Abraão, Sarah e Ágar: Reflexões sobre a Complementariedade Cristã (ou a falta dela)

by - setembro 16, 2024

Sarah apresentando Ágar a Abraão, 1749 por Joseph Marie Vien




Primeiro Esboço em 13 de novembro de 2023
Publicado em 16 de setembro de 2024



Introdução



Nos últimos anos, muitos descobriram que as linhas revolucionárias criaram um ideal de homem e mulher que não seguem as orientações bíblicas e católicas sobre ser um homem cristão e uma mulher cristã.

Ao se depararem com as mentiras propagadas pelas diversas frentes revolucionárias, as mulheres se refugiaram numa percepção de feminilidade que pode ser facilmente reduzida à prática de “feminices”, e a masculinidade foi reduzida à aparência de “macho alfa”. Nos dias atuais, isso é entendido como correto. Mas será que este é um caminho saudável para a edificação cristã? Ou seria uma resposta imediata baseada unicamente em fazer o oposto dos revolucionários, achando que somente isso seria o suficiente para proteger tudo que amamos?

Bem, em 2018, iniciei o curso Mulher Católica (que não é só para mulheres), idealizado desde 2015, que visa esclarecer e aprofundar a abordagem de que essa resposta reativa, masculina e feminina, focada em fazer somente o oposto, não será suficiente. Já não é suficiente. É extremamente ilusória. Somente uma mudança profundamente cristã poderá nos auxiliar na devida ordenação do caos que nos atinge.



A visão Católica da Complementariedade


Antes de mais nada, é importante salientar que é preciso ordenar a vida interior e sacramental para bem entender a visão católica e os exemplos que nos foram deixados sobre a complementariedade.

A complementariedade é a minha aposta para este curso e para todo o trabalho no Educa-te. No entanto, preciso que a noção de complementariedade cristã e católica se torne mais palpável. Esta série não é um pedaço do Educa-te; o Educa-te é bem maior e mais profundo. Me vejo inclinada a fazer esta pequena série na esperança de veicular a abordagem católica sobre o assunto e ajudar na maturação das abordagens que são um tanto confusas da temática. Para tal, também elaborei o Calendário Literato Católico, composto por seis homens e seis mulheres intelectuais.

Segundo, a complementariedade não se restringe aos casais. A maior parte dela, como verão, acontece na execução de uma missão, e a dos casais é uma delas, mas existem outras.



"Filósofos, letrados e escritores, nós dizemos a nós mesmos, dizemos entre nós, e dizemos ao público, que temos um dever: o de trabalhar, na medida dos nossos meios e forças, para fazer cessar a anarquia intelectual e moral que todos sofrem, que tudo sofre. Queremos, portanto, trabalhar pela pacificação dos espíritos. Sabemos que a paz completa, definitiva, não é deste mundo. Não sonhamos com uma paz impossível.

Faço uma bela imagem do nosso mundo moderno enfim pacificado. A paz, ou seja, a ordem, que é a concórdia. Cada coisa em seu lugar, em seu devido posto e todas unidas conspirando para um fim superior... As fontes da paz e as fontes da regeneração moral e intelectual são as mesmas. Os espíritos e as almas serão pacificados com o que é capaz de refazer espíritos e almas. O que é capaz de refazer os espíritos e as almas é a verdade, a verdade moral inteira" (Ollé-Laprune, 1892).




Abraão, Sara e Ágar


Abraão residia na Mesopotâmia quando ouviu a voz de Deus, que o ordenou a dirigir-se a uma terra prometida. Ele obedeceu, mas deteve-se na fronteira do país de seu pai, um sacerdote da religião dos caldeus.

Há lendas que sugerem que a família de sacerdotes caldeus dessa época seria ancestral dos Reis Magos. Contudo, é imperativo mencionar Sara. Sara e Abraão, que anteriormente se chamava Abrão, não possuíam filhos, e ter um descendente era o grande anseio deles. O Senhor prometeu-lhes repetidamente uma vasta descendência, afirmando que seria numerosa. Todavia, Sara não acreditou, e é nesse ponto que se revela o aprendizado sobre a complementariedade entre Abraão e Sara. Abraão possuía uma fé inabalável e era persistente, como demonstrado no episódio de Sodoma e Gomorra, enquanto Sara carecia de fé. O aprendizado centraliza-se na virtude da fé.

Sara, descrente, instruiu Abraão a tomar Ágar, sua serva. Ela antecipou-se, e Abraão aceitou essa antecipação (embora pudesse ter recusado), resultando no nascimento de Ismael. Trata-se de uma narrativa familiar, que parece ecoar a queda original. Ágar, envaidecida por gerar um filho, maltratou sua senhora.

Expulsa, Ágar chorava no deserto quando foi socorrida por um anjo que não permitiu que Ismael perecesse. Ágar tencionava abandonar o bebê no deserto. Ismael não era o filho da promessa, não era a descendência esperada, mas, sendo filho de Abraão, recebeu cuidados. Ele é considerado o antepassado de todos os árabes do deserto.

Após algum tempo, e depois de rir de um anjo do Senhor, Sara concebeu.

A complementariedade entre Abraão e Sara ilustra a decadência da complementariedade após a queda. Abraão mentia e deixava Sara sozinha para se proteger; Sara não tinha fé e ria de um anjo do Senhor. Em suma, uma versão aprimorada de Adão e Eva: ele também mentiu e deixou Eva sozinha; Eva dialogou com um anjo caído.

Finalmente, Isaac nasceu e foi recebido com muito amor, um menino destinado a gerar uma nação. Abraão foi justificado pela fé, e Sara, pela fé de Abraão e sua conturbada espera por um filho.



Pontos de aprendizado:

"A humildade é o princípio do aprendizado, e sobre ela, muita coisa tendo sido escrita, as três seguintes, de modo principal, dizem respeito ao estudante. A primeira é que não tenha como vil nenhuma ciência e nenhuma escritura. A segunda é que não se envergonhe de aprender de ninguém. A terceira é que, quando tiver alcançado a ciência, não despreze aos demais" (Hugo de São Vítor).


Lição 1: A conturbada vivência da fé após a queda, uma complementariedade desconectada que usa outras pessoas para atingir os próprios objetivos.

Lição 2: A antecipação nasce da insegurança; a vaidade, da crença em uma ilusão. Deus, em Sua infinita sabedoria e misericórdia, retifica com justiça as escolhas equivocadas dos homens.

Lição 3: Os resquícios mais evidentes da queda no homem são a mentira, a falta de decisão e a irresponsabilidade. Já a mulher zomba das coisas divinas e de seus enviados, não colhendo as bençãos do Senhor, ou colhendo-as tardiamente, por falta de fé; além de criar problemas para si mesma ao se antecipar.


No entanto, cabe salientar que as feridas do pecado original estão cada dia mais profundas, alimentadas pelos pensamentos desordenados da humanidade e pela falta de cultivo espiritual e intelectual. É fácil encontrar os resquícios de mentira, irresponsabilidade e indecisão nas mulheres e, por outro lado, descrença, zombaria e antecipação nos homens. Assim, todos estamos, de certa forma, feridos por todos os males comportamentais da queda (além dos já mencionados na reflexão sobre Adão e Eva: a morte, a doença e a concupiscência).

O Senhor entregou Seu Sangue para nos resgatar desses males comportamentais, libertando-nos dos comportamentos de irresponsabilidade, zombaria, indecisão, mentira, falta de fé e antecipação, abrindo para nós as comportas das virtudes da justiça, da modéstia, da fortaleza, da verdade, da fé e da prudência, respectivamente. Cada uma dessas virtudes é responsável por curar uma ferida comportamental e tantas outras. Basta saber se estamos abertos a receber os frutos da ação do Messias: redenção espiritual e física das sequelas do pecado original, de nossos pecados particulares e dos pecados da humanidade, nos abrindo ao cultivo das virtudes em preparação para o Seu Reino.



"Três coisas são necessárias ao estudante: a natureza, o exercício e a disciplina. Na natureza, que facilmente perceba o que foi ouvido e firmemente retenha o percebido. No exercício, que cultive o senso natural pelo trabalho e diligência. Na disciplina, que vivendo louvavelmente, componha os costumes com a ciência" (ibidem). 

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