
“Enquanto durar a terra, semeadura e colheita, frio e calor, verão e inverno, dia e noite jamais cessarão.” — Gênesis 8,22
Este texto é uma tentativa, provavelmente horrível, de falar sobre o inverno sem cair nos clichês da estação da interioridade. O inverno é a estação do conforto e do recolhimento, mas, ao mesmo tempo, do desconforto. Então, seria melhor dizer que é a estação da busca do conforto em meio ao desconforto.
O silêncio é mais profundo que o do outono. Com um tipo de crescimento oculto, que não se mostra. O crescimento é o das raízes, e não dos galhos.
“Foste tu que fixaste todos os limites da terra; o verão e o inverno, foste tu que os formaste.” — Salmo 74,17
O outono ensina uma certa impermanência: o ciclo da vida e da ressurreição. O inverno ensina a preservar, guardar, proteger. Não é uma estação de abundância. À primeira vista, tudo parece estéril, parado, muito parado. Mas, de algum modo, o inverno gera sustento, mesmo quando parece oferecer tão pouco.
É uma época de lentidão e de certo preciosismo, muito boa para revisitar projetos, avaliar escolhas e ouvir o que ficou soterrado em nós durante os dias que passamos e os dias que passam por nós.
É a estação do repouso, do descanso, da pacatez.
Mesmo que as atividades sigam as mesmas, o ritmo não é o mesmo. É desacelerado.
Carpe Diem.
Os dias passam cheios de pequenas tarefas e pensamentos. Coisas simples ganham uma certa beleza: arrumar um armário, revisar o que temos guardado, cuidar da despensa com atenção.
Pouco a pouco, como convém ao inverno.
Ou, ainda, ganham um tom heróico — quase hercúleo — como lavar a louça ou manter as roupas lavadas e secas.
Os movimentos ganham uma precisão que beira o ritual: preparar um chá, cuidar das palavras, repousar o corpo. A atenção fica encantada com pequenas coisas: o conforto das meias de lã ou o bule no fogão que convida para mais uma xícara de chá... e outra... e mais uma.
O inverno pede o oposto das urgências do nosso tempo. Pede a criação de aconchego, pede a busca da branda alegria em dias calmos e tranquilos. Pede menos pressa, pede certa reverência à normalidade e à pacatez, antes da leve agitação da primavera.
“Porque eis que passou o inverno, cessaram as chuvas e se foram. Aparecem as flores na terra, chegou o tempo das canções, e a voz da rola ouve-se em nossa terra.” — Cântico dos Cânticos 2,11-12