A unidade moral como fundamento da paz intelectual segundo Léon Ollé-Laprune

by - quarta-feira, outubro 18, 2023

 




A UNIDADE MORAL COMO FUNDAMENTO DA PAZ INTELECTUAL SEGUNDO LÉON OLLÉ-LAPRUNE

¹Professora Ana Paula Barros



RESUMO


Este artigo analisa os principais aspectos da obra de Léon Ollé-Laprune, publicada em 1892, com foco na proposta de unidade moral como caminho para a paz intelectual. A abordagem católica do autor, sua dedicação à Teologia Sagrada e sua defesa da formação intelectual profunda são discutidas à luz da atual crise de convicções. A reflexão parte da ideia de que, mesmo em meio à divisão dos espíritos, é possível encontrar pontos de união prática e moral. A análise considera também os desafios contemporâneos para a aplicação dessa proposta, especialmente a falta de firmeza interior entre os indivíduos.

Palavras-chave: unidade moral; paz intelectual; Léon Ollé-Laprune.




INTRODUÇÃO


O livro "As fontes da paz intelectual" escrito pelo professor Léon Ollé-Laprune em 1892 aborda os aspectos necessários para a paz intelectual. Um dos pontos mais surpreendentes é a sugestão de uma unidade moral; a moral é apresentada como a grande área de equilíbrio das ideias. O segundo ponto relevante é a proposta de uma abordagem católica que utiliza diversas fontes de saber, o que, atualmente, poderia ser considerado um ultraje por alguns, especialmente pela dedicação do autor à Teologia Sagrada, mesmo sendo leigo e professor universitário.





DESENVOLVIMENTO


A crise contemporânea gira em torno de temas fundamentais como “Deus, a alma e a vida futura”, exigindo maior dedicação do estudioso católico a essa temática. Ollé-Laprune afirma que:



“Deus, a alma, a vida futura: sobre esses grandes objetos a filosofia de hoje está cheia de dúvidas e questões, e se não se filosofa a este respeito, a incerteza é a mesma: a atmosfera intelectual está perturbada em todo lugar. Quanto mais o tempo passa, mais raros são aqueles que, fora do cristianismo, ou, mais propriamente, fora da Igreja Católica, têm convicções firmes e claras sobre esses assuntos.”


Diante disso, o estudo da Teologia torna-se não apenas desejável, mas necessário. A Teologia é vista como o cume do saber, com a filosofia servindo-lhe de base. Em tempos de crise, essa exigência torna-se inegociável para quem deseja contribuir com a paz dos espíritos e das mentes.

A convicção pessoal do autor é evidenciada em sua anotação de juventude em 27 de junho de 1862: 

"Seguirei com vivacidade o plano de estudo proposto pelo Padre Graty aos amigos da verdade e da sabedoria: seis anos empregados no estudo sério das ciências e da Teologia. Hesitei; gostaria mais de um trabalho mais fácil... Mas o que eu poderia responder? Que não tenho coragem? Mas essa é uma palavra digna de um homem e de um cristão? Fizeste, meu Deus, reprovações interiores à minha laxidão. Procurei-Vos na oração e tomei minha resolução. Ó Jesus, abençoai essa resolução e me dê a força de cumpri-la. Ó Jesus, eu me consagro a Vós. Começarei amanhã. Vida regrada, trabalho constante, oração viva e interior, meditação profunda"


A proposta de unidade moral é central na obra. Ollé-Laprune defende que:


“E não haverá paz para as almas a não ser que a maior parte delas se reencontre ou, para melhor dizer, se reúna em uma vontade comum e uma ação comum. Querer o mesmo sobre certos pontos essenciais, decidir-se pelos mesmos motivos na condução da vida... eis a paz moral.”


Mesmo diante da divisão dos espíritos, o autor acredita ser possível alcançar uma unidade moral. Ele exemplifica com a causa do descanso dominical, onde diferentes grupos, com motivações diversas, defendem uma mesma prática. Essa ideia remete a outras ações contemporâneas, como a defesa da modéstia verdadeira ou da Missa Tradicional, que, embora motivadas por razões distintas, convergem em objetivos comuns.


Contudo, Ollé-Laprune alerta:

“A unidade moral sem acordo intelectual é uma quimera.”


A unidade moral exige, portanto, um acordo intelectual mínimo sobre o ponto em questão. A limpidez, precisão e firmeza dessa abordagem são destacadas como essenciais. O autor reconhece, porém, os entraves contemporâneos:


“Notemos bem que é no domínio moral, no domínio prático, que se procura o ponto de união. Todas as noções permanecem incertas, todas as questões permanecem sem solução, ou, que é o mesmo, cada um pensa, julga e afirma o que lhe parece bom sobre qualquer coisa. A divisão dos espíritos é extrema.”



Os homens de boa vontade podem se reunir para criar um ambiente moralmente mais saudável, unidos por este único objetivo moral. Ollé-Laprune vislumbra essa possibilidade ao afirmar:


“...concebo que escritores de talento tomem a resolução de respeitarem as almas nos seus escritos e de renunciarem a toda exibição literária malsã [...] a salubridade moral é um bem precioso, e que não há razão para corrompê-lo, não tendo a arte nada a perder, mas tudo a ganhar.”


Essa união, mesmo entre pessoas de diferentes formações e visões, pode gerar efeitos positivos. O autor imagina:


“Imagino um país onde este tipo de associação se multiplicaria. Este seria sinal de despertar moral muito sério [...] a prova de que este povo começaria a compreender que ele precisa fazer um esforço para se salvar.”


Contudo, Ollé-Laprune é enfático ao dizer que duvida de uma união moral sem união intelectual. Mesmo que sejam pessoas de boa vontade com um pensamento moral comum, divisões intelectuais significativas impedem o acordo sobre os caminhos de resolução. Seria um exército de pessoas que “querem fazer o bem”, mas não possuem definição nenhuma do que é o bem. Portanto, existe a possibilidade de uma união moral com coerência intelectual, mesmo que os motivos não sejam os mesmos. Mas não existe como realizar uma união moral, mesmo com boa vontade, quando se tem uma visão muito diferente sobre o emprego da vida e suas concepções.

Muitas vezes, priorizam-se as percepções de um determinado grupo em detrimento de uma ação comum que poderia ser melhor executada unindo forças. No caso da Missa Tradicional, por exemplo, seria mais eficaz focar nos benefícios sociais, morais e espirituais do que nas percepções de cada grupo sobre a história dos ritos e a política no Vaticano. Um caminho une pessoas de vários grupos por um único bem; o outro é uma briga sem fim entre grupos.

Mesmo que os motivos sejam diversos, é preciso a unidade de pensamento, que se alicerça na verdade. Só a verdade une. E ela é descoberta na veiculação das ideias. É preciso que exista uma conversa cortês sobre os motivos de cada grupo, pois a verdade com o tempo se mostra. Não se trata de defender grupos, mas de defender a Verdade. Ollé-Laprune adverte:


“Ireis virar as costas porque quereis proibir a especulação? [...] Mas o que seria isso, senão omissão política ou cortesia que não tem aqui o seu lugar?”


Todas as causas possuem suas “guerras civis”, discordâncias internas que são normais. Saímos de um período de profundo silêncio na Igreja; muitos padres ainda acreditam que “ficar quieto é o melhor”, fingindo que não veem os problemas. Os protestantes não reclamam de seus pastores porque abrem suas próprias igrejas, mas nós não podemos — e não queremos — fazer isso. Também não podemos deixar de salientar quando algo não está correndo da forma correta dentro dos valores que os homens de boa vontade decidiram estabelecer para tentar fazer algo pela Igreja.

A veiculação de ideias é boa, embora até mesmo entre os tradicionais haja ideias pré-concebidas a serem revisitadas, começando pela incapacidade de escutar os motivos dos outros grupos que possuem objetivos morais semelhantes. A veiculação dos motivos possibilita o aprofundamento das questões, essencial nesta cultura do superficial. Ollé-Laprune alerta:


“Todas as declarações que abreviam e diminuem devem ser temidas [...] a unidade que elas criam é fictícia e estéril.”


A cordialidade verdadeira é diferente das convenções políticas. 


O autor afirma:


“Estamos aqui. Tudo está instável. A confusão está em todo lugar. É àqueles que têm ideias claras e firmes que compete trabalhar para fortalecer e esclarecer o seu entorno [...] É preciso criar em torno de uma ideia, julgada essencial, todo um ‘movimento de opinião’ [...] Ela vai se realizando apesar de tudo.”



As ideias têm o poder de refazer os espíritos e as almas. Ollé-Laprune questiona:


“Este é o poder das ideias [...] Nós queremos as capazes de refazer, e que tenham sucesso nisso. Onde encontraremos tais ideias?”


Infelizmente, muitos católicos ainda não compreendem esse poder. A batalha das ideias é negligenciada. Contos piedosos, por exemplo, são subestimados, apesar de sua durabilidade em tempos de crise. Este artigo, assim como muitos outros, ajuda no “movimento de opinião”. As ideias expostas são como peças numa construção de dominós; quando uma é emitida, desencadeia outras. Isso é o movimento de opinião. Não se trata de achismos, mas de emitir ideias certas no momento certo.

Por fim, Ollé-Laprune pergunta:

“A quem, então, caberia assumir a frente do movimento e presidir ao grande trabalho de restauração intelectual e moral?”

E responde:

“Não aos políticos enquanto tais. Não aos eruditos e nem aos filósofos enquanto tais [...] Aos homens de boa vontade? Sem dúvida. Mas de onde eles tomarão suas ideias inspiradoras e reguladoras? Eis o ponto.” 

"Filósofos, letrados e escritores, nós dizemos a nós mesmos, dizemos entre nós, e dizemos ao público, que temos um dever: o de trabalhar, na medida dos nossos meios e forças, para fazer cessar a anarquia intelectual e moral que todos sofrem, que tudo sofre. Queremos, portanto, trabalhar pela pacificação dos espíritos. Sabemos que a paz completa, definitiva, não é deste mundo. Não sonhamos com uma paz impossível."


A anarquia intelectual e moral é um mal visível. É dever de todo homem que pensa trabalhar para fazê-la cessar. O autor conclui:

“Queremos, portanto, trabalhar pela pacificação dos espíritos [...] A paz, ou seja, a ordem, que é a concórdia [...] O que é capaz de refazer os espíritos e as almas é a verdade, a verdade moral inteira. Pois bem, onde está a verdade moral inteira?”





CONSIDERAÇÕES FINAIS


A proposta de Léon Ollé-Laprune permanece atual, mesmo após 131 anos de sua publicação. A unidade moral como caminho para a paz intelectual exige convicções firmes e fibra interior — qualidades cada vez mais raras na sociedade contemporânea, marcada por populismo e polemismo. Tais fenômenos são reflexo de um estado interior não reflexivo, cuja ausência compromete a adequada condução das questões sociais.

Apesar dos desafios, o ideal proposto por Ollé-Laprune continua válido e necessário, sobretudo para os cristãos que almejam contribuir com a reconstrução da ordem intelectual e espiritual. A busca pela verdade moral inteira, sustentada por diálogo cortês e compromisso com a clareza das ideias, é condição radical para a regeneração dos espíritos e das almas.




¹Ana Paula Barros

Especialista em Educação Clássica e Neuro Educação. Graduada em Curadoria de Arte e Produção Cultural. Professora independente no Portal Educa-te (desde 2018). Editora-chefe da Revista Salutaris e da Linha Editorial Practica. Autora dos livros: Modéstia (2018), Graça & Beleza (2025).

Possui enfática atuação na produção de conteúdos digitais (desde 2012) em prol da educação religiosa, humana e intelectual católica, com enfoque na abordagem clássica e tomista.

Totus Tuus, Maria (2015)

You May Also Like

0 comments

Olá, Paz e Bem! Que bom tê-lo por aqui! Agradeço por deixar sua partilha.