Crônicas: A época em que tudo ofende
Nós cremos, erroneamente, que o mundo gira em torno de nós. Isso se deve ao fato de vermos a vida em primeira pessoa. Na nossa vida, nós somos os protagonistas. No entanto, todas as outras pessoas possuem a mesma sensação. Resultado: passamos a achar que tudo se refere a nós, que somos o centro. Mas não somos.
Acredito que está aí o motivo para o encorajamento da caridade, da empatia e da ampliação da visão de mundo que a educação fornece.
Veja bem, se não somos incentivados a olhar uns para os outros, passamos a vida achando que tudo se refere a nós. O que chamamos de egoísmo.
Acontece que o egoísmo é mais que uma conduta de "pensar somente em si", é também o fato de se esquecer do outro. Completamente. Pois não há problema em pensar em si mesmo, desde que se lembre do outro.
Quando nos lembramos do outro, passamos não só a fazer ações de caridade e desenvolver uma conduta empática, passamos também a adotar uma visão ampla da realidade: "o mundo não sou eu", "as coisas nem sempre têm relação comigo", "nem tudo é uma ofensa pessoal".
Você sabia que o desenvolvimento cerebral pleno ocorre de forma gradativa até os 20 anos? Pois é. Acontece de forma póstero-anterior (da parte de trás do cérebro para a parte da frente). Na parte anterior fica a região das interações sociais, decisões etc.; ela é a última a se desenvolver plenamente. Sempre que me lembro deste tópico, penso que talvez esteja a demorar mais tempo para a maturação, por conta da forma e dos estímulos que estamos — ou não — recebendo no processo educacional até os 20 anos.
Bem, voltando: a maturidade é justamente a capacidade relacional. Atualmente, é muito comum que as pessoas se ofendam simplesmente pela vivência ou prática do outro. E saem ousadamente em defesa de si mesmas, baseadas em algo que nem mesmo foi um ataque — afinal, se trata de outra pessoa, outra vida.
E aí encontramos um agente importante: o filósofo. Realmente, no Brasil — e ainda nos grupos intitulados de direita, conservadores ou seja lá a placa que você acredite ser a melhor nomeação — o filósofo é uma figura nova, no que se refere a ser conhecido e escutado; não necessariamente em existir. Veja bem, o filósofo, o pensador, o estudioso é como um terapeuta social — ou seja, o que é um terapeuta no âmbito privado, o filósofo é no âmbito social. Desta forma, é papel de ambos ser o agente que mostra regiões obscuras, ilumina as sombras e, resumidamente, tem certo dever de ser "desagradável" para poder gerar a reflexão necessária. Também é seu papel encorajar as melhores coisas que podemos fazer e pensar. No entanto, uma coisa é precisa: a pessoa precisa estar disposta. Bem, é aí que está a dificuldade do filósofo — o nosso "terapeuta social".
Como as pessoas estão ensimesmadas e pessoalmente ofendidas, não conseguem estabelecer aquele estado necessário para ver o movimento do todo. Afinal, o filósofo é aquele que diz: "Você está vendo que estamos todos fazendo isso?", "Pra quê?", "Por quê?", "Pra quem?". Essas questões sociais refletem o estado pessoal, e é sempre um movimento incômodo que, salvo exceções, sempre é recebido como uma ofensa pessoal — pois a pessoa está no "mundo eu eu".
No entanto, essa atitude nos coloca muito atrás dos revolucionários, que são versados em se autoanalisar. Eles falam constantemente sobre seus pontos e suas condutas. É comum um cenário mais reflexivo entre eles — não em todos — mas, em muitos grupos, o filósofo não é estranho, e suas palavras não são recebidas como ofensa pessoal, mas como convite à reflexão, a sair do "mundo do eu eu". Então, veja bem a nossa situação: tanto no âmbito pessoal como no social, essa defasagem tem mostrado o seu estrago.
Por isso, vivo a pensar e a dizer que, embora seja boa a produção de materiais de alto valor filosófico e intelectual, de obras de renome etc., precisamos, com urgência, colocar um olhar atento sobre a maturidade efetiva do estado interior de reflexão — e isso se dá pela presença e escuta do filósofo católico que está atento à realidade, que fala do tempo e de suas mazelas, convidando a todos a verem não só a mazela, mas o caminho humano e espiritual de resposta (isso somado a uma vida interior, claro). Tal escuta deve ser isenta de qualquer floreio apaixonado, preferências pessoais, acalentamento emocional ou apreciação material de status.
Sem essa devida maturação, sem esse real enfoque na atitude reflexiva, podemos entrar num ativismo vazio com ares religiosos ou num catolicismo sem a devida maturação emocional e humana.
2 comments
Obrigada pelo texto.
ResponderExcluirComo seria saudavel para nossa igreja se todos formadores de opiniao e catequistas de certa forma fizessem isso, dar opiniao isentada de qualquer floreio apaixonado, preferências pessoais, acalentamento emocional ou apreciação material de status. Falar a verdade como ela é estabelecida pelo magisterio.
ResponderExcluirOlá, Paz e Bem! Que bom tê-lo por aqui! Agradeço por deixar sua partilha.