Catequese com Contos 8: Os 7 dons que Deus dá

by - setembro 23, 2021

 

Catequese com Contos 8 Os 7 dons que Deus dá




CONTO

 Os 7 dons


Os sete dons que Deus dá, à sua Mãe os deu já. É desses sete dons que vos quero falar, e de como os deu à sua Mãe, de acordo com todos os que ouvi, para que sejam dispostos a servi-la, se guardem de pecar, e busquem fazer o bem.

Os sete dons que Deus dá, à sua Mãe os deu já. O primeiro destes sete dons é para saber como a Deus causar prazer; Àquele que a Santa Maria teve em si, para Deus assumir n’Ela a carne com a qual nos julgará. 

Os sete dons que Deus dá, à sua Mãe os deu já. De entendimento muito grande é o segundo; mas esse a  Santa Maria teve em si, porque Deus fez d’Ela sua Mãe, e por meio d’Ele desde os céus sua graça nos envia a nós cá. 

Os sete dons que Deus dá, à sua Mãe os deu já. O terceiro é de conselho; com muita grande razão a Santa Maria teve; pois de todas as mulheres que houve e haverá nenhuma teve tanta bênção de Deus como Ela teve, e nenhuma outra terá. 

Os sete dons que Deus dá, à sua Mãe os deu já. O quarto é a fortaleza; e Ela a teve em si tão grande, que o demônio perdeu seu poder desde o momento em que Deus se fez carne n’Ela e se fez homem. 

Os sete dons que Deus dá, à sua Mãe os deu já. O quinto é o dom de ciência, que a Virgem Santa Maria teve grande a ponto de responder bem quando o anjo lhe disse que ela seria Mãe de todo Bem, e Ela disse: “Serei sua serva”. 

Os sete dons que Deus dá, à sua Mãe os deu já. O sexto é o dom de piedade e que Ela teve em tal grau que todos nas grandes tribulações apelam a Ela e apelarão, e porque em Santa Maria os pecadores têm uma advogada ante Deus, e assim por sempre será. 

Os sete dons que Deus dá, à sua Mãe os deu já. O sétimo destes dons é ter de Deus temor; esse teve a Gloriosa, mas sempre com amor; e por isso foi Ela a Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, Deus e Homem, que por sempre reinará.

Os sete dons que Deus dá, à sua Mãe os deu já. Por isso, em virtude desses sete dons lhe devemos louvores e roguemos a Ela que nos faça perdoar por seu Filho nossos pecados, e nos evite cair, de maneira que em seu reino vivamos pelos séculos dos séculos. 

Os sete dons que Deus dá, à sua Mãe os deu já. 


(Cantiga 418 do rei de Leão e Castela Alfonso X, o Sábio. Cantigas de Santa María)



CATEQUESE

OS DONS DO ESPÍRITO SANTO
DOM PROSPER GUERANGER 

Abade de Solesmes

 Título original em francês: Les dons du Saint-Esprit pela editora Permanência




 DOM DO TEMOR


O nosso obstáculo ao bem é o orgulho. O orgulho nos leva a resistir a Deus, a pôr o nosso fim em nós mesmos, em uma palavra, a nos perder. Só a humildade pode nos salvar de tão grande perigo. Quem nos dará a humildade? O Espírito Santo, derramando em nós o Dom do Temor de Deus. Esse sentimento repousa na idéia da majestade de Deus que a fé nos dá, em presença da qual nada somos; na idéia da sua santidade infinita, diante da qual não passamos de indignidade e escória; do julgamento soberanamente eqüitativo que ele deve exercer sobre nós ao sairmos desta vida e do perigo de uma queda sempre possível, se faltarmos à graça, que nunca nos falta, mas à qual podemos resistir.

A salvação do homem se opera, pois, “com temor e tremor”, como ensina o Apóstolo; mas este temor que é um dom do Espírito Santo, não é um sentimento grosseiro que se limitaria a nos lançar no horror da consideração dos castigos eternos. Ele nos mantém com a compunção do coração, mesmo quando nossos pecados já foram há muito tempo perdoados; ele nos impede de esquecer que somos pecadores, que devemos tudo à misericórdia divina e que só estamos salvos na esperança.

O Temor de Deus não é um temor servil; ao contrário, se torna a fonte de sentimentos mais delicados. Pode-se aliar ao amor, não sendo mais do que um sentimento filial que abomina o pecado por causa do ultraje que este comete a Deus. Inspirado pelo respeito à majestade divina, pelo sentimento da santidade infinita, põe a criatura em seu verdadeiro lugar, São Paulo nos ensina que o temor, assim purificado, contribui para “o aperfeiçoamento da santificação”. Escutemos também esse grande Apóstolo, que foi arrebatado até o terceiro céu, confessar que é rigoroso consigo mesmo “a fim de não ser reprovado”.

O espírito de independência e de falsa liberdade que reina hoje em dia contribui para tornar mais raro o Temor de Deus e aí está uma das chagas do nosso tempo. A familiaridade com Deus toma, na maior parte das vezes, o lugar dessa disposição fundamental da vida cristã e, desde então, cessa todo progresso, a ilusão se introduz na alma e os divinos Sacramentos, que no momento de uma volta para Deus tinham operado com tanto poder, tornam-se quase estéreis. É que o dom do Temor foi abafado pela vã complacência da alma consigo mesma. A humildade se extinguiu; um orgulho secreto e universal veio paralisar os movimentos desta alma. Ela chega, sem perceber, a não mais conhecer a Deus, pelo próprio fato de não tremer mais diante dele.

Conservai em nós, ó Divino Espírito, o dom do Temor de Deus que nos foi derramado no nosso batismo. Este temor salutar assegurará nossa perseverança no bem, detendo os progressos do espírito de orgulho. Que ele seja como uma trave que atravessa nossa alma de lado a lado e que fique sempre fixada como nossa salvaguarda. Que abaixe nossa altivez, que nos arranque da indolência, nos revelando sem cessar a grandeza e a santidade Daquele que nos criou e que nos deve julgar.

Sabemos, ó Divino Espírito, que esse feliz Temor não abafa o amor; longe disso, afasta os obstáculos que o deteriam em seu desenvolvimento. As Potestades celestes vêem e amam com ardor o soberano Bem, elas são inebriadas pela eternidade; no entanto tremem diante da terrível majestade, tremunt Potestates. E nós, cobertos das cicatrizes do pecado, cheios de imperfeições, expostos a mil armadilhas, obrigados a lutar contra tantos inimigos, não sentimos que é preciso estimular por um temor forte e ao mesmo tempo filial, nossa vontade que adormece tão facilmente, nosso espírito tomado por tantas trevas! Velai por Vossa obra, ó divino Espírito! Preservai em nós o Dom precioso que Vos dignastes dar-nos; ensinai-nos a conciliar a paz e a alegria do coração com o Temor de Deus, segundo a advertência do Salmista:

“Serve o Senhor com temor e exulta de felicidade tremendo diante dele”




O DOM DA PIEDADE

O dom do Temor de Deus destina-se a curar em nós a chaga do orgulho; o dom da Piedade é derramado em nossas almas pelo Espírito Santo para combater o egoísmo, que é uma das paixões más do homem decaído por causa do pecado original, e o segundo obstáculo à sua união com Deus. O coração do cristão não deve ser nem frio nem indiferente; é preciso que seja terno e devotado; do contrário não poderá se elevar à via para a qual Deus, que é amor, dignou-se chamá-lo.

Assim o Espírito Santo produz no homem o Dom da Piedade, inspirando-lhe um retorno filial para seu Criador. “Vós recebestes o Espírito de adoção, nos diz o Apóstolo, e é por este Espírito que gritamos para Deus: Pai! Pai!”. Essa disposição torna a alma sensível a tudo o que toca a honra de Deus. Faz o homem alimentar em si mesmo a compunção de seus pecados, tendo em vista a infinita Bondade que se dignou suportá-lo e perdoá-lo e o pensamento dos sofrimentos e da morte do Redentor. A alma iniciada no dom de Piedade deseja constantemente a glória de Deus; quer pôr todos os homens a seus pés e os ultrajes que Ele recebe lhe são particularmente sensíveis. Sua alegria é ver o progresso das almas no amor e as devoções que este amor lhes inspira por Aquele que é o soberano Bem. Cheia de submissão filial para com o Pai universal que está nos céus, essa alma está pronta para todas as suas vontades. Resigna-se de coração com todas as disposições de sua Providência.

Sua fé é simples e viva. Mantém-se amorosamente submissa à Igreja, sempre pronta a renunciar às suas próprias idéias e àquelas mais caras, se estas afastam-se de alguma forma de seu ensinamento ou de sua prática, tendo um horror instintivo da novidade e da independência.

Essa devoção para com Deus que o dom de Piedade inspira, unindo a alma a seu Criador pela afeição filial, a une, também, com uma afeição fraternal, a todas as criaturas, já que estas são obra do poder de Deus e que as são para Ele.

Em primeiro lugar, nas afeições do cristão animado pelo dom de Piedade, estão as criaturas glorificadas, das quais, Deus goza eternamente e as quais gozam Dele para sempre. Ama ternamente a Santíssima Virgem Maria e é zeloso de sua honra; venera com amor os santos e os atos heróicos de virtude realizados pelos amigos de Deus; delicia-se com seus milagres, honra religiosamente suas relíquias sagradas.

Mas sua afeição não é apenas pelas criaturas coroadas no céu; aquelas que ainda estão aqui embaixo ocupam um lugar importante em seu coração. O dom de Piedade faz com que ele encontre nelas o próprio Jesus. Sua boa vontade para com seus irmãos é universal. Seu coração está inclinado ao perdão das injúrias, a suportar as imperfeições do outro, a desculpar as imperfeições do próximo. É compassivo para com o pobre, solícito aos pés do doente. Uma doçura afetuosa revela o fundo do seu coração e em suas relações com os irmãos da terra, o vemos sempre disposto a chorar com os que choram, a se alegrar com os que se alegram.

Tal é, ó Divino Espírito, a disposição daqueles que cultivam o dom de Piedade que derramais em suas almas. Por esse inefável benefício, neutralizais o triste egoísmo que afloraria em seus corações, livrando-os de uma frieza odiosa que torna o homem indiferente a seus irmãos e fechais suas almas à inveja e ao ódio. Para isso, só foi preciso esta piedade filial para com seu Criador; que amoleceu seus corações, fundindo-os com uma viva afeição por tudo o que sai das mãos de Deus. Fazei frutificar em nós este Dom tão precioso, ó Divino Espírito! Não permitais que ele seja abafado pelo amor de nós mesmos. Jesus nos encorajou dizendo-nos que seu Pai Celeste “faz o sol nascer sobre os bons e os maus”; não permitais, Divino Paráclito, que uma tão paternal indulgência seja um exemplo perdido para nós e dignai-Vos desenvolver em nossas almas o germe de devoção, de benevolência e de compaixão que Vos dignastes infundir no momento em que delas tomastes possessão pelo santo batismo.




O DOM DE CIÊNCIA 

A alma, estando desligada do mal pelo Temor de Deus e aberta às nobres afeições pelo dom de Piedade, experimenta a necessidade de saber como evitará aquilo que é objeto de seu temor e como encontrará o que deve amar. O Espírito Santo vem em seu socorro e lhe trás o que deseja, derramando nela o dom de Ciência. Por este Dom precioso a verdade lhe aparece, ela sabe o que Deus pede e o que reprova, o que deve procurar e do que deve fugir. Sem a Ciência divina nossa vista corre o risco de perder-se por causa das trevas que muitas vezes obscurecem totalmente, ou em parte, a inteligência do homem. Essas trevas são provenientes, primeiramente, do fundo de nós mesmos, que carrega os traços, bem reais, da decadência do pecado original. São ainda causadas pelos preconceitos e máximas do mundo que enganam diariamente os espíritos que se creem os mais retos. Enfim, a ação de Satã, que é o príncipe das trevas, exerce-se em grande parte com o fim de envolver nossa alma na obscuridade ou perdê-la com a ajuda de luzes falsas.

A fé que nos foi infundida no batismo é a luz de nossa alma.

Pelo dom de Ciência, o Espírito Santo produz, na virtude da fé, raios tão vivos, que dissipam todas as trevas. As dúvidas, então, se esclarecem, o erro se desvanece e a verdade aparece com todo seu fulgor. Vemos cada coisa na sua verdadeira claridade que é a claridade da fé. Descobrem-se os deploráveis erros que estão em curso no mundo, que seduzem tão grande número de almas, dois quais, talvez tenhamos sido, nós mesmos, durante muito tempo, vítimas.

O dom de Ciência nos revela o fim que Deus se propôs na criação, aquele fim fora do qual os seres não poderiam encontrar nem o bem nem o repouso. Ensina o uso que devemos fazer das criaturas, que nos são dadas não para tropeço, mas para nos ajudar em nossa marcha para Deus. Sendo-nos, assim, manifestado o segredo da vida, nossa estrada torna-se segura, não hesitamos mais e nos sentimos dispostos a nos retirar de todo caminho que não nos conduza àquele fim.

É esta Ciência, dom do Espírito Santo, que o Apóstolo tem em vista quando, falando aos Cristãos diz: “Antes éreis trevas; agora sois luz no Senhor: andeis agora como filhos da luz”. Daí vem a firmeza e a segurança da conduta cristã. A experiência pode faltar algumas vezes e o mundo se perturba com o pensamento de dar algum temível passo em falso; mas o mundo não conta com o dom de Ciência. “O Senhor conduz o justo por vias retas e para assegurar seus passos lhe deu a Ciência dos santos”. Todos os dias esta lição é dada. O Cristão, por meio da luz sobrenatural, escapa a todos os perigos e, se não tem experiência própria, tem a experiência de Deus.

Seja bendito, Divino Espírito, por essa luz que derramais e mantendes em nós com tão amável perseverança. Não permitais que nunca procuremos uma outra. Somente ela nos baste; fora dela só há trevas. Guardai-nos das tristes inconsequências em que muitos se deixam levar imprudentemente, aceitando um dia vossa conduta e depois se entregando às opiniões do mundo; levando uma vida que não satisfaz nem ao mundo nem a Vós. Precisamos, pois, amar esta Ciência que nos destes para que sejamos salvos; o inimigo de nossas almas inveja em nós essa Ciência salutar; quer substituí-la por suas sombras. Não permitais, Divino Espírito, que ele consiga seu pérfido desígnio e ajudai-nos sempre a discernir o que é verdadeiro do que é falso, o que é justo do que é injusto. Que segundo a palavra de Jesus, nosso olhar seja simples, afim de que nosso corpo, quer dizer o conjunto de nossos atos, de nossos desejos e de nossos pensamentos, esteja na luz; salvai-nos daquele olho que Jesus chama de mau e que torna tenebroso o corpo inteiro.




 O DOM DA FORÇA


O dom de Ciência nos ensina o que devemos fazer e o que devemos evitar para estar de acordo com as intenções de Jesus Cristo, nosso divino Chefe. É preciso agora que o Espírito Santo estabeleça em nós um princípio, do qual possamos tomar a energia que deverá nos sustentar no caminho que Ele acaba de nos mostrar. Devemos, com efeito, contar com obstáculos e, o grande número daqueles que sucumbem basta para nos convencer da necessidade de sermos ajudados. O socorro que o divino Espírito nos comunica é o dom da Força pelo qual, se somos fiéis ao empregá-lo, será possível e mesmo fácil para nós triunfar sobre tudo o que possa deter nossa marcha.

Nas dificuldades e nas provações da vida, o homem é tanto levado à fraqueza e ao abatimento, quanto empurrado por um ardor natural, que tem sua fonte no temperamento ou na vaidade. Esta dupla disposição pouco ajudará na vitória dos combates pelos quais a alma deve passar para sua salvação. O Espírito Santo trás então um novo elemento como força sobrenatural, que lhe é tão próprio, que o Salvador, ao instituir seus Sacramentos, estabeleceu dentre estes um que tem por objeto especial nos dar esse Espírito divino como princípio de energia. Está fora de dúvida que tendo de lutar durante esta vida contra o demônio, o mundo e nós mesmos, precisamos de outra coisa para resistir além da pusilanimidade ou da audácia.

Temos necessidade de um dom que modere em nós o medo e que, ao mesmo tempo, tempere a confiança que seríamos levados a ter em nós mesmos. O homem assim modificado pelo Espírito Santo certamente vencerá, pois a graça substituirá nele a fraqueza da natureza ao mesmo tempo em que corrigirá a impetuosidade.

Duas necessidades encontram-se na vida do cristão: a de saber resistir e a de saber suportar. O que poderia se opor às tentações de Satã, se a Força do divino Espírito não viesse cobri-lo de uma armadura celeste e fortalecer seu braço? O mundo não é também um adversário terrível, se considerarmos o número de vítimas que caem todos os dias pela tirania de suas máximas e de suas pretensões? Qual não deve ser a assistência do divino Espírito, quando se trata de tornar o cristão invulnerável aos golpes assassinos que fazem tantos estragos à sua volta?

As paixões do coração do homem não são um obstáculo menor à sua salvação e à sua santificação: obstáculo tanto mais temível por que mais íntimo. É preciso que o Espírito Santo transforme o coração, que o leve mesmo a renunciar-se, quando a luz celeste indique um outro caminho para o qual nos empurra o amor e a busca de nós mesmos. Que Força divina não é preciso para “odiar até a sua própria vida”, quando Jesus Cristo o exige, quando se trata de escolher entre dois mestres cujos serviços são incompatíveis?

O Espírito Santo, todos os dias, realiza esses prodígios, por meio do dom que derrama em nós, se não o desprezamos, se não o abafamos com nossa covardia ou com nossa imprudência. Ele ensina ao cristão a dominar suas paixões, a não se deixar conduzir por guias cegos, a não ceder a seus instintos, a não ser, quando são conformes à ordem que Deus estabeleceu. Algumas vezes esse divino Espírito não pede somente que o cristão resista interiormente aos inimigos de sua alma, mas exige também que proteste abertamente contra o erro e o mal, se o dever de estado ou a posição o reclamam. É aí, então, que é preciso afrontar uma espécie de impopularidade que se associa às vezes ao cristão, e que não deve surpreendê-lo ao lembrar-se das palavras do Apóstolo: “Se eu fosse agradável aos homens, não seria servidor de Cristo”. Mas o Espírito Santo não falta nunca e quando encontra uma alma resolvida a fazer uso da Força divina da qual Ele é a fonte, não somente lhe assegura o triunfo, mas a estabelece numa paz cheia de doçura e de coragem que a leva à vitória sobre as paixões.

Tal é a maneira pela qual o Espírito Santo aplica o dom de Força no cristão, quando este deve exercer resistência. Dissemos que este precioso Dom trazia ao mesmo tempo a energia necessária para suportar as provações cujo prêmio é a salvação. Há temores que gelam a coragem e podem levar o homem à sua perda. O dom de Força os dissipa, substituindo-os por uma calma e uma segurança que desconcerta a natureza. Vejam os mártires! E não só um São Mauricio, chefe da legião Tebana, acostumado às lutas do campo de batalha, mas tantos outros, como Felicidade, mãe de sete filhos, como Perpétua, nobre senhora de Cartago para quem o mundo só tinha favores; como Inês, criança de treze anos, bem como milhares de outras, e digam se o dom da Força é estéril em sacrifícios. O que foi feito do medo da morte, desta morte cujo único pensamento nos acabrunha muitas vezes? E as generosas ofertas de toda uma vida imolada na renúncia e nas privações, a fim de encontrar Jesus sem reserva e de seguir suas pegadas de mais perto? E tantas existências veladas aos olhares distraídos e superficiais dos homens, existências cujo elemento é o sacrifício, onde a serenidade nunca é vencida pela provação, onde a cruz sempre reinante é sempre aceita! Que troféus para o Espírito de Força! Que dedicação ao dever ele sabe produzir! E se o homem sozinho é pouca coisa, o quanto é engrandecido sob a ação do Espírito Santo!

É ainda Ele que ajuda ao cristão a enfrentar a triste tentação do respeito humano, elevando-o acima das considerações mundanas que ditariam uma outra conduta. É Ele que empurra o homem a preferir às honras vãs do mundo, a alegria de não ter violado o mandamento de seu Deus. É esse Espírito de Força que nos faz aceitar as desgraças da fortuna assim como tantos desígnios misericordiosos do céu, que sustentam o cristão na perda dolorosa dos entes queridos, nos sofrimentos físicos que tornariam a vida um fardo, se não soubesse que são visitas do Senhor. É Ele enfim, como lemos na Vida dos Santos, que se serve das próprias repugnâncias da natureza, para provocar atos heróicos onde a criatura humana parece atravessar os limites de seu ser para elevar-se à ordem dos espíritos impassíveis e glorificados.

Espírito de Força, permanecei cada vez mais em nós e salvai-nos da indolência desse século. Em época nenhuma a energia das almas esteve mais enfraquecida, o espírito mundano e diabólico mais triunfante, o sensualismo mais insolente, o orgulho e a independência mais pronunciados. Saber ser forte contra si mesmo é uma raridade que excita o espanto daqueles que o testemunham: como as verdades do Evangelho perderam terreno! Detei-nos sobre esse declive que nos levaria como a tantos outros, ó Divino Espírito! Deixai que peçamos como São Paulo aos cristãos de Éfeso e que ousemos reclamar de Vossa liberalidade “a armadura divina que nos porá em condições de resistir no dia mau e de permanecermos perfeitos em todas as coisas. Cingi nossos rins com a verdade, cobri-nos com a couraça da justiça, dai a nossos pés, como calçados indestrutíveis, o Evangelho da paz; muni-nos com o escudo da fé, contra o qual vem atingir as flechas inflamadas de nosso cruel inimigo. Colocai em nossa cabeça o elmo que é a esperança da salvação e em nossa mão a espada espiritual que é a própria palavra de Deus” e com a ajuda da qual possamos enfrentar, como o Senhor no deserto, todos os nossos adversários. Espírito de Força fazei que assim seja.




 DOM DE CONSELHO

O dom da Força que reconhecemos ser necessário para a obra da santificação do cristão, não seria suficiente para assegurar esse grande resultado, se o Divino Espírito não tomasse o cuidado de uni-lo a um outro Dom que vem em seguida e afasta todo perigo. Este novo benefício consiste no dom de Conselho. A Força não podia ser deixada sozinha: precisava de um elemento que a dirigisse. O dom de Ciência não poderia ser este elemento porque, se ele esclarece a alma quanto ao seu fim e as regras gerais de conduta que ela deve seguir, não trás, no entanto, luz suficiente quanto às aplicações especiais da lei de Deus e o governo da vida. Nas diversas situações em que podemos nos encontrar, nas resoluções que devemos tomar, é necessário que ouçamos a voz do Espírito Santo e é pelo dom de Conselho que esta voz divina chega até nós. É ela quem nos diz, se quisermos escutá-la, o que devemos fazer e o que devemos evitar, o que devemos dizer e o que devemos calar, o que podemos conservar e ao que devemos renunciar. Pelo dom de Conselho, o Espírito Santo age em nossa inteligência, assim como o dom da Força age em nossa vontade.

Este dom precioso aplica-se à vida inteira porque precisamos, sem cessar, nos decidir por um partido ou por outro e é um grande motivo de reconhecimento para com o Espírito divino, pensar que Ele nunca nos deixa sozinhos conosco mesmos, desde que estejamos dispostos a seguir a direção que Ele nos imprime. Quantas armadilhas pode nos fazer evitar! Quantas ilusões pode destruir em nós! Quantas realidades nos mostra! Mas, para não perder suas inspirações, precisamos nos guardar do encadeamento natural das coisas, com que tantas vezes nos deixamos determinar, da temeridade que nos arrebata ao gosto da paixão, da precipitação que nos induz a julgar e a agir, mesmo quando só vemos um lado das coisas, da negligência que nos faz decidir ao azar, no temor de nos cansarmos com a procura daquilo que seria melhor.

O Espírito Santo, pelo dom de Conselho, arranca o homem de todas essas inconveniências. Reforma a natureza, tantas vezes excessiva quando não é apática. Mantém a alma atenta àquilo que é verdadeiro, ao que é bom, ao que é verdadeiramente vantajoso. Insinua a virtude que é o complemento e como se fosse o tempero de todas as outras, ou seja, a discrição, da qual Ele tem o segredo e pela qual as virtudes se conservam, se harmonizam e não degeneram em defeitos. Sob a direção do dom de Conselho, o cristão nada tem a temer. O Espírito Santo toma a responsabilidade de tudo para ele. Que importa que o mundo reclame ou critique, que se espante ou se escandalize! O mundo se crê sábio; mas não tem o dom de Conselho. É daí que vêm, muitas vezes, as resoluções tomadas sob uma inspiração e que acabam em um fim diferente do que foi proposto. E tem que ser assim; porque foi ao mundo que o Senhor disse: “Meus pensamento não são os vossos pensamentos e meus caminhos não são os vossos caminhos”. Clamemos, então, com todo ardor de nossos desejos, pelo Dom divino que nos preservará do perigo de nos governarmos a nós mesmos; mas compreendamos que este Dom só habita naqueles que O estimam bastante para renunciarem-se em sua presença. Se o Espírito Santo nos encontra desligados das idéias humanas, convencidos de nossa fragilidade, dignar-se-á ser nosso Conselho; mas se somos sábios a nossos próprios olhos, Ele retirará sua luz e nos abandonará a nós mesmos.

Não queremos que isso aconteça conosco, ó Divino Espírito! Estamos fartos de saber que correr atrás da prudência humana não nos traz vantagem e, diante de Vós, abdicamos sinceramente das pretensões de nosso espírito, tão pronto a se deslumbrar e a se iludir. Conservai em nós e dignai-Vos desenvolver com toda liberdade esse Dom inefável que nos concedestes no batismo: sede para sempre nosso Conselho. “Mostrai-nos Vossos caminhos e ensinai-nos Vossas veredas. Dirigi-nos na verdade e instruí-nos; porque é de Vós que virá a salvação e é por isso que nos prendemos à Vossa direção”. Sabemos que seremos julgados por todas as nossas obras e por todos os nossos desígnios; mas sabemos também que não teremos nada a temer se formos fiéis à Vossa direção. Estaremos, pois, atentos “para ouvir o que nos diz o Senhor nosso Deus”, o Espírito de Conselho, seja nos falando diretamente, seja nos enviando ao mediador que quis escolher para nós. Bendito seja Jesus que nos enviou seu Espírito para ser nosso condutor e bendito seja este Divino Espírito que se digna nos assistir sempre e que nossas resistências passadas não afastou de nós!




O DOM DE INTELIGÊNCIA

O sexto Dom do Espírito Santo faz a alma entrar em uma via superior a que ela se encontrava até aqui. Os cinco primeiros Dons tendem todos para a ação. O Temor de Deus remete o homem ao seu lugar humilhando-o, a Piedade abre seu coração às afeições divinas, a Ciência ensina-o a discernir entre a via da salvação e a via da perdição, a Força o arma para o combate e o Conselho dirige o homem em seus pensamentos e em suas obras; agora, então, ele pode agir e seguir pela estrada, com a esperança de chegar ao termo. Mas a bondade do Espírito divino lhe reserva ainda outros favores, fazendo-lhe desfrutar desde este mundo, de um antegozo da felicidade que lhe reserva na outra vida. Este será o meio de fortalecer sua marcha, de animar sua coragem e de recompensar seus esforços. A via da contemplação lhe será, de agora em diante, aberta e o Espírito divino nela o introduzirá por meio da Inteligência.

Muitas pessoas, talvez, se inquietem com a palavra contemplação, persuadidas erradamente de que as condições para isso só poderão ser encontradas na rara condição de uma vida passada no recolhimento e longe do comércio dos homens. É um grave e perigoso erro que, muitas vezes, freia o impulso das almas. A contemplação é o estado para o qual é chamado, em certa medida, toda alma que procura a Deus. Não consiste nos fenômenos pelos quais o Espírito Santo gosta de manifestar em algumas pessoas privilegiadas e que são destinados a provar a realidade da vida sobrenatural. Ela é, simplesmente, uma relação mais íntima que se estabelece entre Deus e a alma que lhe é fiel na ação; se esta alma não põe obstáculos, são-lhe reservados dois favores, entre os quais, o primeiro é o dom de Inteligência, que consiste na iluminação do espírito esclarecido desde então por uma luz superior.
Esta luz não retira a fé, mas clareia os olhos da alma, fortificando-os e dando-lhes uma visão mais extensa sobre as coisas divinas. Muitas nuvens provenientes da fraqueza e da grosseria da alma ainda não iniciada, se desvanecem. A beleza cheia de encantos dos mistérios, a qual era vagamente sentida, se revela; inefáveis harmonias que nem eram suspeitadas, aparecem. Não é a visão face a face, reservada para o dia eterno; mas já não é mais aquela fraca luminosidade que dirigia seus passos. Um conjunto de analogias e de concordâncias mostram-se sucessivamente aos olhos do espírito, trazendo uma certeza cheia de doçura. A alma se dilata com essas claridades que enriquecem a Fé, aumentam a Esperança e desdobram o Amor. Tudo parece novo; e quando a alma olha para trás, compara e vê claramente que a verdade, sempre a mesma, agora é alcançada por ela de maneira incomparavelmente mais completa.

A leitura dos Evangelhos a impressiona mais; encontra um sabor nas palavras do Salvador desconhecido para ela até então. Compreende melhor o fim a que Ele se propôs instituindo os Sacramentos. A santa Liturgia a emociona por suas fórmulas tão augustas e seus ritos tão profundos. A leitura da vida dos santos a atrai, nada a espanta nos seus sentimentos e nos seus atos; aprecia seus escritos mais do que quaisquer outros e sente um aumento de bem estar espiritual, tratando com esses amigos de Deus. Rodeada de deveres de toda natureza, a chama divina guia essa alma para satisfazer a cada um deles. As diversas virtudes que deve praticar conciliam-se em sua conduta; uma nunca é sacrificada pela outra, porque vê a harmonia que deve reinar entre elas. Está longe do escrúpulo como do relaxamento e sempre atenta para logo reparar os danos que pôde cometer. Algumas vezes, o próprio Espírito a instrui por uma palavra interior que, quando ouvida, ilumina sua situação com uma nova luz.

De agora em diante, o mundo e seus vãos equívocos, são tomados por aquilo que são e a alma se purifica do resto de vínculos e complacências que ainda poderia conservar por eles. Aquilo que só tem grandeza e beleza segundo a natureza parece insignificante e miserável para esses olhos que o Espírito Santo abriu para as grandezas e belezas divinas e eternas. Só uma coisa redime a seus olhos esse mundo exterior que ilude o homem carnal: é que a criatura visível, que trás a marca da beleza de Deus, é susceptível de servir à glória de seu Autor. A alma aprende a fazer uso dela com ação de graças, tornando-a sobrenatural, glorificando com o Rei Profeta Àquele que imprimiu as marcas de sua beleza nessa multidão de seres que servem tantas vezes para a perda do homem, mas que são chamados a se tornarem degraus que o conduziriam a Deus.

O dom de Inteligência derrama também na alma o conhecimento de sua própria via. Faz com que ela compreenda o quanto são sábios e misericordiosos os desígnios do alto que, muitas vezes, a quebra e a transporta para onde não contava ir. Vê que se ela fosse senhora de si mesma, para dispor de sua existência, teria perdido o seu fim e que Deus nele a fez chegar, escondendo primeiramente os desígnios de sua paternal Sabedoria. Agora ela está feliz, pois goza da paz e seu coração não cabe de ações de graças para agradecer a Deus que a conduziu ao termo sem consultá-la. Se acontecer de ser chamada para dar conselhos, para exercer uma direção por dever ou por motivo de caridade, podese confiar nela; o dom de Inteligência a esclarece para os outros como para ela própria. No entanto não se intromete, dando lições àqueles que não lha pedem; mas se é interrogada, responde e suas respostas são luminosas como a chama que a ilumina.

Este é o dom de Inteligência, verdadeira luz da alma cristã e que se faz sentir nela em proporção à sua fidelidade aos outros dons. Este dom se conserva pela humildade, moderação dos desejos e recolhimento interior. Uma conduta dissipada detém o seu desenvolvimento e pode mesmo abafá-lo. Essa alma fiel pode se conservar recolhida mesmo em uma vida ocupada e cheia de deveres, e até no meio de distrações obrigadas às quais a alma se presta sem se prender. Que ela seja simples a seus próprios olhos e o que Deus esconde aos soberbos e revela aos pequenos lhe será manifestado e nela permanecerá.

Não há duvida de que tal Dom seja um imenso socorro para a salvação e a santificação da alma. Devemos implorá-lo ao divino Espírito com todo ardor de nossos desejos, convencidos de que o atingiremos mais seguramente pelo impulso do nosso coração do que pelo esforço de nosso espírito. Na verdade é na Inteligência, , que se derrama a luz divina, objeto desse Dom; mas sua efusão provém, sobretudo, da vontade aquecida pelo fogo da Caridade, segundo a palavra de Isaias: “Crede, e tereis a inteligência”. Vamos nos dirigir ao Espírito Santo nos servindo das palavras de Davi, dizendo: “Abri nossos olhos e contemplaremos as maravilhas dos Vossos preceitos; dai-nos a inteligência e teremos a vida”. Instruídos pelo Apóstolo, manifestaremos nosso pedido de maneira ainda mais insistente, nos apropriando da oração que ele dirige ao Pai celeste em favor dos fiéis de Éfeso, quando implora por eles “o Espírito de Sabedoria e de revelação pelo qual se conhece a Deus, os olhos iluminados do coração que descobrem o objeto de nossa esperança e as riquezas da gloriosa herança que Deus preparou para seus santos”.


  

O DOM DE SABEDORIA

O segundo favor que o divino Espírito destinou à alma que lhe é fiel na ação é o dom de Sabedoria, ainda superior ao de Inteligência. No entanto, está ligado a este último no sentido de que o objeto mostrado na inteligência é saboreado e possuído no dom de Sabedoria. O Salmista, convidando o homem a se aproximar de Deus, recomenda-lhe o sabor do soberano Bem. “Provai, diz ele, e experimentai que o Senhor é cheio de doçura”. A santa Igreja, no próprio dia de Pentecostes, pede a Deus para nós o favor de provar o Bem, recta sapere, porque a união da alma com Deus é antes uma experiência do gosto do que uma visão, a qual seria incompatível com nosso estado presente. A luz dada pelo dom de Inteligência não é imediata, ela alegra vivamente a alma e dirige seu sentido para a verdade; mas tende a se completar pelo dom de Sabedoria que é como se fosse seu fim. A Inteligência é então iluminação e a Sabedoria é união. Ora, a união com o soberano Bem se realiza pela vontade, quer dizer pelo amor que reside na vontade. Notamos essa progressão nas hierarquias angélicas. O Querubim refulge de inteligência, mas acima dele ainda está o Serafim abrasado. O Amor é ardente no Querubim, assim como a inteligência esclarece com sua luz viva o Serafim; mas um é diferenciado do outro pela qualidade predominante e o mais elevado é aquele que atinge mais intimamente a divindade pelo amor, aquele que saboreia o soberano Bem.



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