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Salus in Caritate

Cultura Católica






DISTRAIR-SE é ir para diante e para trás; perder o fio da ideia; perder-se no acessório. A lâmpada se desvia do tesouro. Quando seguimos uma ideia com a interposição de outras desnecessárias ou opostas, sofremos distrações. Distrair-se é ficar adormecido diante do objeto que devemos considerar. É como a lâmpada que estava sendo dirigida a um tesouro, mas que se desvia para outro ponto antes que possamos possuí-lo e usufruí-lo. É tratar de chegar a um ponto, mas nos perdermos noutra direção, atraídos por outros objetos. É permitir que estímulos inoportunos afastem o centro de atividade da alma do ideal desejado.

Enquanto seguíamos o livro ou a dissertação, corremos atrás de detalhes insignificantes; ou, então, algo ao nosso redor ocupou o centro de nossa consciência e “perdemos o fio”. É preciso reencontrá-lo, voltar ao caminho novamente. Chegaremos ao término, embora mais tarde e com maior cansaço. Em um resumo descritivo, diríamos: Resultado da distração — RD: eficiência decresce; fadiga aumenta. Isto quer dizer que haverá menor eficiência em relação à concentração e maior fadiga. Com isso, é claro, a saúde mental não se beneficia, e não sentiremos satisfação profunda. Isso ocorre porque é necessário recomeçar o período de ajustamento, além de aumentar a atividade espasmódica, provocando maior desgaste e impedindo a serenidade e o rendimento de uma atenção continuada, pacífica e profunda.

Os raios difusos do sol não conseguem atear fogo em um pedaço de pau seco; concentrados, porém, por meio de uma lente, podem produzir um grande incêndio. Do mesmo modo, um estudante que não sabe prestar atenção não progride nem sente satisfação no estudo, parecendo uma nulidade intelectual; no entanto, uma vez que aprenda a concentrar-se, poderá chegar a ser um gênio e causar admiração por sua eficiência.

Com frequência, chegam até nós estudantes, profissionais ou homens de negócio pedindo orientação e remédios para lidar com o fraco rendimento mental e as contínuas distrações.


A Eis um remédio: antes de tudo, é necessário verificar se as distrações geralmente giram em torno de um tema ou polo fixo, pois, neste caso, a causa e o remédio devem ser buscados na vida afetiva. Deve-se descobrir esse polo nos desejos ou temores exagerados que roubam a atenção de modo obsessivo. Este tema será tratado no Capítulo III: “Atenção obsessiva”.

Se não existe tal foco afetivo de atração ou repulsão, mas as distrações vão, como as borboletas, de flor em flor, ou se assemelham a uma fita cinematográfica que reproduz as lembranças do dia, é necessário verificar se essa atenção deficiente é generalizada ou ocorre somente em relação a alguns assuntos ou determinadas matérias. Neste último caso, se o estudante, por exemplo, tem perfeita concentração em certas matérias, mas não em outras, a causa pode ser objetiva, ou seja, o problema pode estar no professor ou no livro, e não depender exclusivamente do estudante, a não ser que tenha medo ou aversão às matérias em questão.





CAUSAS OBJETIVAS DE DISTRAÇÃO 


Caminho e fim desconhecidos. Estrada cortada ou piso sem escada. Caminho desagradável e penoso. Caminhar sem descanso.


O conferencista ou o livro tratam de levar-nos ao reino da sabedoria, ao palácio das ciências, mas, às vezes, o caminho ou o método que empregam é deficiente:

1- Caminho e fim desconhecidos: Se desde o início não nos indicam o término de nossa viagem concretamente, ou seja, o tema que vão desenvolver e o método que vão seguir para explicá-lo, facilmente nossa mente divagará. Não saberíamos por onde iríamos. Quando nos convidam a uma excursão, ficamos mais satisfeitos se nos apresentam antecipadamente as atrações do local escolhido e as belezas do percurso. Caso nos percamos, ainda poderíamos chegar lá por nossos próprios meios. O mesmo ocorre com dissertações ou conferências.

Ao começar a leitura de um livro ou artigo, pergunte-se: de que trata? Como o tema é desenvolvido? As respostas geralmente estão no título, subtítulo ou índice. Livros, conferências ou dissertações tornam-se mais fáceis de seguir quanto mais claros e organizados forem os pontos introduzidos.


2- Caminho interrompido ou piso sem escada: Se o tema estiver acima de nossa preparação, ou em sua exposição forem mencionados conceitos necessários, mas desconhecidos, sem explicações suficientes, é natural que a mente abandone o percurso. Quem nos leva de algo conhecido a algo ignorado, sem os devidos esclarecimentos intermediários, é como alguém que tenta nos conduzir a um andar superior, retirando a escada.

Durante nossos estudos, não deixemos lacunas ou partes intermediárias importantes sem compreendê-las bem.


3- Caminho desagradável e tedioso: Se a exposição for monótona e cansativa, sem exemplos práticos ou comparações que a tornem interessante, se não houver variedade, criatividade ou ideias marcantes, facilmente será gerada distração. Além disso, prevenções ou antipatias em relação ao expositor podem estender-se ao conteúdo, dificultando o aprendizado. Sabe-se que onde entra o desgosto, qualquer trabalho se torna mais pesado.


4- Caminhar sem descanso: Para evitar este último obstáculo e não prolongar a tensão de atenção, é importante intercalar subtítulos e esquemas no texto. Segundo o Dr. Arthus, a atenção voluntária, nos adultos, dura no máximo vinte minutos. Após esse período, não se obtém concentração sem esforço ou desgaste.

Por exemplo, quem dirige por uma estrada estreita e sinuosa em alta velocidade deveria, a cada 15 ou 20 minutos, reduzir a tensão, diminuindo a velocidade. Do mesmo modo, ao lidar com explicações difíceis, busque pausas ou alívios, como exemplos e anedotas. Quando lemos algo árido, podemos complementar a leitura procurando imagens ou casos práticos para tornar o aprendizado mais leve e significativo.

Em aulas ou conferências, recomenda-se aliviar a atenção com digressões, comparações ou humor a cada quinze ou vinte minutos, especialmente se o público for formado por crianças ou se tratar de temas abstratos.




CAUSAS SUBJETIVAS DA DISTRAÇÃO 


Debilidade orgânica. Vida dissipada. Falta de treinamento. Esgotamento psicológico. Falta de interesse.


Examinadas as causas objetivas da distração, apontamos também as causas subjetivas:

1- Debilidade orgânica: Caso o estudante enfrente problemas como enfermidades, convalescença, carência de vitamina B ou má alimentação, é natural que tenha dificuldade em fixar a atenção. A solução está em fortalecer a saúde, adotar uma alimentação balanceada e combater avitaminoses. Embora existam casos raros de pensadores brilhantes com saúde debilitada, essa não é a regra.


2- Vida dissipada: Quem distribui sua energia em muitos interesses ao longo do dia — esportes, política, vida social, entretenimento — tende a ter dificuldades para concentrar-se, pois esses pensamentos competem por sua atenção mesmo durante atividades mentais.


O grande pensador e escritor, prêmio Nobel, Doutor Alexis Carrel, em seu livro “O homem, este desconhecido”, luta para que, na vida agitada moderna, se formem ilhotas de solidão nas quais os intelectuais possam isolar-se dos demais para concentrar-se em seus estudos. Eis suas palavras:

“A vida moderna se encontra em oposição com a vida do espírito. Os homens de ciência esgotam inutilmente suas forças e perdem boa parte de suas atividades na busca de um retiro para seus estudos. Ainda não se cogitou de formar, em meio à agitação do mundo, ilhotas de solidão, onde a meditação se torne possível. E esta inovação se impõe cada dia de maneira mais imperiosa.”

As grandes empresas norte-americanas, General Motors, General Electric, etc., estão realizando esta sugestão em benefício de seus pesquisadores, erguendo custosos edifícios longe da cidade, rodeados de parques amenos.

Pouco depois, acrescenta Carrel: “É muito difícil que os filhos do mundo moderno gozem das vantagens que oferece a vida interior. Esta vida, segredo verdadeiramente oculto, escondido, desconhecido, incomunicável (‘impartageable’), é considerada por muitos educadores como um pecado. Contudo, continua sendo a fonte de toda originalidade e de todos os grandes empreendimentos. Só ela permite ao indivíduo conservar sua personalidade no meio do vulgo. Assegura-lhe a liberdade de espírito e o equilíbrio do sistema nervoso em meio à desordem do mundo moderno.”



3- Falta de treinamento. Nenhuma das anteriores causas de distração se podia apontar num aluno interno que, apesar de não perder um minuto de estudo, era o último da classe. Julguei que lhe faltava treinamento; chamei-o à parte para estudarmos juntos. Ele costumava ler toda a lição quase sem fixar-se, nem entendê-la. Tornava a ler e reler até poder repeti-la como um papagaio. Expliquei-lhe que, para se aprender alguma coisa, é preciso começar por entendê-la.

Mandei-o ler em voz alta o primeiro parágrafo; tirei-lhe o livro e pedi que fizesse um resumo do que lera; não havia fixado nada na mente. “Vamos ver de novo.” Agora, sabendo que teria que fazer o resumo, teve a atenção comandada pela vontade e repetiu-me uma das ideias principais.

“Escreva esta ideia em uma frase ou em uma palavra que a recorde.” Leu o segundo parágrafo; tirei-lhe o livro e escreveu o segundo resumo; e do mesmo modo o terceiro e o quarto. Afinal, com esses resumos, pôde recitar a lição, mas ainda muito incompleta.

Mandei-o então ler de novo o primeiro parágrafo para ver se faltavam ideias importantes.

— Sim, disse-me alvoroçado, aqui falta uma. — Está adiante ou atrás do que você escreveu? — Adiante. — Então escreva-a adiante. — Aqui há outra, para trás.

Escreveu atrás e foi assim completando o resumo. Ao terminá-lo, recitou-me perfeitamente a lição, com o auxílio dos resumos. Daí a recitá-la sem eles foi uma questão de poucas repetições. A partir de então nunca mais foi o último e terminou felizmente o curso.

Quantos talentos ocultos brilhariam como diamantes se alguém os polisse, ensinando-os a concentrar a atenção! Um dos melhores métodos será formular a si mesmo perguntas sobre a matéria e tratar de encontrar as respostas na leitura; também é bom método ler, lápis em punho, fazendo resumos.

E, a quem me objetasse que assim nunca terminaria sua lição, diria como os romanos: “Festina lente”: indo devagar, chegarás depressa, pois não precisarás de tantas repetições. Custar-te-ão os primeiros ensaios, mas, à medida que o teu talento sintético se for desenvolvendo, fá-lo-ás com rapidez e experimentarás o prazer de possuir muitas verdades em ricas sínteses.


4- Esgotamento Patológico. O “surmenage”, ou estafa cerebral, costuma aparecer por causa da atenção anormal; por exemplo: atenção ao que estudamos e ao problema que nos preocupa; ou por causa de uma atenção prolongada ou sem suficiente descanso; ou por trabalhar habitualmente com pressa e ansiedade, insatisfeitos com o que fazemos e preocupados com o êxito; ou por exigir de nossas faculdades e tempo rendimento maior do que seria razoável.

Chegará o momento em que a dor, peso, calor ou tensão na cabeça ou ao redor das órbitas nos incomodará ou preocupará; agitar-se-ão as ideias tristes e deprimentes; tornar-se-á difícil concentrar a atenção durante meia hora ou ainda menos; sentiremos cansaço.

Então o remédio ideal seria não pensar em nós nem nestas coisas molestas, mas concentrar-nos totalmente, com tranquilidade e alegria, no que fazemos, pois toda sensação de fadiga tende a aumentar ao se pensar nela, e ao contrário diminui e até desaparece quando aplicamos toda nossa atenção, tranquila e alegremente, em outra coisa.

Como, porém, conseguir esse esquecimento de si? No começo ajudará viajar ou mudar de ambiente ou ocupação, ou aprender a descansar através de sensações conscientes e, em seguida, praticar os Exercícios de Concentração que o Dr. Vittoz empregava em Lausanne.



Remédios práticos 

Não somente em casos de esgotamento, mas ainda no caso de simples divagação mental, poderiam ser úteis esses exercícios, como nos confessaram muitos que os praticaram conforme os expomos em nosso livro “Controle Cerebral e Emocional”, Cap. III-B. Eis alguns:

a) Concentração visual externa. Se, ao traçar um ponto, penso unicamente nele, terei a concentração de um instante de duração. Se o prolongar em linha reta, sem pensar em outra coisa, conseguirei uma concentração de vários segundos. Com os nervos e músculos sossegados, traçarei no ar com o dedo figuras amplas sem solução de continuidade, procurando segui-las com atenção e naturalidade.

b) Concentração visual interna. Às vezes será conveniente dedicar-se a fazer tais desenhos mentalmente, sem interferência da mão, sobre um tabuleiro imaginário, e exercitar-se assim vários dias.

c) Concentração auditiva. A senhora Z. sentia grande dificuldade em prestar atenção a discursos ou conferências e, quando tentava concentrar-se, ficava tão nervosa e constrangida que várias vezes teve de abandonar a sala. O barulho também a impedia de dormir à noite e, no escritório ou em casa, não podia ler nem escrever quando outros falavam ou tocavam piano perto dela. Exercitou-se durante vários dias em captar voluntariamente diversos ruídos durante o dia, depois em acompanhar o som do relógio dizendo e ouvindo mentalmente “tic-tac” dez vezes, sem distrair-se; no segundo dia chegou a 15 e no quarto a 20 e mais vezes sem pensar em outra coisa. Não empregava neste exercício mais de cinco minutos cada vez, embora o repetisse umas oito vezes por dia. Conseguida esta concentração auditiva bastante satisfatória, pôde passar a prestar atenção voluntariamente a uma leitura ou discurso, primeiro durante dez, depois quinze ou mais minutos, sem medo e sem distrações. Se estas sobrevinham, seu único cuidado era fixar de novo a atenção no que estava sendo dito. Ao fim de um mês, estava curada.

d) Concentração na leitura. Fixar nossa atenção no que lemos até o primeiro ponto. Descansar então alguns instantes com sensações conscientes. Continuar a ler até o segundo ponto e assim até completar uma página, repetindo este exercício até três vezes por dia.

Quando o cansaço sobrevém mais durante uma leitura do que ao escutar uma narração ou discurso, é muito provável que a causa esteja na tensão e nervosismo dos olhos. Veja-se a explicação e remédios no capítulo X, “Olhos ativos e passivos”.





Reverendo Narciso Irala, S. J.



Para aprofundamento: Educa-te: Paideia Cristã 
Para aprofundamento: Livro A Mulher Católica: Graça & Beleza (Ana Paula Barros) 



Ana Paula Barros

Especialista em Educação Clássica e Neuro Educação pela Pontifícia Universidade Católica. Graduada em Curadoria de Arte e Produção Cultural pela Academia de Belas Artes de São Paulo. Professora independente no Portal Educa-te (desde 2018). Editora-chefe da Revista Salutaris e autora dos livros: Modéstia, Graça & Beleza.











"Todo dom excelente e toda a dádiva perfeita vem do alto, desce do Pai das luzes" (Tg. 1, 17). Mais ainda, a Luz procede do Pai, difunde-se copiosamente sobre nós e com o seu poder unificante nos atrai e nos conduz ao alto. Faz-nos retornar à unidade e à deificante simplicidade do Pai, congregados nEle. "Porque dEle e para Ele são todas as coisas", como diz a Escritura.


Invoquemos, pois, a Jesus, a Luz do Pai, "a luz verdadeira que vindo a este mundo, ilumina a todo homem" (Jo. 1, 9), "por quem obtivemos acesso" (Rom. 5, 2; Ef. 2, 18; 3, 12) ao Pai, à luz que é fonte de toda a luz. Fixemos o olhar o melhor que pudermos nas luzes que os Padres nos transmitem pelas Sagradas Escrituras. Tanto quanto nos seja possível, estudemos as hierarquias dos espíritos celestes conforme a Sagrada Escritura nos revelou de modo simbólico e anagógico. Fixemos atentamente o olhar imaterial do entendimento na luz transbordante mais que fundamental, que se origina do Pai, fonte da Divindade. Por meio de figuras simbólicas, ilustra-nos sobre as bem-aventuradas hierarquias dos anjos. Elevemo-nos, porém, sobre esta profusão luminosa, até o puro Raio de Luz em si mesmo.

De fato, este Raio de Luz não perde nada de sua própria natureza, nem de sua íntima unidade. Ainda quando atua e se multiplica exteriormente, como é próprio de sua bondade, para enobrecer e unificar os seres que estão sob a sua providência, permanece, no entanto, interiormente estável em si mesmo, absolutamente firme, em imóvel identidade. Dá a todos, na medida de suas forças, poder para elevar-se e unir-se a Ele segundo sua própria simplicidade.

Porém este Raio divino não poderá iluminar-nos se não estiver espiritualmente velado na variedade das sagradas figuras, acomodadas ao nosso modo natural e próprio, segundo a paternal providência de Deus.


Pelo que nossa sagrada hierarquia foi estabelecida por disposição divina imitando as hierarquias celestes que não são deste mundo. Mas as hierarquias imateriais se revestiram de múltiplas figuras e formas materiais para que, conforme a nossa maneira de ser, nos elevemos analogicamente a partir destes sinais sagrados até a compreensão das realidades espirituais, simples, inefáveis. Nós, os homens, não poderíamos de nenhum modo elevar-nos por via puramente espiritual a imitar e contemplar as hierarquias celestes sem a ajuda de meios materiais que nos guiem conforme requer nossa natureza.

Qualquer pessoa, ao refletir, dá-se conta de que a beleza aparente é sinal de mistérios sublimes. O bom odor que sentimos manifesta a iluminação intelectual. As luzes materiais são imagens da copiosa efusão da luz imaterial. As diferentes disciplinas sagradas correspondem à imensa capacidade contemplativa da mente. As ordens e os graus daqui debaixo simbolizam as harmoniosas relações do Reino de Deus. A recepção da Sagrada Eucaristia é sinal da participação em Jesus, e o mesmo sucede com os seres no Céu que de modo transcendente recebem os dons que nos são dados simbolicamente.

A fonte da perfeição espiritual nos forneceu imagens sensíveis que correspondem às realidades imateriais do Céu, pois cuida de nós e quer fazer-nos à sua semelhança. Deu-nos a conhecer as hierarquias celestes; instituíu o colégio ministerial de nossa própria hierarquia à imitação da celeste, tanto quanto era possível, em seu divino sacerdócio. Revelou-nos tudo isto por meio das santas alegorias contidas nas Sagradas Escrituras, para elevar-nos espiritualmente desde o sensível e conceitual, através dos símbolos sagrados, até o cume simplíssimo daquelas hierarquias celestes.





Antes de tudo, creio dever expor qual é o principal objeto de toda a hierarquia, e em que sentido é proveitosa aos seus membros. Em seguida, exporei as hierarquias celestes, segundo o que nos revelou a Sagrada Escritura. Por último, descreveremos sob que formas sagradas a Escritura representa as ordens celestes, pois através destas figuras devemos elevar-nos a uma perfeita simplicidade.

Não podemos imaginar, como faz o vulgo, aquelas inteligências celestes com muitos pés e rostos, de forma parecida a bois ou como leões selvagens. Não possuem bicos curvos de águias, nem asas ou penas de pássaros. Não as imaginemos como rodas de fogo pelo céu, tronos materiais nos quais senta-se a Divindade (Dn. 7, 9; Ap. 4, 2), cavalos de várias cores (Zac. 1, 8; 6, 2; Apoc. 6, 1-9), capitães brandindo espadas (Jos. 5, 13) ou qualquer outra forma em que as Santas Escrituras no-las tenham representado em variedade de símbolos. A teologia utiliza-se de imagens poéticas ao estudar estas inteligências, que carecem de figuras. Porém, como fica dito, o faz em atenção à nossa própria maneira de entender; serve-se de passagens bíblicas colocadas ao nosso alcance, em forma anagógica, para elevar-nos mais facilmente ao espiritual.


Estas figuras se referem a seres tão espirituais que não podemos conhecê-los nem contemplá-los. Figuras e nomes de que se valem as Escrituras são inadequados para representar tão santas inteligências. De fato, poderia objetar-se que se os teólogos tivessem querido dar forma corporal ao que é absolutamente incorpóreo, deveriam ter começado com os seres tidos como os mais nobres, imateriais e transcendentes, em vez de se utilizarem de múltiplas formas terrenas, ínfimas, para aplicá-las a realidades divinas, que são totalmente simples e celestes. Quem sabe o façam com intenção de elevar-nos e não de rebaixar o celeste com imagens inadequadas. Na realidade, é uma ofensa indigna aos poderes divinos e induz nossa inteligência ao êrro, confundindo-a com estas composições profanas. Alguém poderia facilmente imaginar que acima dos céus haveria uma multidão de leões e de cavalos, que os louvores seriam mugidos, que ali voariam bandos de pássaros, ou que os céus estariam cheios de outros gêneros de animais, matérias vis e semelhantes desatinos que descrevem, até o absurdo, a corrupção e as paixões.

Porém se alguém investigar a verdade, colocará em evidência a sabedoria das Escrituras. Nelas há um providencial cuidado em não ofender os poderes divinos quando representam com figuras as inteligências celestes. Com a mesma solicitude evitam que nos afeiçoemos desordenadamente aos símbolos que contenham algo de baixeza e vulgaridade. Quanto ao mais, há duas razões para que se represente com imagens o que não tem figura e para dar corpo ao incorpóreo. Primeiramente, porque somos incapazes de elevar-nos diretamente à contemplação mental. Necessitamos de algo que nos seja conatural, metáforas sugestivas das maravilhas que escapam ao nosso conhecimento. Em segundo lugar, é muito conveniente que para o vulgo permaneçam veladas, com enigmas sagrados, as verdades que contém sobre as inteligências celestes. Nem todos são santos e a Sagrada Escritura adverte que não convém a todos conhecer estas coisas (I Cor. 8, 7; Mt. 13, 11; Lc. 8, 10).

Em relação à inconveniência das imagens bíblicas, ou ao uso de comparações tão baixas para significar hierarquias tão dignas e santas, esta objeção pode ser respondida dizendo que a revelação divina apresenta-se de duas maneiras.


Uma procede naturalmente por meio de imagens semelhantes ao que significam. A outra emprega figuras dessemelhantes até a total desigualdade e ao absurdo. Ocorre algumas vezes que as Escrituras, em seus misteriosos ensinamentos, representam a adorável santidade de Deus "Verbo" (Jo. 1, 1), "Inteligência" (Is. 40, 13) e "Essência" (Ex. 3, 14). Fazem ver que a racionalidade e a sabedoria são atributos convenientes a Deus, a quem devemos c onsiderar real subsistência e causa verdadeira da subsistência de todos os seres. Mais ainda, representam-no como Luz (I Jo. 1, 15) e chamam-no Vida (Jo. 11, 25).

Estas formas sagradas certamente mostram mais reverência e parecem superiores às representações materiais. Não são, entretanto, menos deficientes que as outras em relação à Deidade, que está mais além de qualquer manifestação do ser e da vida. Nenhuma luz pode expressá-la e toda razão ou inteligência não chega nem a assemelhar-se-lhe.

Ocorre por isto que as mesmas Escrituras enaltecem a Deidade com expressões totalmente dessemelhantes. Chamam-na de invisível, infinita, incompreensível e de outras coisas que dão a entender não o que é, mas o que não é. Esta segunda maneira, segundo o meu entender, é muito mais própria ao falar de Deus pois, como a secreta e sagrada tradição nos ensina, nada do que existiu se parece com Deus e desconhecemos sua supraessência invisível, inefável, incompreensível (Col. 1, 15; I Tim. 1, 17; Heb. 11, 27).

Posto que a negação parece ser mais apropriada para falar de Deus, e a afirmação positiva é sempre inadequada para o mistério inexpressável, convém melhor referir-se ao invisível por meio de figuras dessemelhantes. Pelo qual, as Sagradas Escrituras, longe de desprezar as hierarquias celestes, enaltecem-nas com figuras totalmente dessemelhantes. Deste modo, realmente damos-nos conta de que aquelas hierarquias, tão distantes de nós, transcendem toda materialidade.

Quanto ao mais, não creio que nenhuma pessoa sensata deixe de reconhecer que as dessemelhanças servem melhor que as semelhanças para elevar nossa mente ao reino do espírito. Figuras muito nobres poderiam induzir alguns ao êrro de pensar que os seres celestes são homens de ouro, luminosos, radiantes de beleza, suntuosamente vestidos, inofensivamente chamejantes, ou sob outras formas como estas com que a teologia tem representado as inteligências celestes (Dan. 10, 5; Mt. 28, 3).

Para evitar estes mal entendidos entre pessoas incapazes de elevar-se acima da beleza que os sentidos percebem, piedosos teólogos, sabia e espiritualmente, condescenderam com o uso de símbolos dessemelhantes. Agindo assim eles frearam nossa tendência natural ao material e o desejo de satisfazer-nos preguiçosamente com imagens de baixa qualidade. Com isto favoreceram a elevação da parte superior da alma, que sempre anela as coisas do alto. De fato, a tosquidade destes símbolos serve de estímulo para que até os afeiçoados às coisas terrenas não possam julgar verossímil nem possível a semelhança destas coisas triviais com as celestes. Por outro lado, em todas as coisas há algo de beleza, como diz corretamente a Escritura: "Tudo é muito bom" (Gen. 1, 31).


Todas as coisas podem favorecer a contemplação. Conforme dizia antes, as dessemelhanças com o mundo podem aplicar-se a estes seres que são simultaneamente inteligíveis e inteligentes. Tenha-se, porém, sempre em conta a diferença que há entre o que cai sob o domínio dos sentidos e do próprio entendimento. Assim, nas criaturas irracionais a cólera nasce de um impulso apaixonado de movimento irascível, mas deve-se entendê-lo de modo diverso quando se trata de quem desfruta da razão. Neste caso a cólera é, creio eu, a firme atuação da razão e a capacidade de perseverar com tenacidade em princípios santos e imutáveis.

De modo semelhante a concupiscência. Nos irracionais é uma busca ilimitada de bens materiais sob o impulso do instinto ou do costume de afeiçoar-se ao passageiro, apetite irracional dominador que induz os viventes a possuir qualquer coisa prazerosa aos sentidos. Porém quando o aplicamos ao ser inteligente, devemo-lo entender de outro modo. Dizemos que sentem desejos, mas isto significa o anelo divino da Realidade imaterial, que está além de toda razão e de toda a inteligência. É o firme e constante desejo de contemplar pura e impassivelmente a Supraessência. Fome espiritual insaciável e verdadeira comunhão com a luz imaculada e sublime, de esplêndida e inefável beleza. Intemperança que será o ardor perfeito, inquebrantável, manifesto no anelo constante da beleza divina, a total entrega ao verdadeiro objeto de todo desejo.

Dizemos que são irracionais os animais e os objetos, porque falta-lhes a razão; aos objetos, falta-lhes também a sensação. Porém quando o dizemos dos seres imateriais, intelectuais, entende-se sob o aspecto da santidade. São criaturas que transcendem em muito a nossa razão corporal discursiva, como a inteligência ultrapassa as sensações materiais. Portanto, podemos servir-nos retamente de figuras, tomadas inclusive da matéria vil, em relação aos seres celestes. Finalmente, as coisas terrenas subsistem graças à Beleza absoluta que contém dentro de sua condição material. Pela matéria podemos elevar-nos até os arquétipos imateriais. Porém deve-se ter cuidado especial para usar devidamente as semelhanças e dessemelhanças. Não se pode estabelecer uma relação de identidade mas, considerando a distância entre os sentidos e o entendimento, acomodar-se-ão segundo corresponda a cada qual.


Veremos que os teólogos místicos servem-se disto para falar das hierarquias celestes e também para explicar os mistérios da Deidade. Às vezes celebram-na com imagens muito eloqüentes; por exemplo, quando dizem Sol de Justiça (Mal. 4, 2; Sab. 5, 6), Estrela Matutina que se levanta até a Inteligência (II Pe. 1, 19; Apoc. 22, 16), Luz de fulgor intelectual (I Jo. 1, 5; Mt. 5, 14). Em outros casos utilizam-se de expressões mais terrenas. Comparam Deus com o fogo que arde sem queimar (Ex. 3, 2; Sab. 18, 3; Ex. 13, 21), com a água que comunica plenitude de vida, que metaforicamente chega às entranhas e forma rios inesgotáveis (Jo. 4, 14; Jo. 7, 38; Prov. 18, 4). Utilizam também semelhanças de coisas ordinárias, como ungüento suave (Cant. 1, 3; Is. 61, 1; Jer. 1, 5; Atos 10, 36), pedra angular (Is. 28, 16; Ef. 2, 20). Chegam até a comparações de animais. Atribuem a Deus propriedades do leão, da pantera, do leopardo, e do urso devorador (Is. 31, 4; Os. 5, 14; 13, 7). Acrescente-se o que parece mais abjeto e impróprio de tudo, a forma de verme (Sl. 22, 6), com a qual representaram a Deus admiráveis intérpretes dos mistérios divinos.

Deste modo os que conhecem sobre Deus, intérpretes sob misteriosa inspiração, não misturam o Santo dos santos com coisas perfeitas e profanas. Utilizam uma figura dessemelhante para que as realidades divinas não se confundam com as imundas nem os fervorosos admiradores dos símbolos divinos se apeguem a tais figuras como se tivessem uma existência real. Assim, com verdadeiras negações e com dessemelhanças, últimos reflexos divinos, honram a Deus como é devido.

Nada, portanto, há de indigno em representar os seres celestes, como ficou dito, por meio de semelhanças ou dessemelhanças inadequadas ao objeto.

Em minha investigação ordinária esta dificuldade não me teria estimulado a chegar a uma explicação exata das virtudes sagradas se não tivesse tido problemas com as imagens da Escritura, disformes em relação aos anjos. Minha mente não podia satisfazer-se com este inadequado imaginário. Esta inquietação me conduziu a ir mais além da representação material, passando santamente pelas aparências e através delas elevando-me a realidades que não são deste mundo.

Porém seja suficiente o que já foi dito sobre as imagens materiais e impróprias com que as Escrituras Sagradas se referem aos anjos. Devo explicar agora o que entendo por hierarquia e que vantagens oferece aos que dela participam. Que nesta exposição o meu guia seja Cristo, meu Cristo, se é lícito assim falar, o inspirador de tudo o que podemos conhecer sobre a hierarquia, e tu, meu filho, deves seguir as recomendações de nossa tradição hierárquica. Escuta devotamente estas sagradas e inspiradas considerações e esta doutrina te servirá de iluminação. Guarda as santas verdades no recôndito de tua alma. Preserva sua unidade diante da multiplicidade do profano (I Tim. 6, 20) pois, como diz a Escritura, não é lícito atirar aos porcos a pura, brilhante e esplêndida harmonia das pérolas espirituais (Mt. 7, 6).

Fonte: São Dionísio Areopagita: A Hierarquia Celeste, C. 2. (cristianismo.org.br)

No século XVI, o Discurso sobre as Imagens Sagradas e Profanas, do Cardeal Gabriele Paleotti, emergiu como uma referência inigualável, sendo chamado de "Catecismo das imagens" entre os católicos. Sua abordagem fundamentava o uso das imagens como instrumentos pedagógicos, capazes de transmitir a fé por meio da pregação silenciosa (muta predicatio). O contemporâneo de Paleotti, São Carlos Borromeu, foi o responsável por transformar essas ideias em ação. Seu compromisso com a "transformação da vida cristã através da visão" e as "regras não verbais da linguagem" redefiniram as representações da Virgem Maria nos séculos XVI e XVII.

Padre Coma dos Canais de Santiago, em seu trabalho Via Pulchritudinis: Respuesta de la Iglesia a la Crisis Contemporánea (2012), afirma: "O primeiro desejo do homem contemporâneo, ao contrário do que muitos teólogos dizem, é sair da cacofonia, do barulho, e buscar, com calma, a verdade. No início, ele tateia e não sabe exatamente onde procurar, mas esse instinto de busca pela verdade está sempre presente. Por outro lado, a feiúra está em toda parte. E não falamos apenas de um conceito estético. Existe uma moda direcionada ao feio, ao mau gosto e ao vulgar, promovida pela publicidade e por esferas influentes da sociedade que procuram conferir um valor intrínseco a tudo o que é feio e imundo (cf. Pontifício Conselho para a Cultura, 2008, p. 44-45).

A moda impôs roupas de fábrica gastas e desbotadas; a arquitetura trouxe o concreto armado, cores sombrias ou tons que “gritam” aos olhos; a propaganda disseminou o 'caos visual' em diversas correntes. A explosão dos movimentos de protesto e contracultura de 1968 e toda a manipulação midiática envolvendo filmes, fotos e notícias sobre o festival de Woodstock de 1969 buscaram posicionar a beleza como mero 'preconceito'. Na verdade, essas iniciativas pretendiam antecipar uma nova antropologia baseada em Marcuse, afirmando que o gosto por certos padrões de beleza, comportamento e vestimenta seriam meras imposições sociais das quais o homem precisaria libertar-se por meio da 'espontaneidade'. Assim, o feio e o belo seriam considerados apenas 'convenções', algo a ser deixado de lado.

Mas será que toda essa visão tem consequências práticas para nossa verdadeira união com o Criador? Von Balthasar, citado por Bento XVI (2009b), explicou que, quando alguém se contorce diante da simples menção da palavra beleza, 'podemos garantir que, aberta ou tacitamente, essa pessoa já não é mais capaz de rezar e, em breve, nem mesmo será capaz de amar'. Guardini (1933) foi além ao afirmar que quem aspira a viver dentro da beleza não pode querer ou buscar nada que não seja bom e verdadeiro (p. 172-173). Portanto, reduzir a beleza a um simples prazer sensorial seria privá-la de seu valor supremo e transcendente.

Diante disso, podemos perceber que o mundo atual sofre de uma carência de beleza. O homem contemporâneo, perdido, busca algo que não conhece, mas fica deslumbrado com o que é positivamente belo. O fenômeno das vanguardas históricas, iniciado no século XX, que perdurou até a Segunda Guerra Mundial e continua influente até os dias atuais, trouxe à arte e aos artistas enorme destaque, promovendo novas atitudes e formas – muitas vezes revolucionárias – à cultura contemporânea. No entanto, essas mudanças frequentemente estabeleceram incompatibilidades entre cultura e Evangelho, entre arte e fé, contribuindo para o processo de descristianização e impactando o empobrecimento da arte e da cultura.

O atual Papa está plenamente ciente desse fenômeno. Em diversos escritos, ele incentiva os católicos a buscar soluções para superar a ruptura entre o Evangelho e a cultura, descrita por Paulo VI (1975) como o 'drama do nosso tempo'. Com essa mentalidade, foi escrita a Carta aos Artistas, de Papa João Paulo II, que não se dirige apenas aos crentes, mas 'àqueles que, com apaixonada dedicação, procuram novas epifanias de beleza para oferecê-las ao mundo' (Berrizbeitia, 2008, s.d.).

Nesta carta, datada de 4 de abril de 1999, pouco antes do início do terceiro milênio, com seus desafios, o Papa retomou a frase de Dostoiévski: 'A beleza salvará o mundo', destacando a necessidade da beleza para evitar o desespero, pois nada como a beleza traz tanta alegria ao coração humano. 'É o fruto precioso que resiste à usura do tempo, que une gerações e as faz comunicar com admiração' (João Paulo II, 1999).

No documento, o Papa explica a crise moderna e pós-moderna. Apesar de a época moderna ter produzido muitas obras culturais, também afirmou um humanismo ausente de Deus, muitas vezes em oposição a Ele. Isso gerou uma separação entre arte e fé e o desinteresse de muitos artistas por temas religiosos. Junto ao humanismo cristão, foi-se consolidando gradualmente um humanismo caracterizado pela ausência ou oposição a Deus. Esse contexto levou à separação entre arte e fé, refletindo no menor interesse por temas religiosos por parte de muitos artistas.

Para a Igreja, a arte é essencial como veículo de transmissão da mensagem de Cristo, fascinando com o mundo espiritual, o invisível e o próprio Deus. A arte possui a capacidade de traduzir essa mensagem em cores, formas e sons, preservando seu valor e mistério transcendentes. E não se trata de qualquer beleza, mas da 'beleza que salva'. A beleza é a chave do mistério e um convite ao transcendente. Ela convida à contemplação da vida e ao sonho do futuro. A beleza criada não sacia completamente, despertando aquela nostalgia de Deus que Santo Agostinho interpretou de maneira incomparável: 'Tarde te amei, beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei!' (Confissões, L. X, cap. 27, 38).

Vinte anos antes, o próprio João Paulo II (1979), ao refletir sobre a mesma 'inquietação' de Santo Agostinho em sua busca por Deus, lembrou que o mesmo movimento pulsa nas profundezas do homem: 'a busca da verdade, a necessidade insaciável do bem, a fome de liberdade, a nostalgia do belo.' Essa inquietação encontra na beleza mistério, deslumbramento e estupor, que respondem ao desejo humano de ser plenamente satisfeito."








Muitas pessoas, ao se converterem, demonstram certo desconforto diante das imagens dos santos, comentando, por vezes, que “eles estão sempre sérios”. Contudo, acredito que, se pudéssemos enxergar o que os santos vivenciaram em suas visões e missões, compreenderíamos a profundidade dessa seriedade. Esses homens e mulheres santos contemplaram a gravidade da existência humana e entenderam, com nitidez, o quanto é decisivo viver bem, ou seja, viver virtuosamente.

Tome como exemplo as crianças de Fátima. Apesar de sua tenra idade, tiveram um encontro direto com realidades espirituais que muitos adultos sequer ousam imaginar. Viram, com clareza, como a vida é um campo de escolhas que determinam o destino eterno das almas. Mesmo desacreditadas por muitos, esforçaram-se para viver de acordo com o que lhes foi revelado. A mensagem de Nossa Senhora de Fátima é, em essência, um chamado à paz, ao fim das guerras, à conversão, e à reflexão sobre os frutos da ganância e dos erros humanos. Ela nos alerta para as consequências eternas do pecado, verdades que, infelizmente, muitos preferem evitar nas catequeses.

Nossa Senhora, entretanto, como Mãe amorosa de todos, não apenas fala, mas também ensina e mostra. É ela quem, com coragem maternal, revelou o inferno a essas pequenas crianças. Contudo, ao fazê-lo, concedeu-lhes a graça necessária para suportar tal visão e transformá-la em um novo modo de enxergar a vida. Essa experiência despertou nelas uma seriedade diante da salvação e da danação que, muitas vezes, falta até mesmo aos adultos.

Essas crianças, com sua pureza e entrega, tornam-se, em si mesmas, um ensinamento vivo. A reação delas à mensagem de Fátima exemplifica a postura que todos nós deveríamos adotar: pureza de coração e seriedade de conduta.




Este ano que se inicia é um Jubileu, marcando o centenário das Aparições em Fátima. Como é sabido, as aparições em Fátima representam um apelo divino, vindo de Jesus por intermédio da Santíssima Virgem Maria. Assim, torna-se oportuno revisitar os principais pontos desse chamado celestial:

  1. Em todas as seis aparições, Maria Santíssima solicita a recitação diária do Santo Terço, destacando sua importância como prática devocional indispensável.
  2. Ela revela o desejo profundo do Coração de Jesus: “Meu Filho quer estabelecer no mundo a Devoção ao Meu Imaculado Coração. A quem a abraçar prometo a salvação, e essas almas serão queridas de Deus, como flores postas por mim a adornar o Seu trono.”
  3. Por fim, Maria aponta a necessidade de almas que se sacrifiquem pelos pecadores, exortando: “Sacrificai-vos pelos pecadores.” E, para enfatizar a urgência desse pedido, apresenta aos pastorinhos a realidade aterradora do inferno: “Vistes o inferno, para onde vão as almas dos pobres pecadores. Para as salvar, Deus quer estabelecer no mundo a devoção ao Meu Imaculado Coração. Se fizerem o que eu vos disser, muitas almas se salvarão e haverá paz...”

Dessa forma, Maria nos confia uma grande responsabilidade, reafirmando: “Se fizerem o que vos digo...” Em outras palavras, cabe a nós tomar a iniciativa. Como nos ensina Santa Faustina: “No final, a decisão é sempre nossa.”

É evidente que os pedidos da Mãe Santíssima, para evitar que a justiça divina se manifestasse, não foram plenamente atendidos. O comunismo se espalhou, e a Igreja sofreu – e ainda sofre – perseguições severas. Contudo, Maria nos conforta com sua promessa final: “Por fim, o Meu Imaculado Coração Triunfará.” Ao dizer “Por fim”, Ela nos adverte que haverá desafios e provações ao longo do caminho, mas a Vontade do Senhor se cumprirá.

É algo que reforçamos na oração do Pai Nosso: “Seja feita a Vossa Vontade, assim na terra como no céu.” E, em Fátima, essa Vontade foi detalhadamente revelada: Deus deseja que a Devoção ao Imaculado Coração de Sua Santa Mãe seja estabelecida em todo o mundo.





O que significa esta devoção?

Para compreendê-la, é preciso refletir sobre as palavras de Irmã Lúcia. Quando questionada, ela explicou que se trata de uma entrega total.

E como se vive essa entrega total? Como se pratica a Devoção ao Imaculado Coração de Maria, tão desejada pelo Senhor?

São Luís Maria Grignion de Montfort, em seu Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, n. 217, expressa esse ideal com sublime inspiração:

“Ah! Quando virá o tempo feliz em que a divina Maria será estabelecida como senhora e soberana nos corações, para submetê-los plenamente ao império de seu grande e único Jesus? Quando virá esse tempo feliz, esse século de Maria, em que muitas almas escolhidas, obtidas do Altíssimo por Maria, se perderão no abismo de seu interior e se tornarão cópias vivas de Maria, para amar e glorificar a Jesus Cristo? Esse tempo somente virá quando se conhecer e praticar a devoção que ensino: ‘Para que venha a nós o Vosso Reino, Senhor, venha a nós o Reino de Maria.’”

A consagração pelo método de Montfort é um ato de doação total. Este é um ponto de singular importância, onde reside a maior graça dessa Consagração.

Nós, católicos, somos herdeiros da espiritualidade apostólica e, como ensina São Tiago, cremos que “a fé sem obras é morta.” Para nós, a salvação e a santificação passam pela prática de boas obras, unindo fé e caridade.

Neste contexto, cada um de nós possui um “tesouro espiritual” composto pelo valor de nossas boas obras. Parte desse tesouro é aplicada para nossa própria salvação; a outra parte, podemos doar. Esse é o cerne da grande responsabilidade que Deus nos confiou: mediante a doação de nossas riquezas espirituais, muitas almas podem ser salvas.


“Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos amigos.”



Ao se consagrar, realiza-se uma obra de caridade espiritual contínua. Mesmo que a pessoa se esqueça, suas boas obras – passadas, presentes e futuras – são oferecidas para a salvação de pecadores, para o alívio das almas no purgatório e, acima de tudo, para a maior glória de Deus.

Deus nos chama à santidade, pois somente o que é santo permanece diante de Seu trono. Ser santo é fazer a Vontade de Deus, mas a escolha de corresponder a esse chamado é sempre nossa.

Você aceita a Vontade do Senhor em estabelecer no mundo a Devoção ao Imaculado Coração de Maria, entregando-se totalmente a Maria e dedicando suas boas obras pela salvação de muitas almas?

A pergunta que muitos fazem: seria isso realmente necessário? A resposta é clara. Em um mundo dominado pela cultura do pecado – que tenta nos convencer de que o pecado é bom ou, pior, que não existe pecado –, incontáveis almas estão se perdendo.

Mas nós podemos ajudá-las, doando o valor de nossas boas obras. Que grande misericórdia Deus nos concede, permitindo-nos cooperar com a salvação das almas! Que alegria saber que nossas boas obras não apenas glorificam ao Senhor, mas também trazem alívio ao Seu Coração ferido. E são, mesmo que imperfeitas, melhoradas pela ação de purificação que a Santa Virgem faz. 

E então? Você aceita o chamado de Deus para estabelecer no mundo a Devoção ao Imaculado Coração de Maria e se entregar inteiramente a Ela, contribuindo para a salvação de inúmeras almas? É uma forma simples, ao alcance de todos, que não exige nada mais do que querer, querer verdadeiramente. 





Acervo Digital Salus: Plano de Vida Espiritual: Cultivo

Sedes Sapientiae: Cronogramas para a Total Consagração à Santíssima Virgem Maria 

Testemunhos sobre a Total Consagração a Jesus por Maria 

Sedes Sapientiae: A Virgem Maria e a Dedicação ao Estudo e à Educação 

A Devoção Mariana e a Teologia Educacional 

Literato Católico 

Livros de Ana Paula Barros 





Ana Paula Barros

Especialista em Educação Clássica e Neuro Educação pela Pontifícia Universidade Católica. Graduada em Curadoria de Arte e Produção Cultural pela Academia de Belas Artes de São Paulo. Professora independente no Portal Educa-te (desde 2018). Editora-chefe da Revista Salutaris e autora dos livros: Modéstia (2018), Graça & Beleza (2025).

Possui enfática atuação na produção de conteúdos digitais (desde 2012) em prol da educação religiosa, humana e intelectual católica, com enfoque na abordagem clássica e tomista.

Totus Tuus, Maria (2015)

A Coroação da Virgem (tondo), c.1395 (óleo sobre madeira) · Fra Angelico
Museo di San Marco, Florence, Italy (mais na Revista Salutaris)





"Quando virá esse tempo feliz, esse século de Maria, onde muitas almas escolhidas, obtidas do Altíssimo por Maria, se perderão no abismo de seu interior e se tornarão cópias vivas de Maria, para amar e glorificar a Jesus Cristo? Esse tempo somente virá quando se conhecer e praticar a devoção que ensino: ‘Para que venha a nós o Vosso Reino, Senhor, venha a nós o Reino de Maria.’" (São Luís Grignion de Montfort, Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, n. 217).






"É espiritual o ser humano o qual o Espirito Santo perpassou e ligou corpo e alma entre si." 
(Pai Irineu)





".... e esses homens estão longe de si mesmos, como ébrios de bebida, ébrios em espírito de mistério e de Deus."


(Pseudo-Macário, Homilias espirituais)



"O termo, Padres do Deserto inclui um grupo influente de eremitas e cenobitas do século IV que se estabeleceram no deserto egípcio. As origens do monaquismo oriental se encontram nessas ermidas primitivas e comunidades religiosas. Paulo de Tebas é o primeiro eremita do qual se tem notícia, a estabelecer a tradição do ascetismo e contemplação monástica e Pacômio de Tebaida é considerado o fundador do cenobitismo, do monasticismo primitivo. Ao final do terceiro século, contudo, o venerado Antão do Egito orienta colônias de eremitas na região central. Logo, ele se torna o protótipo do recluso e do herói religioso para a Igreja oriental - uma fama devida em grande parte à vasta louvação na biografia de Atanásio sobre ele. Esses primitivos monásticos atraíram um grande número de seguidores aos seus retiros austeros, através da influência de sua simples, individualista, severa e concentrada busca pela salvação e união com Deus. Os Padres do Deserto eram frequentemente solicitados para direção espiritual e conselho aos seus discípulos. Suas respostas foram gravadas e colecionadas num trabalho chamado "Paraíso" ou "Apotégmas dos Padres". (Por Emily K. C. Strand, tradução Jandira)





"Perguntaram ao Pai Ammonas: "Qual é o caminho estreito e apertado?" (Mt. 7,14). Ele respondeu: O caminho estreito e apertado é este, controlar seus pensamentos e despojar-se de sua própria vontade por amor de Deus. Também isto é o significado da sentença: "Senhor, eis que deixamos tudo e te seguimos." (Mt 19, 27)

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Diziam dele que havia como que uma depressão escavada em seu peito, pelas lágrimas que cairam de seus olhos durante toda sua vida, enquanto ele fazia seu trabalho manual. Quando Pai Poemen viu que ele estava morto, disse chorando: "verdadeiramente você é abençoado, Pai Arsenius, pois você chorou por si mesmo nesse mundo! Quem não chora por si mesmo aqui embaixo, chorará eternamente então; por isso é impossível não chorar, voluntariamente ou quando obrigado pelo sofrimento." (i.e. o sofrimento derradeiro no inferno).

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Também era dito dele (Pai Arsenius) que nas noites de sábado, preparando-se para a glória do domingo, ele virava-se de costas para o sol e elevava suas mãos em oração em direção ao céu, até que o sol novamente brilhasse em sua face. Então ele se sentava.

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Dizia-se do Pai Ammoes que quando ele ia à igreja, não permitia que seu discípulo caminhasse ao seu lado mas a uma certa distância; e se esse último viesse lhe perguntar sobre seus pensamentos, ele se afastava dele logo após responder-lhe, "é por receio que, após tão edificantes palavras, sobrevenham conversas irrelevantes, que eu não permito que caminhes comigo."

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Foi dito de Pai Ammoes, que ele possuía cinquenta medidas de trigo para seu uso e as colocara para fora, ao sol. Antes que elas estivessem devidamente secas, ele viu algo naquele lugar que lhe pareceu perigoso, então disse aos seus empregados, "vamo-nos embora desse lugar". Porém, eles pareceram aflitos com isso. Vendo seu desalento ele lhes disse, " é por causa dos pães que vocês estão tão tristes? Na verdade, tenho visto monges fugindo, deixando suas celas lavadas e também seus pergaminhos e eles nem fecharam as janelas, mas deixaram-nas abertas.

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Pai Abraão disse de um homem de Scete que era um escriba e não comia pão. Um irmão veio a ele para copiar um livro. O velho homem cujo espírito estava absorto em contemplação, escreveu, porém omitindo algumas frases e sem pontuacão. O irmão, tomando o livro e desejando pontuá-lo, notou que faltavam palavras. Então disse ao ancião, "Pai, faltam algumas palavras." O ancião disse a ele, "Vá e pratique primeiro o que está escrito, depois volte e eu escreverei o restante."

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Havia nas celas um velho homem chamado Apollo. Se aparecia alguém chamando-o para ajudar em alguma tarefa, ele ia alegremente, dizendo, "Vou trabalhar com Cristo hoje, pela salvação de minha alma, pois esta é a recompensa que Ele dá."

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Pai Doulas, discípulo de Pai Bessarion disse, "Um dia, quando estávamos caminhando ao longo da praia, eu estava sedento e disse ao Pai Bessarion, "Pai, estou com sede." Ele rezou e disse-me, "Beba um pouco da água do mar." A água estava doce e eu bebi. Cheguei a pegar um pouco numa garrafa de couro, pois tive medo de ficar sedento mais tarde. Vendo isto, o velho homem perguntou-me porque eu estava levando água. Eu disse a ele, "perdoe-me, é por medo de ficar com sede mais tarde." E o ancião disse: "Deus está aqui, Deus está em todo lugar."

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Um irmão perguntou ao Pai Poemen desta maneira: "meus pensamentos me atormentam, fazendo com que eu deixe de lado meus pecados e me preocupe com as faltas de meus irmãos." O ancião contou-lhe a seguinte estória sobre Pai Dioscurus (o monge): "na sua cela ele chorava por si mesmo, enquanto seu discípulo se sentava eu outra cela. Quando este último veio ver o ancião perguntou-lhe, "pai, por que choras?" "Estou chorando pelos meus pecados, respondeu-lhe o velho homem. Ao que o discípulo disse, "você não tem nenhum pecado, Pai." O ancião replicou, "É verdade, meu filho, se eu pudesse ver meus pecados, três ou quatro homens não seriam suficientes para chorar por eles."

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Isto é o que disse Pai Daniel, o Faranita: "Nosso Pai Arsenius nos contou sobre um habitante de Scetis, de vida digna e fé simples; pela sua ingenuidade, ele foi enganado e disse, "O pão que recebemos não é verdadeiramente o Corpo de Cristo, mas um símbolo. Dois anciãos souberam que ele dissera aquilo, conhecendo seu modo de vida correto acreditaram que ele não falara por malícia, mas por simplicidade. Então, vieram a ele e disseram: "Pai, ouvimos da parte de alguém uma proposição contrária à fé, que disse que o pão que recebemos não é verdadeiramente o corpo de Cristo, mas um símbolo. O ancião disse, "fui eu quem disse isso." Então os outros dois o exortaram dizendo, "não mantenha essa crença, Pai, mas aquela em conformidade com o que a igreja Catolica nos deu. Acreditamos, de nossa parte, que o pão por si mesmo é o Corpo de Cristo, como no início, Deus formou o homem à sua imagem, tomando do pó da terra, sem que ninguém possa dizer que ele não é a imagem de Deus, mesmo que não pareça. Do mesmo modo, com o pão do qual ele disse, "este é meu corpo", assim nós cremos que é verdadeiramente o Corpo de Cristo. O ancião disse-lhes, "Enquanto eu não for convencido pela coisa em si, não estarei completamente convicto." Então eles disseram, "Vamos rezar a Deus sobre este mistério por toda a semana e acreditamos que Deus vai nos revelar isto." O ancião ouviu isso com alegria e rezou nessas palavras, "Senhor, vós sabeis que não é por malícia que eu não creio, e, de maneira que eu não erre por ignorância, revele isto a mim, Senhor Jesus Cristo." Os dois homens voltaram a suas celas e rezaram também a Deus, dizendo, "Senhor Jesus Cristo, revele esse mistério a esse homem de modo que ele creia e não perca sua recompensa." Deus ouviu suas preces. Ao final da semana eles vieram à igreja no domingo e se sentaram todos os três no mesmo tapete, o ancião no meio. Em seguida seus olhos se abriram e quando o pão foi colocado na mesa sagrada, aparecia-lhes uma criança pequena, sozinha. E quando o sacerdote estendeu a mão para partir o pão, viram um anjo descer do céu com uma espada e servir o sangue da criança no cálice. Quando o padre partiu o pão em pedacinhos, o anjo também cortou a criança em pedaços. Quando se aproximaram para receber os sagrados elementos o ancião sozinho recebeu um pedaço da carne sangrenta. Vendo isto, ficou com medo e gritou, "Senhor, eu creio que isto é vosso corpo e este cálice vosso sangue." Imediatamente a carne que ele segurava em suas mãos se tornou pão, de acordo com o mistério e ele o tomou dando graças a Deus. Em seguida os dois homens lhe disseram, "Deus conhece a natureza humana e sabe que o homem não pode comer carne crua e é por isso que ele mudou seu corpo em pão e seu sangue em vinho, para aqueles que o recebem na fé. "Em seguida, deram graças a Deus pelo ancião, porque Ele não permitiu que o mesmo perdesse a recompensa pelo seu trabalho. Então, todos três retornaram com alegria para suas celas."

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Dizia-se que Pai Helladius passou vinte anos em sua cela, sem sequer elevar os olhos para ver o telhado da Igreja.

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Pai Epifânio acrescentou: "Um homem que recebe algo de outro por causa de sua pobreza ou sua necessidade tem aí sua recompensa e porque ele se envergonha, quando ele paga, ele o faz em segredo. Mas o oposto faz Deus; Ele recebe em segredo, mas paga na presença dos anjos, dos arcanjos e dos justos."

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Era dito do Pai Agathon que alguns monges vieram procurá-lo, tendo ouvido falar de seu grande discernimento. Desejando ver se ele perdia a paciência disseram-lhe, "você não é aquele do qual dizem ser um grande fornicador e um homem orgulhoso?" "Sim, é verdade", ele respondeu. Eles continuaram, "você não é aquele Agathon que está sempre dizendo bobagens?", "Sou eu". Novamente, ele disseram, "Você não é Agathon, o herético?" Ao que ele replicou, "Eu não sou um herético." Então eles perguntaram-lhe, "diga-nos, porque você aceitou tudo que atiramos sobre você, mas repudiou este último insulto." Ele replicou. "As primeiras acusações tomei para mim, pois é bom para minha alma. Mas heresia é separação de Deus. Vejam, eu nada tenho para ser separado de Deus." A este dito, eles ficaram surpresos pelo seu discernimento e retornaram, edificados.

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Pai Evágrio disse, "Retirem-se as tentações e ninguém será salvo."

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Um irmão egípcio veio ao Pai Zeno, na Síria, e se acusou diante do ancião sobre suas tentações. Cheio de admiração Zeno disse, "Os egípcios escondem as virtudes que possuem e acusam-se sem cessar de faltas que eles não tem, enquanto que os sírios e gregos fingem ter virtudes que não possuem e escondem as faltas das quais são culpados."

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Numa vila, dizia-se que havia um homem que jejuava tanto que era chamado de "o jejuador". Pai Zeno ouviu falar dele e mandou chamá-lo. Ele veio alegremente. Rezaram e se sentaram. O ancião começou a trabalhar em silêncio. Não conseguindo falar com Pai Zeno, o jejuador começou a se aborrecer. Então ele disse a Pai Zeno, "reze por mim, Pai, porque desejo ir." O ancião perguntou, "por que?" O outro retrucou, "porque meu coração está como se estivesse em fogo e eu não sei o que pode ser isso. Pois em verdade, quando eu estava na vila e jejuava até a noite, nada disso me acontecia." O velho homem lhe disse, "na vila você alimentava-se através de seus ouvidos. Mas vá embora e de agora em diante coma pela nona hora e o que quer que faças, faça-o em segredo." Tão logo ele começou a seguir o conselho, o jejuador achou difícil esperar até a nona hora. E aqueles que o conheceram diziam, "o jejuador está possuído pelo diabo." Então ele foi contar isso ao ancião que disse a ele, "este caminho está de acordo com Deus".

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Um dia Pai Moses disse ao irmão Zacharias, "diga-me o que devo fazer?" A estas palavras o último jogou-se no chão aos pés do ancião e disse: "você está me perguntando, Pai?" O velho homem disse a ele "Creia-me, Zacharias, meu filho, eu vi o Espírito Santo descer sobre você e desde então sinto-me inclinado a lhe perguntar." Então Zacharias arrancou o gorro de sua cabeça, jogou-o ao chão e pisoteou-o, dizendo, "O homem que não se deixa tratar assim não pode se tornar um monge."

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Pai Zeno disse, "se um homem deseja ser ouvido por Deus rapidamente, antes de rezar por qualquer coisa, mesmo por sua própria alma, quando se elevar e estender suas mãos em direção a Deus, deve rezar de todo coração por seus inimigos. Através dessa ação Deus atenderá qualquer coisa que ele pedir."

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Pai Gerontius de Petra disse que muitos, tentados pelos prazeres do corpo, cometiam fornicação, não em seus corpos mas em seus espíritos e enquanto preservavam a virgindade do corpo, cometiam a prostituição em suas almas. "então, é bom, meus bem-amados, fazer o que está escrito e cada um guardar seu próprio coração com todo cuidado possível." (Prov. 4,23)

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Um dia Pai Arsenius consultou um velho monge egípcio sobre seus próprios pensamentos. Alguém notou e disse a ele, "Abba Arsenius, como é que o senhor com uma educaçao tão aprimorada em Grego e Latin, pergunta a um camponês sobre seus pensamentos?" Ele replicou, "Realmente aprendi Grego e Latin, mas não sei nem ao menos o alfabeto desse camponês."

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Pai Elias, o ministro, disse, "O que pode o pecado onde há penitência? E de que adianta o amor onde há orgulho?"

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Pai Isaias disse a aqueles que começavam bem, colocando-se sob a direção dos santos Padres, "como a coloração roxa, a primeira tintura nunca se perde." E "do mesmo modo que galhos jovens são facilmente envergados para trás e curvados, também é com os iniciantes que vivem em submissão."

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Pai Isaias também contou que houve uma ceia e os irmãos estavam comendo na igreja e falando uns com os outros, o padre de Pelusia os repreendeu com estas palavras, "Irmãos, aquietem-se. Pois vi um irmão comendo com vocês e bebendo tanto quanto vocês e sua oração subia até a presença de Deus como fogo."

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Pai Isaias também disse, "quando Deus deseja apiedar-se de uma alma e ela se rebela, não suportando nada e fazendo sua própria vontade, Ele então permite que ela sofra o que não quer, de modo que volte a procurá-Lo novamente."

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Pai Theodore disse: "se vocé é amigo de alguém que cai na tentação da fornicação, ofereça-lhe sua mão, se puder e tire-o disso. Mas se ele cair na heresia e você não puder persuadi-lo de sair dela, saia de sua companhia rapidamente, para evitar que no caso de você demorar, você também seja jogado nesse poço.

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Um irmão veio procurar Pai Theodore e começou a conversar com ele sobre coisas que nunca tinha posto em prática. Então o ancião lhe disse, "você ainda não encontrou um navio nem colocou sua carga a bordo e antes mesmo de ter navegado, já regressou à cidade. Faça seu trabalho primeiro, depois atinja a velocidade que você está fazendo agora."

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Pai Theodore de Pherme disse: "o homem que permanece de pé quando se arrepende, não guardou o mandamento."


Retirado de: PadresdoDeserto


Para os seres dotados de conhecimento, a atenção é como o sol. Quando não prestamos atenção, é como se caminhássemos através de uma noite escura por entre valiosíssimos tesouros de beleza, bondade, ciência..., sem percebê-los nem nos apossarmos deles.

Com a atenção, esta luz espiritual que é nossa pessoa, enquanto capaz de conhecer as coisas, se volta para um objeto ou tesouro, ou para um conjunto de qualidades ou objetos, ilumina-os, apodera-se deles através da mente e os arquiva na memória.

Quanto mais nobre e útil for o objeto, quanto mais poderosa for a inteligência que o ilumina e quanto mais profunda e detidamente nele se fixar, tanto maior será o enriquecimento e a satisfação intelectual.

Graças à atenção bem dirigida, os sábios realizaram suas descobertas, os artistas suas obras-primas, os industriais e comerciantes suas fortunas e os santos sua perfeição.

Prestar atenção ou atender é “interessar-se de fato por alguma coisa”; pressupõe disposição física (olhos abertos, uma certa tensão muscular etc.) e preparação mental, ou estar à espera de algo. É dar-se conta do que vemos, sentimos, ouvimos ou lemos. Implica também seleção: dentre as inúmeras impressões externas (cores, sons, objetos etc.) ou reclamos internos (necessidades, instintos, inclinações) que a cada instante batem à porta da consciência, quando atendemos, selecionamos algo que nos interessa, abrimos-lhe a porta e o introduzimos no mais íntimo de nosso ser, no centro de nossa consciência.

Há uma atenção espontânea. A que nasce, por exemplo, quando uma súbita detonação ou um grande resplendor nos tiram de nossos pensamentos e nos atraem a si ou quando alguma coisa agradável ou interessante nos prende sem esforço nosso. Esta espécie de atenção é a que predomina nas crianças. Devemos desenvolvê-la fomentando o interesse e o entusiasmo.

Há também a atenção voluntária, que exige algum esforço, porque supõe conflito com outros estímulos que nos atraem em sentido diverso. Devido a esse esforço, se a atenção voluntária se prolonga demasiado, pode provocar enfado ou cansaço; se, porém, for educada convenientemente, produz o hábito da atenção tranquila.

A atenção habitual, na qual cessou o conflito e o esforço foi reduzido ao mínimo, é a atenção eficiente de que vamos tratar e que devemos visar em todos os nossos trabalhos.

Compreende a mente, que se concentra em uma só coisa ou ideia, sem distrações a interrompê-la, nem ideias parasitas a obsesssioná-la.

É ajudada por sentimentos positivos de paz, confiança e alegria que geram interesse.

É robustecida pelas emoções positivas que levam ao entusiasmo. Contudo, é dificultada pelos sentimentos negativos: desânimo, temor, tédio.

Pressupõe uma vontade razoável de aprender, conforme as possibilidades, excluindo a vontade impulsiva que quer mais ou melhor, e mais depressa do que convém.

Precisa do apoio dos músculos no estado normal ou em leve tensão; prejudica-a a tensão insuficiente que há no estado de sonolência ou a tensão excessiva que se verifica no estado de nervosismo.

Apoia-se especialmente em olhos mansos, flexíveis e que piscam com frequência, evitando os olhos duros e imóveis.

Nutre-se de sangue rico e abundante no cérebro, bem como de respiração ativada, evitando a excessivamente acelerada.

Quando a atenção reúne todas estas condições e não se prolonga demais e quando, graças ao hábito, tudo se torna natural e espontâneo, então o trabalhador intelectual terá eficiência máxima, sem perigo de cansaço.

Nosso modo de prestar atenção pode ser meramente receptor: é o que existe quando queremos inteirar-nos de algum assunto ou quando conhecemos ou percebemos objetos, sons, acontecimentos, ideias etc. sem acrescentar nada de pessoal. Nela aumentam levemente a respiração, a circulação e a tensão muscular.

Costuma fluir suave e continuada, como a tranquila corrente de um regato, com pouca possibilidade de cansaço, a não ser por excesso de duração. É às vezes explosiva ou espasmódica como impetuoso manancial que jorra aos borbotões, e então a possibilidade de cansaço é maior. Por meio desta atenção receptora reunimos os materiais do saber.

Há outra atenção reflexa, elaboradora ou criadora, discursiva: é a que temos quando, não satisfeitos de apenas inteirar-nos de algo, o relacionamos com outros conhecimentos, associando-os entre si, classificando-os e dando-lhes unidade, ou dissociando-os, tirando conclusões e criando novos conhecimentos.

Então a possibilidade de cansaço é menos remota, pois também são mais acentuadas a tensão muscular, a respiração e o afluxo de sangue no cérebro.

Por meio da atenção criadora construímos “o palácio da sabedoria”.

Finalmente, destas duas atenções convenientemente repetidas, ou da marca que deixam, se beneficia a memória, a qual retém e reproduz o que se armazenou: vale dizer, conserva o “palácio”. 

Passemos ao estudo destas três atividades mentais e das leis ou normas que lhes dão maior rendimento.





ATENÇÃO RECEPTORA

A atenção receptora pode ser:

Concentrada: quando se fixa em um objeto ou ideia, com exclusão de qualquer outra; quando na consciência não há outro objeto; quando toda a capacidade de conhecer está centralizada em uma só consideração.

Esta atenção é a que produz verdadeira eficiência e satisfação. É a raiz de nossa grandeza.

Distraída: é uma ideia interrompida. É como se lançássemos um foco de luz sobre um objeto e de repente o foco se desviasse e nos deixasse no escuro, sem podermos iluminar perfeitamente o objeto.

Obsessionada por ideias parasitas que não desejaríamos ter. Coisas que aborrecem ou fantasmas temidos se interrompem entre a lâmpada e o objeto para impedir que gozemos o prazer do que queremos contemplar.

É a causa principal do cansaço.






ATENÇÃO CONCENTRADA

Temos atenção concentrada quando acompanhamos uma ideia com exclusão de qualquer outra, ou seja, quando a consciência se ocupa exclusivamente do que lemos, observamos ou escutamos, sem percebermos outra coisa.

É todo nosso ser que se debruça sobre o acontecimento ou ideia, atraído por eles, ou que é levado por sua própria inclinação ou vontade. É o hábito de atender sem esforço — adquirido através de atos reiterados de atenção voluntária — que se põe em atividade. É a luz do conhecimento que se acende e focaliza algo concreto; ou melhor, é toda nossa pessoa que, abandonando a semiobscuridade ou a inação, se ilumina, se ativa e se volta para um objeto ou conjunto de objetos, deles se apossando ou assimilando-os.

É tomarmos a rua reta que nos leva a um determinado ponto, sem nos desviarmos pelas ruas transversais, mesmo que ofereçam muitas atrações. Chegaremos mais rapidamente e quase sem cansaço.

Assim também, aquele que, ao estudar um livro ou um assunto qualquer, nele se absorve totalmente, esquecendo-se de tudo que o circunda, de si mesmo, de seus problemas, do funcionamento do corpo e da mente, chegará facilmente a resultados surpreendentes.

É o que acontecia com o historiador Macauley que, lendo pelas ruas, repetia de cor a página lida; com certo filósofo que, ao discutir ao ar livre sua tese favorita, continuou embebido na disputa, sem perceber a chuva que começou a cair; finalmente, é o que também acontece com as crianças que, absorvidas em seu jogo, correm atrás da bola, sem perceber o carro que as atropela.


Em outras palavras: rendimento máximo com cansaço mínimo.

Do desgaste de uma ou mais horas de perfeita concentração, sem pressa ou ansiedade, recuperamo-nos com alguns minutos de suave repouso da mente, por meio do relaxamento dos músculos faciais ou oculares, ou por meio de sensações conscientes, mudança de ocupação e exercícios físicos.

Um dia deste trabalho mental ordenado se refaz com uma noite bem dormida, podendo-se deste modo continuar por meses e anos, sem perigo de esgotamento. Pois então, em vez de destruirmos a natureza, violentando suas leis sábias, nós a fortalecemos respeitando tais leis.

Não se pense que este trabalho continuado produza aborrecimento ou tédio; muito pelo contrário. A unidade da mente concentrada e o enriquecimento intelectual resultante são fontes de verdadeira satisfação. “A alegria, diz Aristóteles, é consequência de todo ato perfeito.”

A base da grandeza humana de Napoleão Bonaparte foi sua grande concentração mental. Conta-se que ele, quando estudava um problema, se absorvia de tal modo que parecia não ter outra coisa a fazer. Resolvido um problema, passava a outro, esquecendo-se do anterior e do seguinte. Com este sistema, conseguia trabalhar mentalmente até dezesseis horas por dia.

Esta capacidade de deixar de lado qualquer outro assunto e poder concentrar-se no que se quer é a raiz da grandeza do homem.

Poderíamos sintetizar seu valor da seguinte maneira:

Talento + CONCENTRAÇÃO = Êxito do Caráter + Santidade


Aplicada ao estudo ou negócio, se manifesta em talento, ciência, ampliação de horizontes, visão de oportunidades, solução de problemas.

Quando se tem que tomar uma decisão, a atenção concentrada permite que se veja com nitidez o objetivo, os motivos para querê-lo e os meios para alcançá-lo.

Noutras palavras, nos dá caráter, força e constância de vontade.

Na vida de oração e santidade, a concentração se converte em luzes espirituais que nos afeiçoam à virtude e em força sobrenatural para praticá-la.



Como melhorar a concentração

Uma vez considerada como principal fator de eficiência, saúde e felicidade, tudo o que dissermos mais adiante ajudará a melhorá-la: o afastamento das causas de divagação e obsessão; o despertar do interesse e entusiasmo, como explicaremos na vida afetiva; a ajuda do ato eficaz da vontade; a melhoria do funcionamento orgânico neuromuscular, sanguíneo e respiratório; a formação do hábito da atenção perfeita, que estabiliza a concentração e evita o cansaço.

Como exercícios científicos para reeducar a concentração, recomendamos as sensações conscientes que, além de nos proporcionar descanso e alegria, reforçam a atenção estática; os exercícios do Dr. Vittoz, como os descrevemos, com os quais se reeduca a atenção sucessiva ou em movimento; o desenvolvimento do espírito de observação, usando, por exemplo, o seguinte exercício: fixar a atenção durante um minuto em algum edifício, sala, pessoas, ações, ruídos etc. Repetindo o exercício por alguns dias, veremos que iremos captando detalhes e facetas que da primeira vez nos escaparam.




Quatro períodos ou fases

A concentração não nasce de repente. Costuma haver um primeiro período de ajustamento no qual os nervos e músculos, possivelmente sobreexcitados, se vão adaptando ao novo trabalho, e a mente, postos de lado outros pensamentos, vai penetrando no que lhe está presente. Varia muito a rapidez na adaptação e penetração na nova concentração. Segundo Wiersma, é menor nos melancólicos e excêntricos; talvez porque as ideias ou imagens que precederam tendem a permanecer neles por mais tempo que nos tipos normais.

Para facilitar esta adaptação, é necessário repelir o que nos pode distrair:

a) Fora de nós: acumulação de papéis ou objetos sobre a mesa ou no quarto;

b) Dentro de nós: multiplicidade de problemas que temos que resolver, ou ações em perspectiva ou ideais que pretendemos realizar. Ataquemos uma coisa depois de outra: quem muito abarca pouco aperta.

Segue-se o período de aquecimento progressivo ou aprofundamento da atenção, no qual, uma vez vencido o torpor inicial e adaptados os nervos e músculos — “facilitação reflexa sináptica e tensional”, como diria Mira y López — a mente se abstrai cada vez mais, entra de cheio no assunto e nele mergulha. Esta abstração com relação aos demais objetos e a profunda consideração do assunto escolhido possuem graus e, de acordo com os mesmos, maior ou menor serão a eficiência e o prazer intelectual.




Seu extraordinário talento emparelhava com a profundidade de concentração.

Muitos são capazes de manter esta concentração durante uma ou várias horas, através apenas de uma decisão geral de atender a determinado assunto. Os enfermos ou esgotados, os inconstantes e inconsiderados e as crianças, pelo contrário, são menos firmes na atenção e têm que renovar a decisão e o interesse com frequência. Mais tarde explicaremos como a interrupção periódica do trabalho pode ser útil também às pessoas normais e sadias e, se houver tensão, mais amiudadamente, a fim de acalmá-las. Desta maneira, se consegue que o estado de prefadiga tarde a aparecer. Com isto também se consegue o retardamento do terceiro período. O terceiro período é o de saturação ou “nivelamento” entre aquecimento e cansaço, no qual a atenção arrefece, a evocação de lembranças antigas se torna mais difícil, a combinação de ideias e a elaboração de conclusões e sínteses exige maior esforço e o cansaço começa a se fazer sentir. Isto costuma dar-se mais ou menos após duas horas de atenção continuada; contudo, alguns indivíduos conseguem prolongar a atenção por mais tempo; também sucede que a mesma pessoa a possa manter com relação a determinadas matérias e a outras não.

Já Santo Inácio de Loyola, em 1550, aconselhava seus estudantes a não ultrapassar habitualmente duas horas seguidas de estudo sem fazerem uma breve interrupção.

Os psicólogos modernos inclinam-se a aceitar esta norma; alguns, porém, reconhecendo que a juventude estudiosa das grandes cidades costuma viver um clima de superexcitação, acham que ela deveria encurtar este período de aplicação séria ao estudo. É possível que as células cerebrais tenham já esgotado em duas horas suas reservas de energia e nos peçam alguns minutos para se recuperarem. Ajudemo-las mudando de ocupação ou de postura, ativemos os músculos inativos, a respiração, a circulação do sangue. Se não o fizermos oportunamente, chegaremos rapidamente ao quarto período, que é o de cansaço, no qual o aproveitamento decai progressivamente e o aborrecimento, o desinteresse e até mesmo a inibição aumentam, ou então o nervosismo, juntamente com o incômodo causado pelo esforço.




Prática

Entregue-se ao trabalho com plena determinação e confiança. Coordene o corpo e o espírito: não tome nem uma postura tão violenta e incômoda que, ao causar cansaço ou dor, produza a distração, nem tão comodista que faça afrouxar os músculos até provocar sonolência.

Tenha sempre algum motivo ou fim concreto. Diga, por exemplo: “Quero aprender o que diz este artigo ou capítulo sobre...; quero enriquecer-me com estas ideias; serão úteis para tal fim.” Este desejo e pretensão, posto que signifiquem muito para você e que se realizem em pouco tempo, poderão sustentar sua atenção. Se esta tiver que prolongar-se demasiado, aquele propósito seria insuficiente ou ineficaz, a não ser que a pessoa o faça por partes, fixando seu objetivo em cada parágrafo ou capítulo, porque então a vontade, sentindo sua utilidade e possibilidade, se aferrará a ele e comandará a atenção.

É o que fazemos quando, de lápis em punho, vamos resumindo um parágrafo após outro, ou sublinhando o que nos parece interessante para nossa finalidade.

Uma vez desencadeado este mecanismo, a concentração se produzirá por si — como o sono, sem esforço — sem ter que forçá-la: basta entregar-se ao trabalho em circunstâncias favoráveis. A música, o assobio, a mastigação (chicletes, por exemplo) ajudam a alguns, mas atrapalham a outros. Acostume-se a resistir à curiosidade de saber outras coisas ou o que se passa ao redor. Por outro lado, procure que a ocupação atual desperte em seu espírito interesse e entusiasmo. 

Comece com ânimo, mesmo que a princípio não sinta gosto nem progresso. Se, devido à fraqueza ou cansaço, a pessoa não pode concentrar-se em várias páginas de leitura ou em meia hora de dissertação, exercite-se várias vezes por dia em concentrar-se deveras; mas, sem tensão, em períodos curtos. Seu único escopo seja seguir a ideia e não propriamente evitar as distrações. Se estas sobrevierem, procure voltar novamente à ideia. Prestando bem atenção a meia página ou durante dez minutos de dissertação em cada exercício e continuando a exercitar-se várias vezes por dia, sempre por alguns minutos mais, rapidamente se conseguirá a concentração normal. Serão úteis para isso os exercícios das páginas 43 e ss..

Quando a pessoa se sente preocupada com o que tem que ultimar sem demora, deve dizer a si mesma: “Sim, são assuntos importantes, mas podem esperar; atacá-los-ei daqui a pouco.”





Concentração na oração

No estudo ou trabalho mental natural, dois elementos estabelecem a medida de nossa felicidade intelectiva: o interesse que o objeto ou verdade descoberta desperta em nós e a clareza com que a vemos. É o que se passa na obscuridade de uma caverna cheia de tesouros, quando se acende a luz que os revela: nossa alegria aumenta na proporção da importância ou beleza do tesouro que iluminamos e da clareza e morosidade com que o percebemos. Na oração ou trabalho mental sobrenatural, estes dois elementos atingem proporções ilimitadas, pois o objeto ao qual dirigimos a atenção é Deus, tesouro infinito, verdade e beleza totais, ou alguma coisa relacionada com Ele e a luz da sabedoria infinita se junta ao foco limitado do entendimento humano.

Quando estudamos, lemos ou pensamos sem plena concentração, não conseguimos eficiência nem satisfação verdadeira; com muito maior razão, quando tratamos com o Ser Infinito na oração, sem plena atenção, não poderemos dar um passo, nem gozar de suas delícias insuspeitadas.

A vida de Deus em nós se manifesta com frequência em jorros de luz sobrenatural, ondas de satisfação sobre-humana, antegozo do céu, íntima aproximação à Divindade... São luzes ou inspirações, fulgores luminosos que de súbito nos fazem ver horizontes e tesouros inesperados com uma clareza e evidência quase intuitivas. São os sentimentos e consolações espirituais que com frequência os santos experimentam e até mesmo os cristãos de boa vontade quando se entregam ao Retiro Espiritual ou se recolhem com sinceridade em oração. Consolações e luzes sobrenaturais que superam a todas as alegrias mundanas e que só podem ser saboreadas por quem as experimenta. São impulsos ou estímulos para a vontade que geram maior capacidade para realizar coisas difíceis.

Poderíamos reduzir tudo na seguinte fórmula matemática:

E + G = 1.000.000 RCD =

F + D = 0

RCD = Resultado da concentração nas coisas divinas; EG = Eficiência e gozo (ilimitados); FD = Fadiga e desgosto (nulos).




Poderíamos também apresentar outra equação:

Oração atenta — Raiz de toda santidade

Contudo, tais consolações sobre-humanas, tais cintilações divinas passam despercebidas à alma pouco recolhida. Também Deus por vezes não as concede, quando prevê que a dissipação interior da pessoa não lhe permitirá sequer notá-las ou apreciá-las.

Se nos decidíssemos a falar com Deus com todo nosso ser! Se nos aplicássemos com toda atenção ao que dizemos, mesmo na mais breve oração vocal! Se escutássemos o que Ele nos quer dizer na intimidade da oração! Deus só fala ordinariamente no mais íntimo do ser e só O sentiremos através da perfeita concentração.

Na oração, do mesmo modo que no estudo, a concentração não costuma dar-se de repente. O primeiro período de “ajustamento” muscular e mental é, no caso, mais necessário, pois quando oramos nos elevamos acima do visível, do temporal e do humano, a fim de penetrarmos no céu, para falar com o Infinito e descobrir tesouros sobre-humanos. Para se conseguir este “ajustamento” Santo Inácio recomenda que, uma vez no local da oração, elevemos o pensamento ao alto pelo tempo de um “Pai-nosso”, concentrando-nos na certeza de que Deus está ali presente e nos contempla e prestando-lhe uma homenagem, mesmo externa, de reverência.

Nas orações breves durante o dia consegue-se o mesmo resultado fazendo com sinceridade e respeito o Sinal da Cruz; com isto, nos colocamos imediatamente na presença da Santíssima Trindade e nos unimos a Ela. Por falta deste “ajustamento”, muitos nem sequer começam a rezar deveras e muito menos mergulhar na oração.

O segundo período consiste em desprender-se completamente da terra, penetrar de verdade no céu e entrar com recolhimento progressivo na intimidade com Deus; compreende vários graus, até se chegar a libertar das coisas sensíveis e sentir a Deus no nível mais profundo de nossa alma. Deus só fala no mais íntimo de nós mesmos e, como Ele deseja comunicar-se com suas criaturas, bem depressa o sentiremos, se empregarmos com diligência os meios humanos e atrairmos, pela humildade e confiança, sua ajuda divina. Verifiquei isto entre as crianças recém-convertidas de minha escola na China: quando, de olhos cerrados e mãos postas, se esforçavam para pensar no que rezavam, muitas delas sentiam tais consolações, que já nada mais desejavam que conservar esta felicidade por toda a vida e, para tal conseguirem, decidiram-se a abraçar a vida sacerdotal.

A dificuldade compreensível de se conversar com Deus, espírito invisível, tem fácil solução depois que Ele quis fazer-se homem. Agora podemos representá-lo como menino ou adulto, a rezar ou a trabalhar; podemos contemplá-lo quando se alimenta ou quando sofre.

Neste particular, mais do que no estudo, há graus de abstração das coisas sensíveis e concentração em Deus; conforme a profundidade da atenção, serão nossa aproximação com Deus, a participação de seus dons e o gozo espiritual. Por outras palavras, a uma concentração maior corresponde maior santidade, porque Deus, que não se deixa vencer pela generosidade dos homens, ordinariamente, recompensa desta maneira nosso esforço.

Esta concentração pode prolongar-se indefinidamente quando Deus faz jorrar sua luz; assim sucedeu com São Francisco de Assis, o qual, começando sua oração ao anoitecer, pela manhã se queixava do sol, porque viera tão rapidamente privá-lo das delícias da contemplação.

Contudo, façamos uma interrupção quando sentirmos ameaça de fadiga ou desgaste que poderia sobrevir, não da oração em si mesma, mas da inquietação de nossa mente, ou da tensão, principalmente nos olhos, ou finalmente de uma postura incômoda prolongada.







RESUMO PRÁTICO

AUXÍLIOS PARA A CONCENTRAÇÃO

  • Apreciá-la como raiz do talento e da grandeza
  • Afastar obstáculos: ruídos, pessoas
  • Suscitar interesse e entusiasmo
  • Querer a concentração, sem duvidar de sua possibilidade
  • Facilitá-la sublinhando ou resumindo
  • Começar com decisão e em local recolhido
  • Procurar a profundidade
  • Aproveitar o calor
  • Interromper aos primeiros sintomas de fadiga
  • Melhorar a função neuro-muscular, respiratória e sanguínea
  • Meio principal: vencer a divagação e obsessão, como se explicará nos capítulos seguintes.


Texto do Reverendo Narciso Irala






Ana Paula Barros

Especialista em Educação Clássica e Neuro Educação pela Pontifícia Universidade Católica. Graduada em Curadoria de Arte e Produção Cultural pela Academia de Belas Artes de São Paulo. Professora independente no Portal Educa-te (desde 2018). Editora-chefe da Revista Salutaris e autora dos livros: "Modéstia", "Graça & Beleza".


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"Pois o preceito é lâmpada, e a instrução é luz, e é caminho de vida a exortação que disciplina" - Provérbios 6, 23

Ana Paula Barros

Especialista em Educação Clássica e Neuro Educação. Graduada em Curadoria de Arte e Produção Cultural. Professora independente no Portal Educa-te (desde 2018). Editora-chefe da Revista Salutaris e da Linha Editorial Practica. Autora dos livros: Modéstia (2018), Graça & Beleza (2025).

Possui enfática atuação na produção de conteúdos digitais (desde 2012) em prol da educação religiosa, humana e intelectual católica, com enfoque na abordagem clássica e tomista.

Totus Tuus, Maria (2015)




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