Vocação I: As três vias: Matrimônio, Vida Religiosa, Celibato Leigo

by - quarta-feira, julho 12, 2017

Pintura: Louisa Hammond. Angelica Kauffman (austríaca de origem suíça, 1741–1807). Óleo sobre cobre. The Fitzwilliam Museum. Esta é uma ilustração da Carta XXXIV na obra Emma Corbett, de Samuel Jackson Pratt.






AS Três Vias


Quando nos arredores de Hebron se espalhou a alviçareira notícia do nascimento de S. João Baptista, acorreu todo o vizindário para felicitar o venturoso casal, Joaquim e Anna. Acercavam-se daquele berço e, com a curiosidade natural em tais ocasiões, todos indagavam do futuro daquela criança que tantos prodígios ocasionava ao nascer: Quis puer iste erit — Que virá a ser esta criança?

Senhorita, não sei se o mesmo se terá dado junto ao vosso berço. É de presumir que não; o vosso nascimento, como o meu e os demais, nenhuma particularidade trouxe consigo. Apenas os vizinhos, e de preferência as vizinhas, punham-se a contemplar as minúsculas dimensões do recém-nascido e, para serem agradáveis aos pais, prodigalizavam elogios sem se preocuparem muito com a sinceridade dos mesmos.


Agora, o caso é outro. Passaram os anos, crescestes e, hoje, não há duvidar, muitos perguntam a si mesmos ou aos vossos pais: Mas, enfim, que rumo tomará aquela moça tão distinta? Casará? É tão piedosa, tão recatada... Eu tenho para mim que vá ser freira; aquela piedade na igreja, aquela reserva quanto aos divertimentos profanos bem lhe atraiçoam as intenções... como se, para casar, fosse necessário ser leviana.

 E os pais?

Esses não dizem nada; quiçá nem suspeitam. Creio, porém, que prefeririam vê-la casada.

Como essas pessoas que por vós se interessam e fazem, de vosso respeito, um juízo tão lisonjeiro, também eu ignoro o vosso futuro. Sei que, em todas as donzelas cristãs, há de que fazer grandes e excelentes coisas, quer Deus as escolha exclusivamente para si, como plantinhas humildes e aromáticas de seu jardim — na vida religiosa; quer as destine ao casamento, para fazer delas excelentes esposas e mães de família, de que temos tão grande necessidade nesta hora de deliquescência moral; quer, enfim, as reserve para humildes e devotadas auxiliares, nas paróquias, para a salvação de muitas almas e alívio de muitas misérias físicas e morais do próximo, no mundo.

As que escolhem este último partido, chamam alguns de “solteironas”, e chamo-lhes eu anjos da Providência, se souberem honrar o seu celibato no mundo. Em outro capítulo desta obra, darei a razão da minha divergência.




Muitos pais há que temem ver seus filhos enveredarem pelo primeiro e terceiro destes caminhos e, quando lhes notam piedade um pouco fora do comum, tornam-se apreensivos, fazem todo o empenho para casá-los ou, quando menos, para que fiquem em casa — mas freira ou padre, isso nunca... Tudo o que quiserem, menos padre ou freira.

Com efeito, a maior aspiração dos pais — e notadamente, das mães — e nisto pensam dia e noite, é poderem, mais tarde, embalar os netinhos, com exceção de algumas que também gostam de abraçar os pobres orfãozinhos que não têm outros pais senão os sacerdotes e as religiosas.

Como quer que seja, às mães daquelas que se casam, desejo que Deus lhes conceda muitos anos de vida para que possam embalar os netinhos; mas não devem esquecer que, se o soberano Senhor reservar para si algum dos filhos, não lhes faz injúria alguma — antes, muita honra lhes dá.

A grande questão, porém, aqui — o problema a resolver, antes de mais nada — é este: Qual é a vossa vocação?


O futuro vos inquieta — é natural; nele vistes a vossa felicidade temporal e eterna. Tendes diante de vós três caminhos: o casamento, o celibato no mundo ou o claustro. Trata-se aqui de escolher — e escolher bem e não deveis arriscar-vos por nenhum deles sem madura reflexão. Já pensastes nisso, já refletistes, examinastes e não animas a vos decidir. ‘Se ao menos uma voz do céu me dissesse: casa-te, ou vai para o convento, ou fica onde estás. Porém, nada disso; esses três estados, esses três caminhos vêm a solicitar-me e a assustar-me sucessivamente; enchem-me de angústias, atormentam-me, e eu sofro.’

O casamento não vos sorri. Conheceis talvez lares infelizes, famílias destruídas, esposas enganadas, abandonadas, martirizadas; rapazes levianos, devassos, hipócritas, sem religião, sem moral; moças bonitas, piedosas, ingênuas e inocentes, miseravelmente exploradas, em sua boa-fé; famílias sem moral, onde se ignoram, desprezam e blasfemam os preceitos religiosos.

Esse triste espetáculo vos atemoriza, vos assusta. Ainda assim, porém, o casamento não vos é antipático. Se um rapaz correto se vos apresentasse, dando-vos todas as garantias de vir a ser um bom esposo, estou em que havíeis de proclamar o casamento como o melhor partido a que pode aspirar uma moça.

Mas esse rapaz ideal, onde está? Encontrá-lo-eis? Virá algum dia? Eu não sei. Quer-me parecer até que, se tendes medo ao casamento, é porque o desejais. Note bem: é uma simples suposição minha; não lhe ligueis grande importância. Só vos advirto: não vos caseis unicamente para fazer a vontade aos outros, nem mesmo aos pais. Poderíeis vir a ser muito infeliz. Quem se casa, como quem vai para o convento, deve fazê-lo por vocação, nunca por vontade alheia; o contrário é condenar-se alguém a ser escravo.



Infeliz de vós se vos casardes só para ser agradável a vossos pais. Quando houverdes saboreado as amarguras dessa escravidão, que só acaba com a morte; quando naquele a quem, impelida, vos entregastes, descobrirdes uma criatura essencialmente egoísta; quando, uma após outra, se forem dissipando todas as ilusões da mocidade; quando verificardes que aquele castelo tão bem arquitetado não passa de uma miserável vivenda, onde o enfado e a soledade são os vossos únicos companheiros — ai, então, minha filha, não sei que vos diga... parece-me até que vos estou vendo, debulhada em pranto, a suspirar como se Deus vos houvera abandonado.

É para vos livrar dessa desgraça que torno a repetir-vos: não decidais da vossa vida unicamente para ser agradável aos demais, por maior acatamento que vos mereçam.



Mas prossigamos.



O celibato no mundo não deixa de ter seus atrativos. Ama-se a liberdade, a fraternidade e, quiçá, até mesmo a igualdade. A mulher celibatária no mundo não tem que separar-se dos seus, pode servir a Deus como bem lhe aprouver; pode, à vontade, desvelar-se no alívio das misérias do próximo; sua alma, cheia de zelo e piedade, pode livremente correr para a chama da caridade. Tem, entretanto, contra si aquela palavra envenenada que faz rir a muitos e serve de argumento às mães quando querem afastar as filhas daquela vida intermediária entre o matrimônio e o claustro — aquele nome que vos assusta: “solteirona”.

É incrível o poder dessa palavra malsinada. Se, como muitas solteiras o merecem, lhes chamassem devotas, heroicas, anjos tutelares dos pobres e das boas obras, arrimo de pais velhos, mães dos orfãozinhos — então, não haveria tanto horror a esse estado. Antes, muitas o haviam de abraçar, para não caírem nas garras dos caçadores de dotes.



A vida religiosa tem para vós maiores atrativos, quiçá. Cuidais que lá estareis mais segura, que sereis mais feliz; mas... traz consigo a separação dos entes queridos. Tudo e todos os que vos rodeiam parecem pedir-vos que não enveredeis por esse caminho.

Aliás, se vos inclinais para aquele estado, é talvez apenas porque, no convento, cantastes os que amais e vos amam, ou porque vos pintaram a vida religiosa com belas cores, como se lá houvesse rosas sem espinhos.

Como quer que seja, ainda desorientada, inclinada a perguntar — sem obter resposta: Que farei?

Sossega, minha filha: sereis o que Deus aprovar. E, enquanto Deus não se manifestar, enquanto não chegar a hora feliz, não vos fieis no que haveis de fazer.

Orai. O momento mais propício é o da santa missa e da sagrada comunhão. Aproveitai esses momentos para oferecer a Deus a vossa vida, pedindo-lhe que vos aceite ao seu serviço, quando e como Ele melhor o entender e o julgar útil para sua glória e vossa felicidade eterna — duplo fim que nunca deveis perder de vista.

2º — Escolhei um bom guia ou diretor espiritual e exponde-lhe, com ingênua sinceridade também, as vossas aspirações, dúvidas e temores, inclinações e perplexidades. Cedei-lhe o lema de vossa alma e averiguai se entre os escolhidos da vida: confiai-vos à sua prudência e piedade.

3º — Não vos deixeis influenciar demasiadamente por pessoas estranhas à vossa missão, mais interessadas do que pensais, quer essa influência provenha de uma mãe, quer de uma amiga casada ou religiosa. Sede senhora de vós mesma e não tomeis nunca uma resolução definitiva só para ser agradável a outros.

4º — Refleti seriamente e, para que o possais fazer com pleno conhecimento de causa, lede algum bom livro que vos instrua convenientemente sobre os três estados a que pode aspirar uma moça. Deixastes há pouco o colégio e vindes com um grande sortimento de prêmios. Suponho que as vossas preceptoras vos terão dado algum livro que vos sirva de guia e vos ilumine a inteligência, na escolha do vosso futuro. Assim o suponho, pois não posso crer que elas julguem do valor de um livro pela encadernação mais ou menos rica, mas pelo conteúdo. Não creio que vos hajam atraído ao torvelinho do mundo, cegas e inconscientes, ignorando tudo quanto uma moça deve saber para que possa defender-se das astúcias diabólicas que, lá fora, as esperam.

Mas, se não vos deram esse livro, peço ao vosso diretor e suppri, vós mesma, essa lacuna — esse esquecimento imperdoável de vossas preceptoras, que preferiram dar-vos livros insípidos, artisticamente encadernados, que nunca abris... e fazeis bem.




5º — Esperai com paciência e sofrei resignadas, em silêncio.


Não confieis as vossas mágoas senão a Nosso Senhor, à Santíssima Virgem e ao vosso diretor espiritual. A vossa cruz é pesada e não me admira que, por vezes, vos arranque lágrimas. Carregai-a com resignação, fazendo a vontade de Deus, para merecerdes a graça de seguir generosamente a Nosso Senhor Jesus Cristo.


Sim, se é vontade de Deus que vos santifiqueis — que vos salveis desse modo — dizei de todo o coração: Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a vossa palavra. Umas conquistam o céu trabalhando; outras, gemendo enfermas no fundo de uma cama; outras, como esposas e mães dedicadas; e ainda outras, como religiosas, em um convento. Vós, minha filha, santificai-vos esperando com paciência e repetindo muitas vezes:

Senhor, não se faça a minha vontade, mas a vossa.

Assim seja, não é, minha filha?

Pobre alma aflita, tende coragem e ânimo; amanhã o sol aparecerá mais claro, dissipar-se-ão as nuvens, ou serão, quando menos, mais transparentes, permitindo-vos contemplar o céu.


NYSTER, J. Quando eu for moça. Porto Alegre: Centro da Boa Imprensa, 1925.

Escrito como pseudônimo. É possível que se trate de um sacerdote, educador ou escritor católico da primeira metade do século XX, vinculado ao movimento de imprensa católica no Brasil — especialmente considerando o estilo da obra, seu conteúdo formativo e a editora responsável (Centro da Boa Imprensa, ligada à Arquidiocese de Porto Alegre).





Orientação da Preceptora

Segue a lista de livros úteis, que devem ser lidos obrigatoriamente (independentemente da sua inclinação pessoal para uma das três vias vocacionais) antes da decisão:








CHAVEUT, Maria Luiza. A virgem cristã na família e no mundo. [S.l.]: [s.n.], 1927. > Obra rara sobre celibato leigo feminino. Recomendável consultar bibliotecas especializadas ou acervos digitais católicos.


Professora Ana Paula Barros





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