A estética (como a capacidade cognitiva de apreensão pelos sentidos, como já sinalizado aqui) sempre desempenhou um papel fundamental na construção da identidade humana. No entanto, nas última década, a pressão de imagem imposta pelas redes sociais e pela cultura de massa tem gerado impactos profundos na saúde mental, especialmente entre adolescentes e jovens adultos. A educação estética, que deveria promover uma relação saudável com a imagem e a arte, enfrenta um ambiente de caos diante da crescente crise estética, ou seja, crise da apreensão.
O Brasil é um dos países com maior uso de redes sociais no mundo, e estudos indicam que há uma diferença significativa entre os sexos na utilização dessas plataformas. As mulheres representam uma parcela maior dos usuários, o que pode estar relacionado à pressão de imagem que recai sobre elas, impulsionando o consumo de produtos cosméticos e procedimentos estéticos (Vermelho et al., 2020). A venda de cosméticos no Brasil cresceu significativamente nos últimos anos, evidenciando o impacto das redes sociais na busca por atender aos padrões de imagem e aparência (Fernandes et al., 2021).
Nos Estados Unidos, pesquisas científicas apontam que o uso excessivo do celular afeta a percepção da própria imagem, contribuindo para o aumento da ansiedade e da comparação social (Nicolaci-da-Costa, 2019). A exposição constante a filtros e edições digitais reforça padrões inatingíveis de imagem, levando muitos jovens a recorrer a cirurgias plásticas e tratamentos estéticos para se adequar a esses modelos, mesmo sendo tão jovens (Kataoka et al., 2021).
A arte e a literatura, assim como todas as boas produções culturais, têm um papel fundamental na promoção do bem-estar emocional. Estudos mostram que a exposição à arte pode reduzir os níveis de estresse e ansiedade, além de estimular a criatividade e a autoestima equilibrada (Fancourt & Finn, 2020). A Organização Mundial da Saúde (OMS) destaca que produções culturais ajudam na prevenção de transtornos mentais e promovem uma melhor qualidade de vida (Jardim et al., 2021).
A série "Adolescente" aborda temas como comparação social, raiva e a dificuldade de aceitar pontos de vista discordantes, além da vivência não mundana, mas infrutífera, do celibato. Além disso, evidencia o perigo de um ambiente que apresenta ao indivíduo apenas aquilo de que ele gosta, gerando uma microcultura baseada em códigos e linguagens próprias. No contexto da série, isso pode ser prejudicial ao restante da sociedade. No entanto, esses mesmos fatores podem formar microgrupos que trazem benefícios à comunidade, utilizando as mesmas portas de acesso. Uma faca de dois gumes.
A África do Sul é o segundo maior usuário de internet, com uma taxa de penetração de 68,2% da população. Assim como no Brasil, a cultura de massa influencia a percepção da imagem e o consumo de produtos estéticos (Silveira, 2020). A globalização dos padrões de beleza, impulsionada pelas redes sociais, tem gerado impactos semelhantes em diferentes países, reforçando a necessidade de uma abordagem educacional que promova uma relação mais saudável com a imagem que vemos. Estamos constantemente expostos a conteúdos que nos levam a desejar determinadas coisas, muitas vezes beneficiando economicamente alguém à custa da saúde mental de muitos (Nanque, 2021).
A educação estética poderia atuar como um contraponto no que se refere à imagem e à aparência, ensinando a valorização da apreciação da beleza natural e a desconstrução de padrões irreais.
O livro Geração Ansiosa, de Jonathan Haidt, explora como a hiperconectividade e a exposição precoce às redes sociais têm gerado uma epidemia de ansiedade entre os jovens. Os homens são incentivados à "raiva masculina" e à atitude clubista de se fecharem em grupos exclusivamente masculinos. Embora isso possa ser edificante até certo ponto, se feito virtuosamente, socialmente gera uma falha, pois a sociedade é composta por homens e mulheres.
Essa construção impede a educação mútua e amplifica comportamentos nocivos de cada sexo, a saber: nos homens, o egoísmo soberbo da autoadmiração; e nas mulheres, a vaidade soberba ou a vaidade carente. Quando há a presença do sexo oposto em um ambiente virtuoso, esses pontos nocivos são educados e remediados, enquanto que, entre pares, tendem a ser fortalecidos—salvo na presença de alguém altamente virtuoso e de forte presença, capaz de remediar os demais, o que é raro.
As mulheres são particularmente afetadas, pois enfrentam uma pressão mais intensa relacionada à imagem e à aparência, muitas vezes promovida pelas próprias mulheres. Esse fenômeno contribui para o aumento de transtornos mentais femininos (Anjos & Ferreira, 2021).
A comparação constante com influenciadores digitais e celebridades reforça sentimentos de inadequação e deslocamento, oriundos da mesma dinâmica das bolhas, que dificulta a assimilação de desigualdades, dado que essas questões são apresentadas de forma tão constante (como um bombardeio digital) e, muitas vezes, apelativa (Brugiolo et al., 2021). Além disso, esse cenário incentiva preocupações com temas que podem não ser relevantes para todos ou mesmo saudáveis para todos.
Nos últimos meses, por exemplo, a lista de "mais vendidos"—sem considerar o próprio método de criação dessas listas—apresenta livros sobre alcançar a prosperidade "passando a perna no diabo". Vale notar que o objetivo parece ser ganhar dinheiro, e não ser astuto como as serpentes em prol do Reino do Senhor.
Além disso, os três primeiros lugares são ocupados por livros para colorir. Essa lista pode nos dar indícios sobre a capacidade de apreensão geral, o padrão estético-social (ou seja, o padrão de apreensão social) e os desejos e ambições da sociedade.
Para onde está olhando a maioria dos consumidores-leitores? O que estão contemplando e expressando? Podemos inferir que essa lista talvez diga: "quero ser rico e vou surtar", "preciso de dinheiro e estou exausto" ou "valorizo a riqueza, mas quero descansar".
A lista reflete a tensão da sociedade brasileira, que não suporta mais tanta pressão sem alicerce humano, educativo e espiritual.
Conclusão
A crise estética contemporânea (entende-se como crise de apreensão pelos sentidos na contemporaneidade) exige uma reflexão profunda sobre o papel da educação estética na formação da identidade e na promoção da saúde mental. A ação cristã nessa área não pode ignorar os efeitos nocivos da escravidão da imagem em prol de ganhos pessoais, especialmente para aqueles que servem a Deus na área da saúde.
A valorização da arte, a desconstrução de padrões irreais e o incentivo ao pensamento crítico são ferramentas valiosas para enfrentar os desafios impostos pela cultura de massa e pelas redes sociais. Somente por meio de uma abordagem educativa e consciente será possível construir uma sociedade cristã equilibrada, menos vulnerável à pressão da imagem e mais sensível à verdadeira virtude.
A estética (entende-se como apreensão pelos sentidos) alinhada ao evangelho promove o decoro e o polimento no comportamento sem perder a naturalidade, mantendo o bom gosto compatível com o processo de conversão cristã, que rejeita o mundano. Além disso, há um empenho em evitar que a beleza se torne um produto manipulado por setores da indústria que visam apenas ao lucro, afirmando vender beleza.
A beleza é um traço concedido a toda alma criada por Deus e se torna ainda mais bela à medida que se aproxima do Criador.
Tal ação exige uma conversão maior por parte do grupo de cristãos ativos em ações católicas pelo país.
Professora Ana Paula Barros
Especialista em Educação Clássica e Neuro Educação. Graduada em Curadoria de Arte e Produção Cultural. Professora independente no Portal Educa-te (desde 2018). Editora-chefe da Revista Salutaris e da Linha Editorial Practica. Autora dos livros: Modéstia (2018), Graça & Beleza (2025).
Referência deste artigo: BARROS, Ana Paula. A educação estética como ferramenta de saúde mental. Salus in Caritate, seção Educação e Filosofia, 08 maio 2025. Disponível em: <https://www.salusincaritate.com.br>.
Referências
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BRUGIOLO, Alessa Sin Singer; SANTOS, Eveliny Rodrigues; RIBEIRO, Pâmella Cristina Soares; CARNAÚBA, Fabiana Roberta Nunes. Insatisfação corporal e procedimentos estéticos em adolescentes. SciELO.
FANCOURT, Daisy; FINN, Saoirse. Evidências sobre o papel das artes na melhoria da saúde e do bem-estar. Arte Despertar.
FERNANDES, Manuela Luiza de Souza; PARAÍSO, Alanna Fernandes; RODRIGUES, Augusto César Evelin; SILVA, Amanda Tauana Oliveira e; Diniz, Sara Cristina Saraiva Batista; BEZERRA, Lana Vitória Santana; BORGES, Luna Viana. Os impactos das redes sociais na busca por procedimentos estéticos. Revista FT.
JARDIM, Viviane Cristina Fonseca da Silva; VASCONCELOS, Eliane Maria Ribeiro de; VASCONCELOS, Célia Maria Ribeiro de; ALVES, Fábia Alexandra Pottes; ROCHA, Karyanna Alves de Alencar; MEDEIROS, Eduarda Gayoso Meira Suassuna de. Contribuições da arteterapia para promoção da saúde e bem-estar. SciELO.
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NANQUE, Manuel. A África sob diferentes olhares: do epistemicídio colonial à tecitura estética digital. Repositório UNILAB.
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