Comentário de São João Crisóstomo a Carta a Filemon

by - junho 16, 2020

Comentário de São João Crisóstomo a Carta a Filemon






Introdução

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HOMILIAS SOBRE A CARTA A FILEMON DE SÃO JOÃO CRISÓSTOMO, PADRE DA IGREJA, ARCEBISPO DE CONSTANTINOPLA

ARGUMENTO



Primeiramente convém enunciar qual o tema da Carta, e em seguida também expor algumas questões. Qual é, portanto, o tema? Filemon é um homem importante e de caráter nobre. Manifesta sua importância o fato de toda a sua casa ser fiel e possuir a denominação de Igreja. Por isso, escrevia o Apóstolo: “À Igreja que se reúne em tua casa” (2). Atribui-lhe o testemunho de grande obediência, porque graças a ele “foram reconfortados os corações dos santos” (7). Nesta carta recomenda-lhe ainda que lhe prepare hospedagem. Por conseguinte, a meu ver, sua casa era hospedaria de todos os santos. Este homem importante tinha um escravo chamado Onésimo. Onésimo roubara de seu senhor e fugira. Sobre o furto, escuta o que ele diz: “E se ele te deu algum prejuízo ou te deve alguma coisa, põe isso na minha conta” (18-19). A Paulo em Roma ele havia procurado, encontrado no cárcere, aproveitado de seus ensinamentos e ali também recebera o batismo. Evidencia-se que ali recebera o batismo pela expressão do Apóstolo: “Que eu gerei na prisão” (10). Paulo escreve, recomendando-o ao dono, para isentá-lo do castigo e, regenerado, fosse agora bem acolhido. Mas alguns afirmam que é supérflua esta Carta, por se tratar de pequena questão, em favor de um só. Saibam os críticos que merecem inúmeras censuras. Não só devia ter escrito uma carta bem curta e a respeito de um assunto necessário, mas oxalá facilmente tivéssemos quem nos narrasse a história dos apóstolos. Não me refiro só ao que escreveram ou disseram, mas também ao restante estilo de vida: as refeições, quando comiam, quando se sentavam, aonde iam, o que faziam cada dia, onde estiveram, as casas que visitaram, onde embarcaram, e a descrição inteira fosse pormenorizada, a tal ponto o seu procedimento é de utilidade. De fato, uma vez que a maioria não entende o lucro que daí se pode retirar, começam as incriminações. Mal divisamos, porém, os lugares onde se sentaram ou foram presos, lugares inânimes, para lá orientamos muitas vezes o pensamento, imaginamos a virtude deles, e assim nos estimulamos, tornamo-nos mais bem-dispostos. Mais ainda, se ouvíssemos as palavras e a narração de seus outros feitos. Acerca de um amigo, pergunta-se onde vive, o que faz, para onde parte. Dize-me. Não importa conhecer tais minúcias a respeito dos doutores do universo? Quando uma pessoa vive espiritualmente, os gestos e o andar, as palavras, as obras etc. são de proveito aos ouvintes, e nada serve de impedimento, ou de obstáculo. É útil conhecerdes a oportunidade desta carta, a respeito de problemas determinados. Quantas atitudes ótimas! Uma, e em primeiro lugar o zelo total. Se Paulo tomou tantas providências em favor de um fugitivo, ladrão, gatuno, e não recusa nem se envergonha de despedi-lo com tantos louvores, muito mais não nos convém a negligência acerca de fatos semelhantes. Em segundo lugar, não percamos a esperança a respeito da classe servil, mesmo se chegar à extrema malícia. Se um ladrão, fugitivo, tornou-se honesto a ponto de Paulo desejar tê-lo por companheiro e escrever: “Em teu nome, ele me servisse” (13), muito mais não se perca a esperança a respeito de homens livres. Em terceiro lugar, não convém que os escravos sejam apartados dos donos. Se Paulo confiava tanto em Filemon que não quis, sem o consentimento dele, reter a Onésimo, habilitado e útil ao ministério, bem mais conveniente é procedermos assim.

Refletindo nisto, sejamos misericordiosos, propensos a perdoar àqueles que pecam contra nós. Cem denários são (Mt 18) as faltas cometidas contra nós, mas as nossas contra Deus constituem dez mil talentos. Sabeis, contudo, que os pecados são qualificados conforme a dignidade das pessoas. Por exemplo, quem insulta um particular peca, mas não quanto quem ultraja a um chefe; e mais peca quem ofende a um maior potentado. Não é falta igual afronta a um inferior. E quem ofende o rei, peca muito mais. A injúria, em verdade, é a mesma, mas torna-se maior devido à dignidade da pessoa. Se, porém, quem insulta o rei, sofre intolerável suplício por causa da dignidade da pessoa, quem ofende a Deus, deverá quantos talentos? Por conseguinte, se cometemos pecados semelhantes contra Deus e contra os homens, nem assim são idênticos, mas a diferença é tão grande quanto a distância entre Deus e os homens. Mas descubro haver ainda muitos pecados, cuja grandeza não depende da excelência da pessoa, mas de sua própria natureza. E é horrível o que direi, verdadeiramente terrível, mas sou obrigado a dizê-lo, para ao menos assim nos sacudir e abalar, demostrando que tememos mais a Deus do que aos homens. Reflete, portanto. O homem que comete adultério sabe que Deus o vê, mas o despreza; se, porém um homem o vê, contém a concupiscência. Tal homem não só dedica maior estima aos homens do que a Deus, não só ofende a Deus, mas também, o que é muito mais grave, teme os homens, despreza a Deus. Veem os homens e eles contêm a chama da concupiscência. Por que digo chama? Não é chama, mas petulância. Se não fosse permitido unir-se à mulher, com razão dir-se-ia que é chama; mas, de fato, é petulância e lascívia. Se os homens veem, desiste da loucura, mas fica menos preocupado com a longanimidade de Deus. Ainda, o que furta está consciente da rapina, esforça-se por enganar os homens, defende-se diante dos acusadores, e apresenta certa defesa. Mas, relativamente a Deus, que ele não pode enganar, não se preocupa, não respeita, não honra. E se o rei ordena abster-se dos bens alheios, ou, ao contrário, manda dar dos seus, todos prontamente os oferecem. Mas quando Deus ordena não roubar, nem arrebatar os bens alheios, não obedecemos. Vês que damos mais importância aos homens do que a Deus? É grave e incômodo dizê-lo. Manifestai que é grave, evitai-o. Se não sentis horror, como posso acreditar quando dizeis: Temos horror destas palavras, que nos agravam? Vós mesmos por obras vos agravais, e não vos queixais; quando eu, porém, profiro palavras acerca do que fazeis, ficais indignados. Não é iníquo? Oxalá fosse falso! Prefiro naquele dia ter a fama de injuriador a vos ter ultrajado sem motivo e em vão, a vos ver acusados desses pecados. Não somente preferis os homens a Deus, mas também obrigais os outros a tal conduta. Muitos obrigam os escravos e servos; outros, forçam-nos contra a vontade ao casamento, outros obrigam a serviços péssimos, ao amor impuro, às rapinas, às fraudes e à violência. É duplo crime, portanto, e nem a escusa de imposição encontra perdão. Pois se tu mesmo contra a vontade fazes o mal, por causa da ordem do príncipe, nem assim é adequada a defesa; em verdade o pecado é mais grave quanto obrigas o próximo a cair no mesmo. Que perdão pode ser dado a tal homem? Disse isso, não porque queira condenar-vos, mas a fim de mostrar quanto somos devedores a Deus. Pois se honramos a um homem e a Deus de igual forma, injuriamos a Deus; muito mais quando damos preferência aos homens. Se, de fato, esses pecados contra os homens forem cometidos contra Deus, são muito maiores, quanto mais, quando por si o pecado é maior e mais grave? Examine-se alguém a si mesmo, e verá quanto faz por causa dos homens. Seríamos muito felizes se fizéssemos por Deus quanto fazemos pelos homens, por estima, por medo e respeito humano. Se, portanto, somos réus, temos tão grandes débitos, devemos com toda diligência perdoar àqueles que nos lesam e enganam, sem nos lembrarmos da injúria. A via do perdão dos pecados não exige esforços, gastos pecuniários etc., mas só a boa disposição do ânimo; não é preciso empreender peregrinação, partir para outra região, nem enfrentar perigos e labores, mas somente querer.


Para a virtude não é necessário vigor corporal, nem riquezas, dinheiro, poder, amizade etc., mas basta somente boa vontade e tudo está feito. Uma pessoa te entristeceu, injuriou e ultrajou? Ora, reflete que tu também contra outros cometeste tais faltas, até contra o próprio Senhor; desculpa e perdoa. Pensa, o que dizes: “E perdoa as nossas dívidas, como também nós perdoamos aos nossos devedores” (Mt 6,12).



O publicano, apenas por ter dito: “Tem piedade de mim, pecador” (Lc 18,13) desceu justificado; muito mais nós, humildes e contritos, poderemos conseguir imensa benignidade. Se confessarmos nossos pecados e nos condenarmos a nós mesmos, apagaremos muitas manchas. Vários são os caminhos que purificam. Em toda parte, portanto, lutemos contra o diabo. Não me referi a um ato difícil, pesado. Perdoa àquele que te ofendeu, tem compaixão do indigente, humilha tua alma. Até mesmo apesar de seres um grande pecador, poderás tornar-te partícipe do reino, purificando-te dos pecados e apagando a mácula desta forma. Oxalá, porém, todos nós, apagada a mácula dos pecados pela confissão, alcancemos os bens prometidos, em Cristo Jesus nosso Senhor, ao qual com o Pai seja glória, poder etc.

Trechos do livro Patristica, vol 27/3. Comentários de São João Crisóstomo a Carta a Filemon.






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