Catequese com Contos Medievais 10: Palavras ditas e retornadas

by - outubro 18, 2021

 






CONTO

 As 12 palavras ditas e retornadas



Era uma vez um homem muito trabalhador e honrado, mas infeliz em todo negócio em que se metia. Tinha ele devoção ao Anjo da Guarda, rezando todos os dias em sua intenção. Cada vez mais pobre, o homem perdeu a paciência, e um dia gritou, desesperado com sua triste sina:

 — Acuda-me o diabo, que o Anjo da Guarda não me quer ajudar! 

Apareceu um sujeito alto, todo vestido de preto, barbudo e feio, com uma voz roufenha e desagradável:

 — Aqui estou! Aqui estou! Que é que queres de mim? 

— Quero ficar rico. 

O diabo indicou uma gruta onde havia um tesouro enterrado, e disse: 

— Daqui a vinte anos voltarei para buscar-te. Se não disseres as doze palavras ditas e retornadas, serás meu para toda a eternidade. 

O homem começou a viver folgadamente, em festas e alegrias, cercado de amigos e de mulheres. O tempo foi passando, e uma noite ele lembrou-se de que estava condenado às penas do inferno. Só se soubesse as doze palavras ditas e retornadas... 

— Isso deve ser fácil — disse ele consigo. — Todo mundo deve saber. 

No dia seguinte perguntou aos amigos, aos vizinhos e a todos os moradores da cidade, e não havia quem soubesse o que vinha a ser o que ele lhes perguntava. O homem afligiu-se muito. Cada vez mais o tempo passava, e ninguém sabia o segredo das doze palavras ditas e retornadas. Largou ele a vida má que levava, fez penitência e saiu pelo mundo, perguntando. Todos diziam: 

— Não sei, nunca ouvi falar... 

O homem só faltava morrer, com o pavor da ideia de ter de encontrar-se com o diabo e ser carregado para o fogo eterno. Já correra muito tempo desde que deixara o folguedo dos ricos, vestindo com modéstia e dando esmolas. Uma tarde, ia por um bosque na hora da "Ave-Maria". Ajoelhou-se para rezar, e ao terminar viu um velho que se aproximava dele.

Cumprimentou-o, e foram andando juntos para a vila. Perguntou ao velho como ele se chamava. 

— Chamo-me Custódio — respondeu. 

Para não deixar de perguntar, falou nas doze palavras ditas e retornadas. E o velho Custódio lhe disse: 

— Eu sei as doze palavras ditas e retornadas. 

O homem ficou tão satisfeito que abraçou o velho, dando graças a Deus e dizendo que aquilo era um milagre do Anjo da Guarda, sua devoção antiga.

 — Como são as doze palavras ditas e retornadas? Qual é a primeira, amigo Custódio? 
— Custódio, sim; amigo, não! A primeira palavra dita e retornada é a Santa Casa de Belém, onde nasceu Nosso Senhor Jesus Cristo, para nos remir e salvar. 

— E as duas palavras ditas e retornadas, amigo Custódio? 
— Custódio, sim; amigo, não! As duas palavras ditas e retornadas são as duas tábuas de Moisés, em que Nosso Senhor pôs seus divinos pés, e a primeira é a Santa Casa de Belém.

— E as três palavras ditas e retornadas, amigo Custódio? 
— Custódio, sim; amigo não! As três palavras ditas e retornadas são as três pessoas da Santíssima Trindade, as duas são as duas tábuas de Moisés, e a primeira é a Santa Casa de Belém.

— E as quatro palavras ditas e retornadas, amigo Custódio?
— Custódio, sim; amigo, não! As quatro palavras ditas e retornadas são os quatro evangelistas, as três são as pessoas da Santíssima Trindade, as duas são as tábuas de Moisés, e a primeira é a Santa Casa de Belém. 

— E as cinco palavras, amigo Custódio? 
— Custódio, sim; amigo, não! As cinco palavras ditas e retornadas são as cinco chagas de Nosso Senhor. 

— E as seis palavras, amigo Custódio? 
— Custódio, sim; amigo, não! As seis palavras ditas e retornadas são as seis velas bentas que estão no altar-mor de Jerusalém. 

— E as sete palavras, amigo Custódio? 
— Custódio, sim; amigo, não! As sete palavras ditas e retornadas são os Sete Sacramentos. 

— E as oito palavras, amigo Custódio? 
— Custódio, sim; amigo, não! As oito palavras ditas e retornadas são as oito bem aventuranças pregadas por Nosso Senhor Jesus Cristo.

— E as nove palavras, amigo Custódio? 
— Custódio, sim; amigo, não! As nove palavras são os nove meses que a Virgem Mãe trouxe Nosso Senhor. 

— E as dez, amigo Custódio?
— Custódio, sim; amigo, não! As dez palavras ditas e retornadas são os Mandamentos da Lei de Deus.

— E as onze palavras, amigo Custódio?
— Custódio, sim; amigo, não! As onze palavras são as onze mil virgens. 

— E as doze, amigo Custódio? 
— Custódio, sim; amigo, não! As doze palavras ditas e retornadas são os doze apóstolos, as onze são as onze mil virgens, as dez os Mandamentos, as nove os meses de Nossa Senhora, as oito as bem-aventuranças, as sete os Sacramentos, as seis as velas bentas, as cinco as chagas, as quatro os evangelistas, as três a Santíssima Trindade, as duas as tábuas de Moisés, a primeira a Santa Casa de Belém, onde nasceu quem nos salvou. Amém! Estas são as doze palavras ditas e retornadas. 

— De joelhos te agradeço, amigo Custódio, essa esmola, a qual há de salvar-me do demônio! 
— Custódio, sim, e teu amigo. Sou o Anjo da Guarda que vem perdoar-te pelo arrependimento e pela penitência. E sumiu-se. 


O homem, quando chegou o prazo para prestar contas ao diabo, disse as doze palavras ditas e retornadas, e o maldito rebentou como uma bola de fogo, espalhando cheiro de enxofre. O homem viveu santamente seus dias, e acabou na paz de Deus, salvando-se graças ao seu Anjo da Guarda. 


(Fonte: “Maravilhas do conto popular” - Cultrix, SP, 1960)




CATEQUESE

O Anjo da Guarda



Os anjos podem influenciar os homens pois são de natureza puramente espiritual e, portanto, superior à humana. Pois, em tudo o que é devidamente ordenado, o superior influi no inferior. Eles podem iluminar a nossa inteligência, dando-lhe vigor e pondo ao nosso alcance a verdade puríssima que eles contemplam. No entanto, não podem intervir diretamente na nossa vontade, pois a ação de decidir, de escolher, é um movimento interior que só Deus pode alterar. 

Deus pode atuar diretamente e mudar o movimento da vontade humana, assim o fez com o coração do Faraó. Ele pode, sim, mudar os corações, no entanto, como nos deu liberdade, mesmo tendo poder de mudar nossos corações, Ele escolhe respeitar a nossa vontade, descarregando, mesmo assim, uma chuva de oportunidades de redenção, mesmo ao pecador mais empedernecido, pois assim age sempre em sua Misericórdia, para que a alma se converta. Ele nos deu liberdade por amor e a respeita por amor. Assim os anjos não podem intervir em nossa vontade, já que Deus, mesmo podendo, muitas vezes não o faz. Mas lembre-se não existe nenhum lugar interior e profundo em que Deus não possa agir.

Os anjos podem também excitar a imaginação e as demais faculdades sensitivas, pois estão ligadas ao mundo corpóreo e assim submetidas à ação dos anjos. Eles também podem impressionar os sentidos externos.

Os anjos podem, por consequência disso, dificultar ou impedir a ação dos demônios, porque a justiça submeteu os demônios, como castigo de seus pecados, ao domínio dos anjos. 

Assim Deus se serve dos anjos para promover o bem e para executar os seus desígnios junto dos mortais. 

Mas nem todos os anjos são enviados para este fim. Os anjos da primeira hierarquia nunca são enviados, pois é seu privilégio permanecer constantemente junto ao Trono de Deus. Esses anjos são chamados de Anjos Assistentes. 

Portanto, os enviados aos homens são os anjos da segunda e terceira hierarquia, porém note-se que o coro das Dominações presidem a ordenação dos decretos divinos, e as outras ordens - Virtudes, Potestades, Principados, Arcanjos e Anjos - são os executores. 

Alguns Anjos são destinados para a guarda dos homens, porque a Divina Providência decretou que o homem, ignorante no pensar, inconstante e frágil no querer, tivesse como guia protetor, na sua peregrinação até ao Céu, um daqueles espíritos ditosos, confirmados para sempre no bem. 

Deus destina um anjo para cada ser humano, porque Deus ama mais uma alma do que todas as espécies de criaturas materiais. Mas apesar disto, Deus determinou que cada espécie tivesse um anjo custódio encarregado de seu governo. Estes - anjos custódios de cada ser humano e de cada espécie - são os Anjos da Guarda, que pertencem ao último coro (ordem) da Terceira Hierarquia Angélica. 

De fato - e que maravilhoso! - todos os seres humanos possuem, cada um, um anjo custódio, enquanto vivem neste mundo, em atenção aos obstáculos e perigos do caminho que têm de percorrer até chegar ao fim. 

Pode se perguntar se Nosso Senhor Jesus Cristo teve um anjo da guarda. Considerando que era a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, não convinha, mas teve anjos com a nobre e feliz missão de O servir. 

Os anjos da guarda começam seu ministério assim que o ser humano nasce e a executam sem interrupção até que exale o último suspiro. 

Eles vêem as tribulações e os males que seus protegidos passam mas não se afligem, pois depois de fazerem o que está em suas mãos para evitá-lo se recolhem e adoram neles - seus protegidos- o mistério insondável dos Juízos de Deus. Pois, ainda pode a alma, apesar dos esforços de seu Anjo Guardião, escolher livremente o que é mal, ou ainda, não existir um meio ao alcance do anjo para impedir o sofrimento ou a tribulação, pois que esses também são caminhos de conversão, purificação e santificação. 

Portanto, sempre nos acode os Anjos da Guarda quando o invocamos, mas sua ação sempre estará de acordo com os decretos divinos e fará todas as coisas em harmonia com a glória de Deus. 

Baseado na Suma Teológica de São Tomás de Aquino em forma de Catecismo





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