O Papel das Artes e da Literatura no Alívio das Tensões Musculares
Professora Ana Paula Barros¹
1. INTRODUÇÃO
A tensão muscular é uma reação fisiológica natural do organismo frente a estímulos estressores, caracterizada por contrações involuntárias e persistentes de grupos musculares. Este fenômeno está diretamente associado ao funcionamento do sistema nervoso autônomo, responsável pela resposta de “luta ou fuga”, e ocorre em decorrência da liberação de hormônios como adrenalina e cortisol, que preparam o corpo para enfrentar situações de ameaça.
Nas sociedades contemporâneas, marcadas por ritmos acelerados, sobrecarga cognitiva e emocional, competitividade excessiva e inseguranças socioeconômicas, observa-se um crescimento expressivo nos casos de estresse crônico. Esse cenário contribui para o aumento de queixas físicas como dores lombares, cefaleias tensionais e distúrbios posturais, muitas vezes originadas ou intensificadas por tensões musculares contínuas. A medicalização de sintomas físicos relacionados ao estresse tornou-se recorrente, embora nem sempre eficaz na resolução de suas causas psicossociais.
Diante desse contexto, esta pesquisa propõe investigar a hipótese de que a fruição estética e o envolvimento em atividades artísticas e literárias podem funcionar como coadjuvantes terapêuticos no alívio de tensões musculares. Considerando que a arte e a literatura oferecem espaços simbólicos de expressão, catarse e identificação, exploraremos como essas práticas podem favorecer a regulação emocional, promover estados de relaxamento e contribuir para o bem-estar físico e mental dos indivíduos.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 Fisiologia do Estresse e Tensão Muscular
O estresse é uma resposta adaptativa do organismo a situações percebidas como ameaçadoras ou desafiadoras. Essa resposta envolve uma série de mecanismos neurobiológicos, dos quais se destaca a ativação do sistema nervoso autônomo, especialmente a divisão simpática, responsável por preparar o corpo para ações rápidas. A liberação de hormônios como adrenalina e cortisol desencadeia aumento da frequência cardíaca, da pressão arterial e contrações musculares involuntárias, podendo resultar em quadros de tensão muscular persistente.
A relação entre estados emocionais e manifestações físicas tem sido amplamente estudada. Emoções negativas, como ansiedade, raiva e tristeza, têm sido associadas a sintomas somáticos como bruxismo, dores lombares, rigidez na nuca e ombros, além de alterações posturais. Esses sintomas, muitas vezes subestimados clinicamente, refletem o impacto direto dos processos emocionais sobre o sistema muscular.
2.2 Artes e Literatura como Espaços de Regulação Emocional
As artes e a literatura vêm sendo cada vez mais reconhecidas como instrumentos relevantes na promoção da saúde mental e física. Práticas como a arteterapia e a biblioterapia baseiam-se na ideia de que a fruição estética e a expressão simbólica permitem ao indivíduo elaborar conflitos internos, reduzir níveis de estresse e promover relaxamento muscular. A arte atua não apenas como meio de distração, mas como ferramenta de autorregulação emocional, contribuindo para o equilíbrio psicofisiológico.
Do ponto de vista teórico, correntes da estética filosófica destacam a capacidade da arte de operar como um canal de sublimação, permitindo a transformação de conteúdos inconscientes em formas socialmente aceitáveis e esteticamente significativas. Ao ler um texto literário, por exemplo, o sujeito pode identificar-se com personagens, vivenciar uma catarse emocional ou projetar suas angústias em narrativas simbólicas, experienciando alívio emocional e, em consequência, físico.
O envolvimento com expressões artísticas e narrativas ficcionais possibilita, portanto, uma reconfiguração do estado interno do indivíduo, favorecendo não apenas o bem-estar psicológico, mas também a redução de tensões musculares ligadas à sobrecarga emocional. Essa perspectiva reforça a importância de incorporar práticas artísticas e literárias em estratégias de cuidado multidisciplinar.
3. BIBLIOTERAPIA
A biblioterapia, termo derivado do grego biblion (livro) e therapeia (tratamento), refere-se ao uso terapêutico da leitura com o objetivo de promover bem-estar emocional, desenvolvimento pessoal e alívio de sintomas psíquicos. Embora o conceito tenha ganhado notoriedade no século XX, suas raízes remontam à Antiguidade. Segundo registros históricos, o faraó Ramsés II teria inscrito na entrada de sua biblioteca a frase “Remédios para a alma”, devido a crença no poder curativo dos livros.
Durante o Império Romano, o médico Galeno mantinha uma biblioteca médica utilizada como recurso terapêutico por ele e por sacerdotes do templo de Esculápio. Na Idade Média, bibliotecas monásticas eram consideradas “tesouros de remédios da alma”, e a leitura era prescrita como forma de pacificação espiritual. Já no século XIX, Benjamin Rush, médico norte-americano, recomendava a leitura como instrumento de instrução e distração para pacientes hospitalizados.
O termo “biblioterapia” foi oficialmente cunhado por Samuel McChord Grothers em 1916, em artigo publicado na revista Atlantic Monthly. A partir da década de 1930, passou a ser incorporado em instituições psiquiátricas e hospitais, especialmente nos Estados Unidos e Europa. No Brasil, a prática começou a ganhar destaque a partir dos anos 2000, os estudos ampliaram sua aplicação para escolas, bibliotecas, presídios e instituições de longa permanência.
A biblioterapia pode ser classificada em três vertentes principais:
- Biblioterapia desenvolvimental: voltada ao crescimento pessoal, aplicada por bibliotecários em grupos ou individualmente, com caráter preventivo e educativo.
- Biblioterapia clínica: utilizada por psicólogos e profissionais da saúde para tratar transtornos emocionais, como depressão, ansiedade e luto.
- Biblioterapia institucional: aplicada em ambientes como hospitais, asilos e centros comunitários, com foco na humanização do cuidado.
Os efeitos da biblioterapia sobre seus adeptos são amplamente positivos. Estudos indicam que a leitura dirigida pode:
- Reduzir sintomas de ansiedade e depressão.
- Estimular a empatia e a identificação com personagens, promovendo catarse emocional.
- Melhorar a autoestima e a capacidade de enfrentamento de situações adversas.
- Diminuir a sensação de solidão e favorecer o sentimento de pertencimento.
Dessa forma, a biblioterapia configura-se como uma prática terapêutica acessível, humanizadora e interdisciplinar, capaz de integrar literatura, saúde e educação em prol do cuidado integral do ser humano.
ESTÉTICA TERAPÊUTICA
A estética terapêutica configura-se como uma abordagem que valoriza a experiência estética como instrumento de promoção da saúde emocional, psíquica e física. Diferentemente da arteterapia, que se baseia na produção artística como forma de expressão simbólica, a estética terapêutica concentra-se na fruição e contemplação da arte, reconhecendo o potencial transformador da observação sensível de obras visuais, sonoras, literárias e performáticas.
Historicamente, a relação entre arte e cuidado remonta à Antiguidade, quando templos e bibliotecas eram considerados espaços de cura espiritual. No século XX, com o avanço das ciências humanas e da psicologia, surgiram práticas como a museoterapia e a arteterapia receptiva, que propunham o uso da contemplação estética como recurso terapêutico. A partir da década de 1990, instituições hospitalares europeias passaram a incorporar exposições artísticas em ambientes clínicos, observando efeitos positivos na redução da ansiedade e na melhora da adesão ao tratamento.
Do ponto de vista teórico, a estética terapêutica fundamenta-se em diversas correntes:
- A fenomenologia da percepção, considera o corpo como mediador da experiência estética, sendo transformado pela interação sensorial com a obra.
- A psicanálise, conforme Freud, entende a arte como via de sublimação e catarse emocional, permitindo a elaboração de conteúdos inconscientes.
- A neuroestética, campo desenvolvido por Semir Zeki, investiga como o cérebro responde à beleza e à arte, revelando que a contemplação ativa áreas ligadas ao prazer, à empatia e à regulação emocional.
A prática da estética terapêutica não exige habilidades artísticas, mas sim disponibilidade sensível para vivenciar a arte como experiência subjetiva. A observação de obras visuais, a escuta musical, a leitura literária e a apreciação de performances podem induzir estados de reflexão, relaxamento e reorganização simbólica. Estudos indicam que essa fruição estética promove a ativação do sistema parassimpático, reduzindo a tensão muscular, a frequência cardíaca e os níveis de cortisol.
Entre os efeitos terapêuticos observados estão:
- Redução de sintomas de ansiedade e estresse.
- Estímulo à empatia e à autorreflexão.
- Alívio de tensões musculares associadas à sobrecarga emocional.
- Ampliação da capacidade de simbolização e ressignificação de vivências.
A estética terapêutica pode ser aplicada em diversos contextos, como hospitais, clínicas, escolas, bibliotecas e espaços culturais. Sessões de fruição guiada, visitas mediadas a museus, leitura reflexiva e escuta musical são exemplos de estratégias utilizadas. Essa abordagem pode ser conduzida por psicólogos, arteterapeutas, educadores ou profissionais da saúde sensíveis à dimensão estética do cuidado.
Dessa forma, a estética terapêutica representa uma prática interdisciplinar e humanizadora, capaz de integrar arte, saúde e pessoalidade em prol do bem-estar integral do indivíduo.
¹Ana Paula Barros
Especialista em Educação Clássica e Neuro Educação. Graduada em Curadoria de Arte e Produção Cultural. Professora independente no Portal Educa-te (desde 2018). Editora-chefe da Revista Salutaris e da Linha Editorial Practica. Autora dos livros: Modéstia (2018), Graça & Beleza (2025).
Possui enfática atuação na produção de conteúdos digitais (desde 2012) em prol da educação religiosa, humana e intelectual católica, com enfoque na abordagem clássica e tomista.
Totus Tuus, Maria (2015)