei isso?” “Será que é mesmo assim?” “Eu me sinto ofendido, inferior?” “Mas qual a causa disso?”






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"Pois o preceito é lâmpada, e a instrução é luz, e é caminho de vida a exortação que disciplina" - Provérbios 6, 23

Ana Paula Barros

Especialista em Educação Clássica e Neuro Educação. Graduada em Curadoria de Arte e Produção Cultural. Professora independente no Portal Educa-te (desde 2018). Editora-chefe da Revista Salutaris e da Linha Editorial Practica. Autora dos livros: Modéstia (2018), Graça & Beleza (2025).

Possui enfática atuação na produção de conteúdos digitais (desde 2012) em prol da educação religiosa, humana e intelectual católica, com enfoque na abordagem clássica e tomista.

Totus Tuus, Maria (2015)




"Quem ama a disciplina, ama o conhecimento" - Provérbios 12, 1

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