Resumão: Alienação e Intolerância (Rafael Ruiz)

by - outubro 10, 2022


alienação e intolerancia



Introdução

Esse material foi produzido como material de apoio de um dos livros da curadoria do Clube de Leitores Salus (aqui)


Resumão: Alienação e Intolerância (Rafael Ruiz)

por Ana Paula Barros

Você encontra o livro aqui.

Escutar em Podcast aqui


Tema central: a liberdade da consciência individual. 


1. Asfixia moderna

Num momento de tensão dialética entre o interno e o externo surge uma asfixia do cidadão. Na Idade Média a Igreja tomou conta do âmbito interno e externo, agora o Estado quer tomar conta, legislar, o interno e o externo. Uma coisa é viver segundo o quê a consciência ditar e outra é seguir leis e princípios “sem se atentar a própria consciência”.


2. “Devotio Moderna”

É o nome dado a renovação espiritual do século XIII, que teve como seu maior propulsor Mestre Eckhart, seus ensinos promoveram uma interiorização e o incentivo de uma vida intima com Deus, a partir de sua morte surgiu a “devotio moderna”, com Tomás Kempis, autor da Imitação de Cristo, somado aos surgimento dos irmãos de vida comum, também chamados de leigos celibatários.

Esse processo, dentro da Igreja gerou um destaque à interioridade e da consciência com relação a Deus e também em relação a vida pública cotidiana.

A tensão entre o interno e o externo persistia: em 1215 foi determinado a confissão auricular e anual,  acrescidas de pregações sobre o juízo e o purgatório, a primeira visando o despertar da consciência individual e a segunda a uma renovação e purificação da vida e dos costumes.


3. Política

Dado que a tensão entre o foro interno e externo existe em cada indivíduo, temos o segundo ato da história: a política foi separada da ética na tentativa de minimizar essa tensão no âmbito público.

No entanto, para Aristóteles existe dois pontos importantes:

A. Nas questões políticas podem existir várias soluções razoáveis e prudentes.

B. O terreno do político é prático, ao propor algo bom e justo é necessário o conhecimento particular, ou seja, a pessoa precisa ser boa e justa.

C. O homem prudente por sua vez, surge, se autoconstrói (a virtude se adquiri pela repetição).

Essa visão permaneceu na Idade Média, mas no século XVI já era comum a ideia que o espiritual e material estivessem ligados mas cada um possuía a sua autonomia, no entanto, o ético e o político ainda estavam unidos.


4. Ética e Política separadas

Hobbes, um pensador inglês, dizia que os atos internos e externos são separados e isso alterou a visão do justo interno e do justo externo, gerando a atual, e frequente, situação (principalmente em questões polêmicas) das pessoas que declaram que, pessoalmente pensam de forma forma, mas, publicamente escolhem e agem de outra (contrariando a virtude da verdade).

As leis morais passam a não obrigar mais externamente mas apenas internamente. O conceito de consciência foi alterado e o termo “opinião” foi usado sem qualquer conotação religiosa. A consciência é entendida como privada e a lei é pública, a lei é a consciência pública, e a consciência privada é vista apenas como um conjunto de opiniões privadas.

O Estado não interfere no privado e em troca a pessoa não expressa as opiniões de sua consciência.


5. A inevitabilidade do provável

O probabilismo foi uma resposta para transitar no cenário criado pelas ideias de Hobbes. O probabilismo defendia que podem existir várias respostas prováveis para uma questão, qualquer pessoa poderia seguir uma opinião que fosse “razoável” ou “pouco razoável”, e ainda “muito pouco razoável”, qualquer um poderia seguir a opinião razoável que quisesse, “desde que fosse apoiada numa autoridade de peso e em um motivo não momentâneo”, e ninguém poderia impedi-la. No entanto, tanta opção gerou um autor chamado Busenbaum, jesuíta, que tinha em suas obras não só um conjunto enorme de opiniões como também estabeleceu um método versátil de opinar. O probabilismo nasceu entre os jesuítas mas foi criticado dentro da própria ordem, não foi condenado, mas algumas doutrinas e sentenças sim, pelos papas Alexandre VII e Inocêncio XI.


6. O probabilismo passou a ser visto como a causa da corrupção e decadência na Igreja e fora dela. 

No entanto, nem sempre o que é corrompido é visto como tal, veja bem, Santo Afonso fez a sua Teologia Moral (em 1748) de suas anotações do livro de Busenbaum (1737) que usava em aulas. Em 1753 o santo sistematizou ainda mais seus comentários a Medulla, obra de Busenbaum. Santo Afonso dizia que usava a Medulla por ser bem estruturada, concisa e clara. Dez anos depois, diante das críticas ao probabilismo e aos jesuítas, Santo Afonso se preocupou em pontuar as diferenças com Busenbaum nomeando-o como “probabilista simples” e ele, santo Afonso, era um “probabilista moderno”. Já em 1772 já não se encontra menções de Busenbaum no livro Teologia Moral de Santo Afonso. Mas ambos falam da importância a consciência do ato.


7. Inflexão no mundo moderno

No barroco o melhor intérprete da lei era o costume, a consciência individual tinha a sua autonomia e o seu campo de atuação, no entanto, entramos numa época de desconfiança da consciência pessoal e surgiram medidas para amordaçá-la. Todas as frentes: políticas e religiosas lançariam mão do “legalismo” para isso.

Quando não temos autonomia de consciência fica fácil entender como surgem indivíduos sem nenhum remorso de consciência. Desde que exista um código a seguir não existe nenhuma outra probabilidade, nenhuma objeção da consciência.


8. Faça-se a “civilização ocidental”

O iluminismo criou as condições para que a civilização cristã fosse substituída pala “civilização ocidental”, a ideia de civilização ocidental nasceu articulada pela ideia de que esta era mais moderna que as outras. O iluminismo pregava a ideia de que temos que ter coragem de servirmo-nos do nosso próprio entendimento, com o tempo a sociedade moderna foi ressignificando e substituindo os conceitos e instituições “da sociedade clássica” como se Deus não existisse, pois para que o homem usasse o seu entendimento por si era preciso desatá-lo da Igreja e depois de Deus. A moral cristã foi substituída pela moral republicana que iria “lançar luz” às “trevas e travas da religião”.

O iluminismo alicerçou o que já estava semeado por alguns jesuítas: a separação do espiritual e temporal. No século XVIII essa relação já estava rompida: os homens andavam sobre a terra de forma autônoma e imanente – que permanece no âmbito da experiência possível, não transcendente.

Para vivermos basta colocar em prática planos e agendas, dar as mãos e cirandar. Veja que o iluminismo estabeleceu uma rixa com a Igreja pela educação. A educação republicana é técnica pois visa formar um cidadão, não mais a alma imortal.

A nova moral prega que a técnica e o adestramento ideológico são suficientes enquanto a tradição aristotélica (tomista) prega que a moral se adquiri na prática das virtudes. Como não importa mais conformar o exterior ao interior, basta que se tenha em si os traços aclamados pela moral republicana.

Por isso a moral hoje é entendida como o conjunto de regras e não mais como um exercício em virtudes, mas “o moral” está ligado ao ser das coisas. Quando se vê a moral como um conjunto de regras passamos a discutir se a seguimos ou não e a buscar brechas nas regras para a transgredir.


9. À margem de Deus:

a) Na civilização cristã as pessoas buscam cumprir o plano providencial de Deus, o iluminismo na sua festa de substituições reduziu esse prisma à obtenção do interesse comum e da felicidade mútua, assim, mesmo na esfera religiosa todo o plano de agradar a Deus estava ligado somente a benevolência. É preciso ser bom, mesmo que não se saiba mais o que é bom.

b) Depois ocorreu o eclipse da graça: se o homem já era uma criatura de Deus, autônoma, ela poderia descobrir por si o plano de Deus para o mundo sem a graça.

c) Se podemos desvendar os planos de Deus, não há mais nenhum mistérios.

d) Com o eclipse da graça perdeu-se a finalidade da vida do homem na terra e foi necessário reconstruir outro, com uma finalidade terrestre.

Portanto o homem é racional e pode criar leis justas e por ser justa seria obedecida e acabaria nos levando ao bem comum. O Estado seria o portador do poder de transformar a realidade atual nessa realidade pensada e para isso a vontade pessoal e interesse pessoal sede lugar a vontade pública e ao interesse público (mesmo indo contra a consciência pessoal). O coletivo é sempre bom e o individual sempre mau, isso sempre, em qualquer situação. “O Estado entra na vida do homem como uma nova Igreja” (p.109).


10. A queda da ordem

Na civilização cristã a ordem natural era criada pelo Criador e cabia aos homens reconhecê-la e respeitá-la. Uma ordem que expressa os pensamentos de Deus. Nem as leis do Rei poderiam contrariar a ordem natural, um lei que contrariava a ordem natural não era lei. Mas a imposição do “querer da vontade” acabou por derrubar a política, a religião, o Estado e por fim também a natureza, essa é a raiz da ideologia de gênero.

Depois das separações do iluminismo deu-se no romantismo a separação entre cultura e natureza. A natureza seria o lugar onde as coisas são o que são e a cultura o lugar da liberdade, as coisas poderiam multar-se. No século XXI a natureza já não é o lugar onde as coisas são o que são.

Mas tudo teve raízes no romantismo, alemão precisamente, com Schiller e Goethe, em resposta ao racionalidade iluminista, eles defendiam a predominância da vontade e dos sentimentos o que é, por sua vez, uma resposta ao dualismo Kantiano: a estética transcendental que superaria essa cisão e que seria encontrada na contemplação do Belo e do Supremo.

Schiller cria a “alma bela” e Goethe também a usa, inspirado na pietista Susana Katharina. Esses romances sobre a “alma bela”, criou um deslocamento na motivação da relação alma com Deus, que se baseava na purificação e união, e agora trata-se de um impulso emotivo provocado pela arte e a contemplação da beleza artística.

Pietismo é um movimento da renovação da fé cristã na igreja luterana em fins de XVII: dava primazia do sentimentalismo místico em detrimento da teologia racionalista.

A religião foi substituída pela cultura. O ponto não é que Deus não seja a Beleza, mas que Ele não é “as coisas belas” ou “bela cultura”.


Pensamento de Gramsci

1. Na pós verdade e pós-modernidade: todo “pensamento forte”, toda convicção é vista como fanatismo (menos os pensamentos ideológicos já veiculados pela literatura).

2. Toda pretensão à verdade é intolerância: isso gera afirmações provisórias enquanto convier afirmá-las. Portanto, para viver democraticamente é preciso acolher toda divergência social e política o contrário é fanatismo (não pode haver liberdade de consciência ou se existe deve ser calada, “não interessa” a consciência pessoal).

3. A votação, característica da democracia abriu espaço para uma exclusão dos divergentes – mentalidade revolucionária. 


Resumo: Ana Paula Barros

Digitalização: Bruna Rodrigues


You May Also Like

0 comments

Olá, Paz e Bem! Que bom tê-lo por aqui! Agradeço por deixar sua partilha.