O trabalho é a vocação inicial do homem, é uma bênção de Deus, e enganam-se lamentavelmente os que o consideram um castigo. O Senhor, o melhor dos pais, colocou o primeiro homem no paraíso, "ut operaretur" - para que trabalhasse. (Sulco, 482)
Nos dias atuais, é cada vez mais comum observar trabalhos profissionais realizados com descuido, desatenção e falta de compromisso. Seja em um atendimento apressado, em um serviço mal executado ou em tarefas feitas apenas para “cumprir tabela”, percebe-se uma crise de qualidade que afeta diretamente a confiança entre as pessoas e a dignidade do próprio trabalho. Essa realidade não está ligada à ausência de produtos sofisticados ou luxuosos, mas ao simples fato de não se fazer o trabalho corretamente, de não oferecer o mínimo de atenção e consideração às pessoas que dele dependem.
O cristianismo, porém, oferece uma visão diferente. Para São Paulo, o trabalho deve ser feito “de todo o coração, como para o Senhor e não para os homens” (Cl 3,23). Isso significa que cada tarefa, por mais simples que seja, pode ser expressão de amor, responsabilidade e fé. O trabalho bem feito não é apenas uma questão de eficiência, mas também de testemunho: mostra respeito por quem recebe o serviço e por quem o realiza. Lembro-me claramente de escutar, aos 15 anos, um catequista de crisma ensinar que o cristão deve ser o melhor naquilo que faz: se trabalhar em uma empresa, deve ser o melhor; se for professor, o melhor; se for lixeiro, que seja o melhor — e isso já é um testemunho. É estranho que, em um país de tradição cristã, tenhamos tantos trabalhos mal feitos.
Estudo, trabalho: deveres ineludíveis para todo o cristão; meios para nos defendermos dos inimigos da Igreja e para atrairmos - com o nosso prestígio profissional - tantas outras almas que, sendo boas, lutam isoladamente. São arma fundamentalíssima para quem queira ser apóstolo no meio do mundo. (Sulco, 483)
Não se pode santificar um trabalho que humanamente seja um “lixo”, porque não devemos oferecer a Deus tarefas mal feitas. (Sulco, 493)
São Josemaria Escrivá, fundador do Opus Dei, insistia que o trabalho cotidiano é caminho de santidade. Para ele, não existem tarefas pequenas ou insignificantes; qualquer atividade, quando realizada com dedicação, pode ser oferecida a Deus. O trabalho mal feito, ao contrário, é sinal de desleixo e falta de amor. Escrivá afirmava que a santificação da vida ordinária passa justamente pelo esforço de fazer bem aquilo que nos cabe, seja atender um cliente com atenção, limpar um espaço com cuidado ou conduzir uma reunião com responsabilidade.
O heroísmo do trabalho está em “acabar” cada tarefa. (Sulco, 488)
Tu também tens uma vocação profissional que te “aguilhoa”. - Pois bem, esse “aguilhão” é o anzol para pescar homens. Retifica, portanto, a intenção, e não deixes de adquirir todo o prestígio profissional possível, a serviço de Deus e das almas. O Senhor conta também com “isso”. (Sulco, 491)
Assim, quando vemos serviços prestados com desatenção, maus atendimentos ou trabalhos mal executados, não estamos diante apenas de falhas técnicas, mas de uma crise de valores. A mediocridade nasce quando se busca apenas cumprir o mínimo sem colocar o coração naquilo que se faz. Recuperar a visão cristã do trabalho significa compreender que cada tarefa é oportunidade de servir, crescer e santificar-se. Não se trata de oferecer luxo ou requinte, mas de realizar o trabalho de forma correta, minimamente bem feita, com atenção às pessoas e respeito por sua dignidade. Trabalhar mal é negar essa dimensão maior; trabalhar bem é transformar o cotidiano em oração.
Perguntaste o que é podias oferecer ao Senhor. - Não preciso pensar a minha resposta: as coisas de sempre, mas melhor acabadas, com um arremate de amor, que te leve a pensar mais nEle e menos em ti. (Sulco, 495)
Trabalhemos, e trabalhemos muito e bem, sem esquecer que a nossa melhor arma é a oração. Por isso, não me canso de repetir que temos que ser almas contemplativas no meio do mundo, que procuram converter o seu trabalho em oração. (Sulco, 497)
Coloca na tua mesa de trabalho, no teu quarto, na tua carteira…, uma imagem de Nossa Senhora, e dirige-lhe o olhar ao começares a tua tarefa, enquanto a realizas e ao terminá-la. Ela te alcançará - garanto! - a força necessária para fazeres, da tua ocupação, um diálogo amoroso com Deus. (Sulco, 531)
Checklist do Trabalho Cristão Bem Feito
- Fazer cada tarefa com atenção e cuidado, evitando o desleixo.
- Não buscar apenas “cumprir tabela”, mas entregar o melhor possível.
- Lembrar que o trabalho é serviço às pessoas, não apenas obrigação.
- Considerar quem será beneficiado pelo trabalho e respeitar sua dignidade.
- Trabalhar como quem oferece a tarefa a Deus, mesmo nas atividades simples.
- Transformar o cotidiano em oração através do esforço bem feito.
- Não se trata de oferecer luxo ou sofisticação, mas de fazer corretamente o que deve ser feito.
- O mínimo bem feito já é testemunho cristão.
- Tratar clientes, colegas e superiores com respeito e cordialidade.
- Ouvir com paciência e atender com verdadeira consideração.
- Manter disciplina e regularidade no trabalho, sem se deixar levar pela preguiça.
- Buscar sempre melhorar, evitando a mediocridade.
- Realizar o trabalho com alegria, mostrando que o cristão santifica-se no cotidiano.
- Ser exemplo de dedicação, seja qual for a profissão: professor, médico, lixeiro ou empresário.
- Cumprir prazos e compromissos com seriedade.
- Negar atalhos desonestos ou soluções que prejudiquem os outros.
Indicações de Leitura
ESCRIVÁ, Josemaria: Sulco. São Paulo: Quadrante, 2002. Disponível em: https://amzn.to/482FqXW
ESCRIVÁ, Josemaria: Forja. São Paulo: Quadrante, 2002. Disponível em: https://amzn.to/49lwsHA
BARROS, Ana Paula; BUDNICK, Mary Ann: Cultivo: Plano de vida espiritual. São Paulo: Salus in Caritate, 2024. Disponível em: https://amzn.to/4oIBcMc