Frutos do Espírito Santo segundo São Tomás de Aquino

by - janeiro 04, 2020



doutrina catolica sobre os frutos


Introdução

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Após ter falado dos dons, santo Tomás acrescenta ainda duas outras questões, verdadeiramente surpreendentes para quem esperaria apenas uma simples descrição de estruturas mentais, mas que não são feitas para nos surpreender, uma vez que sabemos que ele é um leitor assíduo da Escritura. Plenamente consciente do fato de que “o Sermão da Montanha contém o programa completo da vida cristã” (ST I-II q.108 a.3), ele se interroga sobre o que são as bem-aventuranças das quais o Senhor fala nos evangelhos (Mt 5, 3-12; Lc 6, 20-26), e sobre o que São Paulo denomina “os frutos do Espírito” (Gl 5, 22-23; ST I-II q.69-70). A aproximação não é arbitrária, porque há mais de um ponto comum entre frutos e bem-aventuranças, e a união com o Espírito Santo é evidente a partir do momento em que se percebe que tudo isso tem suas raízes nele como em sua fonte. Muito pouco lidas, porque se tende a considerá-las secundárias num movimento de conjunto da Suma, as duas questões são, ao contrário, apreciadas pelos melhores teólogos moralistas de hoje. Eles vêem aí de bom grado “um programa de vida e de progresso espiritual” e se inspiram para “traçar um retrato do homem espiritual”.

A lista das bem-aventuranças não tem necessidade de ser aqui lembrada, mas talvez seja útil recordar os doze frutos do Espírito tais como Tomás os encontrava no latim da Vulgata: caridade, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, longanimidade, mansidão, fé, modéstia, continência, castidade (não se encontrará no grego do Novo Testamento a integralidade desta lista, da qual se conhecem apenas nove elementos). Para compreender de que se trata, deve-se saber que, em relação às virtudes e aos dons, as bem-aventuranças e os frutos não representam novas categorias de habitus, mas simplesmente os atos que deles provêm:

A palavra fruto foi transferida das coisas materiais para as espirituais. Na ordem material, chama-se fruto o que a planta produz ao atingir seu pleno desenvolvimento e traz em si certa suavidade. Nesse sentido, o fruto tem dupla relação com a árvore que o produz e com o homem que dela colhe. Assim, pois, podemos entender a palavra fruto nas coisas espirituais de dois modos: primeiro, diz-se fruto do homem, como da árvore, o que é produzido por ele; segundo, diz-se fruto do homem o que o homem colhe.
(ST I-II q.70 a.1)

Esta simples apresentação do vocabulário permite um primeiro esclarecimento. Se se pensa naquilo que é produzido pelo homem, é claro que são os atos humanos que levam o nome de frutos. Se eles estão de acordo com a capacidade da razão, são frutos da razão; mas se são produzidos por uma faculdade mais alta, a do Espírito Santo que age nas virtudes e nos dons, “então se diz que a ação do homem é fruto do Espírito Santo, como proveniente de uma semente divina” (ST I-II q.70).

Mas se pensamos no fruto como aquele que é colhido pelo homem, então se abre ao olhar uma perspectiva de amplidão insuspeitada. O fruto do homem, como o de uma terra, não é somente este ou aquele produzido isolado, mas a renda total que a plantação aporta. Transposto para o campo do agir humano, o fruto colhido será o fim último do qual o homem terá gozo. “Segue-se que nossas obras, em sua qualidade de efeito do Espírito Santo que opera em nós, se apresentam como frutos, mas na medida em que elas estão ordenadas a seu fim que é a vida eterna elas se apresentam antes como flores” (ST I-II q.70 a.1 ad 1). Tomás, de quem se vangloria o rigor da linguagem, não recua ocasionalmente diante da metáfora, mas esta é particularmente bem elaborada: da semente que o Espírito Santo deposita na alma ao fruto da bem-aventurança, passando pelas flores de nossas boas obras, temos efetivamente todo um programa.

Mas se, seguindo São Paulo, ele fala mais dos frutos do que das flores é que os atos virtuosos levam em si mesmos seu próprio prazer e até mesmo sua recompensa (In ad Galatas 5, 22, lect. 6, n. 322). É aqui que encontramos as bem-aventuranças. Como os frutos, as bem-aventuranças são também atos que têm por origem as virtudes e os dons, mas elas se distinguem dos frutos no sentido de que são atos ainda melhores: “Exige-se mais para a noção de bem-aventurança do que para a dos frutos … chamam-se bem-aventuranças unicamente as obras perfeitas; é por isso, aliás, que são atribuídos aos dons mais do que às virtudes” (ST I-II q.70 a.2). Sobretudo pelo fato de que elas levam o mesmo nome que o fruto ultimamente colhido, as bem-aventuranças dizem melhor que a imagem do fruto de que elas são apenas o começo de uma realização em devir.

Entre Santo Ambrósio, que reservava as bem-aventuranças para a vida futura, e Santo Agostinho, que as entendia da vida presente, ou ainda São João Crisóstomo, que as repartia em duas categorias, Tomás teve de escolher sua via pessoal; sua resposta é de muito interesse:

Para esclarecer esse assunto, cumpre considerar que a esperança da bem-aventurança futura pode existir em nós por duas razões: primeiro, por uma preparação ou disposição para a bem-aventurança futura, e isso se dá pelo merecimento; depois, como um início imperfeito dessa bem-aventurança nos santos, já na vida presente, pois a esperança de ver a árvore frutificando é diferente quando ela frondeja verdejante e quando começam a aparecer os primeiros frutos.

Assim, tudo o que nas bem-aventuranças se indica como mérito prepara ou dispõe para a bem-aventurança, seja ela completa ou apenas iniciada. Mas o que se afirma como prêmio pode ser ou a própria bem-aventurança perfeita, e nesse sentido pertence à vida futura, ou a alguma bem-aventurança iniciada, como ocorre entre os santos, e nesse sentido os prêmios pertencem à vida presente. Com efeito, quando alguém começa a progredir no exercício das virtudes e dos dons, pode-se esperar dele que chegará à perfeição de sua caminhada aqui e na pátria (ST I-II q.69 a.2).

Essas reflexões transmitem, sem nenhuma dúvida, o eco de uma experiência espiritual, se não forçosamente a do autor – o que, no entanto, se pode imaginar – ao menos a de tantos santos que ilustraram as bem-aventuranças à sua maneira. É bem verdade, como diz Tomás a propósito da bem-aventurança das lágrimas, que os santos são consolados nesta vida, uma vez que têm parte no Espírito consolador; do mesmo modo, famintos de justiça, são eles também saciados, uma vez que seu alimento, como o de Jesus, é fazer a vontade do Pai. 

Quanto aos puros de coração, é também verdade que eles Vêem Deus de certa maneira pelo dom da inteligência (ST I-II q.69 a.2 ad3). Mas o eco dessa experiência espiritual se percebe talvez melhor quando Tomás se interroga sobre a maneira pela qual os frutos são ao mesmo tempo distintos e ligados entre si:

Como se considera fruto o que vem de algum princípio como de uma semente ou raiz, será preciso atentar para a distinção desses frutos, conforme os diferentes modos (processus) pelos quais o Espírito Santo procede conosco. Ora, esse procedimento implica, primeiro, que a mente humana (mens hominis) seja ordenada em si mesma; segundo, que se ordene em relação ao que está ao seu lado e, em terceiro lugar, em relação ao que lhe é inferior.

Fica a mente do homem bem disposta em si mesma quando se comporta bem tanto em relação ao bem quanto em relação ao mal. Ora, a primeira disposição da mente humana para o bem é o amor, sentimento primordial e raiz de todos os sentimentos [cf. I-II q.27 a.40]. E, por isso, entre os frutos do Espírito Santo o primeiro citado é a caridade, na qual o Espírito Santo se dá de modo especial, como em sua própria semelhança, porque ele mesmo também é amor. Daí a palavra da carta aos Romanos (5, 5):

 “A caridade de Deus foi derramada em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado”. Mas o amor da caridade gera necessariamente a alegria, pois quem ama se alegra de estar unido ao amado. Ora, a caridade tem Deus a quem ama sempre presente, segundo a primeira carta de João (4, 16): “Quem permanece no amor permanece em Deus, e Deus permanece nele”. Portanto, a alegria é conseqüência da caridade.

Mas a perfeição da alegria é a paz, sob dois aspectos. Primeiro, quanto ao repouso das perturbações exteriores, pois não pode desfrutar perfeitamente do bem amado quem é perturbado por outras coisas nessa fruição. Ao contrário, quem tem o coração perfeitamente pacificado por um único objeto, por nenhum ato pode ser molestado, pois considera tudo o mais como nada. Por isso se diz no Salmo (118, 165): “Grande é a paz dos que amam a sua lei: para eles não há mais obstáculos”, isto é, as coisas exteriores não os impedem de fruir de Deus. Segundo, a paz é também a perfeição da alegria, no sentido de que ela acalma a instabilidade dos desejos, pois não goza da alegria perfeita quem não se satisfaz com o objeto que o alegra. Ora, a paz exige duas coisas: que não sejamos perturbados pelas coisas externas e que os nossos desejos descansem num só objeto. Essa é a razão por que depois da caridade e da alegria, coloca-se em terceiro lugar a paz. (ST I-II q.70 a.3)


Tomás prossegue juntando a “paciência” e a “longanimidade” a essa boa ordenação interna de si mesmo, mas na adversidade. No que concerne à retidão das relações com respeito ao outro, ele situará de maneira semelhante a “bondade”, a “benignidade”, a “mansidão” (ou igualdade de alma), a “fé” (que tomará a forma da fidelidade com respeito ao homem e de entrega de si na submissão do espírito com respeito a Deus). A lista termina com a reta ordenação das coisas menos sobressalentes, e então aparecem a “modéstia”, a “continência” e a “castidade”. Sem que seja necessário seguir detalhadamente o processo, a longa citação que fizemos basta para mostrar o lugar dos frutos do Espírito Santo e das bem-aventuranças na construção do organismo espiritual. De fato, tudo se tem, aqui como alhures, e, mesmo se São Paulo provavelmente não pensou numa descrição sistemática, o esforço do teólogo, que procura compreender como as coisas se encadeiam umas às outras, não somente nada deslocou de lugar, mas é profundamente esclarecedor tanto da fineza das análises de Tomás como dos elementos de uma doutrina espiritual para qualquer um que deseje percebê-los lendo-as.

No entanto, mais ainda que tudo isso, deve-se observar que Tomás situa de fato toda a vida espiritual sob o signo da esperança da realização escatológica. O jogo do “já e ainda não”, do qual o século XX refez a descoberta com a leitura da Bíblia, comanda o conjunto das opções do Mestre de Aquino. Já o vimos a propósito de sua concepção da teologia e da maneira pela qual fala do sacramento da Eucaristia. Encontraremos em outro texto, e com significativa insistência, toda a vida espiritual situada sob o signo do caminho e de suas etapas entre o “começo inacabado”, que é o da graça em ação numa vida, e a realização futura, que será o termo desse esforço:

A graça do Espírito Santo, tal como a possuímos no presente, mesmo se não é igual à glória em ato (in actu), está em germe (in virtute), como a semente das árvores contém em si a árvore inteira. Do mesmo modo, pela graça habita em nós o Espírito Santo que é a causa suficiente da vida eterna; por isso, ele é chamado na segunda carta aos Coríntios (1, 22) “O penhor de nossa herança”.
(ST I-II q.114 a.3 ad 3)
Fonte: Jean-Pierre Torrel, Santo Tomás de Aquino, Mestre Espiritual, Ed. Loyola, 2ª ed.




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