Literatura Católica| Controle Cerebral e Emocional: Psicologia Pastoral e Educação da Vontade

by - quinta-feira, agosto 30, 2018

Os Bosques de Nom Kinnear King


Controle Cerebral e Emocional: Psicologia Pastoral e Educação da Vontade


Professora Ana Paula Barros¹



Resumo


O presente artigo analisa a obra Controle Cerebral e Emocional, do padre Narciso Irala, à luz de uma abordagem interdisciplinar que articula espiritualidade cristã, psicologia aplicada e formação humana. Escrita em meio às tensões emocionais e culturais do século XX, a obra propõe uma pedagogia da vontade como caminho para o equilíbrio psíquico, o amadurecimento moral e a cura interior. Com linguagem acessível, tom pastoral e fundamentos práticos, Irala integra a teologia prática à psicologia para oferecer um modelo de desenvolvimento pessoal sustentado nas virtudes cristãs, nos sacramentos e no fortalecimento da consciência. A permanência da obra em círculos religiosos, educativos e espirituais aponta sua atualidade diante das crises de sentido, ansiedade e fragmentação interna que marcam o mundo contemporâneo.

Palavras-chave: Padre Narciso Irala; faculdade da vontade; formação humana; psicologia pastoral; saúde mental.




1- Contexto Histórico e Biográfico


A trajetória de vida do padre Narciso Irala (1896–1988) ilumina com rara coerência o conteúdo e os objetivos de sua obra Controle Cerebral e Emocional. Jesuíta espanhol radicado no Brasil, Irala foi missionário, psiquiatra e conferencista internacional — um homem inserido tanto no universo espiritual da Companhia de Jesus quanto no campo emergente da psicologia aplicada à vida cotidiana.

Sua longa missão na China, que durou vinte e dois anos, ocorreu em um cenário de intensas transformações políticas e culturais. O país vivia os efeitos de guerras civis, da invasão japonesa e da consolidação do regime comunista — período em que a repressão religiosa atingiu diretamente as comunidades cristãs. Irala conviveu com perseguições, deslocamentos forçados e viu de perto os impactos psicológicos causados por contextos extremos de medo, escassez e perda de sentido. De volta ao Brasil, trouxe na bagagem não apenas relatos de fé cristã e sobrevivência, mas também o compromisso de encontrar formas práticas para ajudar, de forma séria, aqueles que sofriam interiormente.

É desse espírito que nasce sua obra mais conhecida, publicada em 1964, quando o mundo vivia outra forma de tormento: a ansiedade moderna. A década de 1960 marca o auge da psicologia comportamental e o nascimento de correntes humanistas que buscavam compreender o ser humano em sua totalidade. No campo religioso, a psiquiatria pastoral florescia como uma tentativa de integrar espiritualidade cristã e saúde mental. Nesse contexto, Controle Cerebral e Emocional apresenta-se como uma síntese ousada e acessível: um manual de higiene mental, escrito por um padre com formação científica, dirigido tanto aos crentes quanto aos secularizados em busca de equilíbrio interior.

O livro responde à fragmentação típica do sujeito moderno, oferecendo ferramentas para o domínio dos pensamentos, o fortalecimento da vontade e a reconciliação entre emoção, razão e fé. Nas palavras do próprio autor, trata-se de um guia não apenas para os que sofrem psiquicamente, mas também para os que aspiram a “maior eficiência em seus estudos ou empresas” e “maior alegria, satisfação e felicidade interna”. Ao mesmo tempo simples e profundo, o texto reflete o esforço de um tempo em que espiritualidade cristã e ciência ainda buscavam um idioma comum — e onde o sofrimento humano exigia respostas práticas.


“Dedicamos esta edição, primeiramente, aos que já sofrem psiquicamente, aos nervosos ou cansados por excesso de trabalho, de preocupações ou de sofrimento. Aos que sentem diminuído seu controle de pensamentos e emoções e não conseguem nem descansar, nem dormir sossegadamente, nem sabem dominar suas antipatias, desalentos, temores ou tristezas.

Em segundo lugar, aos sãos que desejam ter maior eficiência em seus estudos ou empresas, maior energia e constância em seus propósitos, maior domínio de seus sentimentos ou instintos, maior alegria, satisfação e felicidade interna.

Em terceiro lugar, aos educadores e aos diretores espirituais que se deparam com casos difíceis para fazer adiantar no estudo ou na virtude, seja pela divagação mental, debilidade psíquica, indecisão ou preguiça volitiva, seja por paixões desenfreadas, fobias ou temores irracionais, ou sentimento de inferioridade.

Queremos oferecer um manual prático de higiene mental e de alegria interna, não um tratamento de psicologia ou psicoterapia.”




2- Gênero Literário e Estratégias Discursivas


A obra Controle Cerebral e Emocional, de padre Narciso Irala, insere-se no campo híbrido entre o manual de autoajuda e o tratado espiritual. Embora não se defina como obra de psicologia ou psicoterapia, apresenta-se como um guia prático de higiene mental e formação interior, destinado a leigos e religiosos que enfrentam dificuldades emocionais, desequilíbrios afetivos ou desafios de ordem espiritual. Seu gênero literário pode ser identificado como um manual de autoajuda espiritual, combinando uma estrutura didática, com capítulos temáticos curtos, linguagem acessível, exemplos cotidianos e um tom pastoral e orientador que aproxima o leitor da figura do autor.

O narrador da obra assume uma postura instrucional, dirigindo-se frequentemente ao leitor em segunda pessoa e fazendo uso recorrente de verbos no modo imperativo. Essa estratégia discursiva tem duplo efeito: por um lado, provoca engajamento direto e interpessoal; por outro, cria um ambiente de orientação confiável, como se o autor atuasse simultaneamente como conselheiro, diretor espiritual e mentor terapêutico. O apelo ao “você” confere à obra proximidade emocional e encoraja o leitor à prática das sugestões propostas.

O estilo do texto é claro, direto e funcional, evitando os jargões técnicos da psicologia clínica, mas incorporando conscientemente conceitos fundamentais da psicoeducação, como atenção concentrada, disciplina volitiva, canalização da energia mental e racionalização dos afetos. Em vez de uma abordagem teórica ou acadêmica, Irala opta por um discurso aplicado e experiencial, com ênfase em exercícios, observações práticas e princípios que podem ser integrados ao cotidiano do leitor.

Outra característica significativa da obra é a intertextualidade implícita com a tradição cristã, especialmente a bíblica e a patrística. Sem recorrer a citações extensas ou à erudição teológica, Irala mobiliza o léxico das Escrituras, a moral ascética dos primeiros monges e os ideais de virtude cristã como pano de fundo de sua argumentação. Conceitos como humildade, paciência, pureza de coração, faculdade da vontade e luta interior ressoam de forma natural ao longo da narrativa, permitindo ao leitor reconhecer no discurso um alicerce espiritual cristão reconhecível, ainda que discretamente apresentado.

Nesse sentido, o livro constrói uma linguagem pedagógica e espiritual que o torna acessível tanto aos que compartilham da fé cristã quanto àqueles que buscam apenas orientação prática e psicológica, já que a moral cristã está no manto cultural do Ocidente, portanto, é um manto moral comum. A força da obra reside justamente na confluência entre doutrina e técnica, moldando um gênero literário que escapa às classificações estritas, mas que se mostra notavelmente eficaz em seu propósito formativo.



3- Formação Humana e Educação da Vontade


No cerne de Controle Cerebral e Emocional está a convicção de que a vontade humana é a principal alavanca do equilíbrio psíquico e da maturidade espiritual. Para o padre Narciso Irala, é o fortalecimento dessa faculdade — com frequência desprezada ou enfraquecida na educação moderna — que permite ao indivíduo conquistar maior autonomia diante de seus impulsos, traumas e desequilíbrios. A obra apresenta a vontade não apenas como um recurso psicológico, mas como uma dimensão da alma que precisa ser treinada, disciplinada e direcionada para o bem, como parte da formação integral da pessoa.

Ao tratar da formação humana, Irala aborda temas universais e existencialmente delicados: ira, tristeza, medo, sexualidade, trabalho, estudo, descanso e o sentido da vida. Em cada um desses domínios, ele mostra como a ausência de controle emocional ou a dispersão mental prejudica a realização pessoal, o desempenho intelectual e a vida espiritual. Sua proposta não é reprimir emoções, mas educá-las por meio do autoconhecimento, da prática deliberada da atenção e da “canalização da energia interior”.

De modo extremamente prático, o autor oferece exercícios para o desenvolvimento da concentração, da respiração consciente, da vigilância mental e da disciplina dos pensamentos. Esses métodos são apresentados de forma simples, quase cotidiana, para que sejam incorporados sem dificuldade pelo leitor comum — embora carreguem uma sofisticação teórica enraizada tanto na espiritualidade inaciana quanto nas descobertas da psicologia.

As ideias de Irala dialogam implicitamente com pensadores como Jules Payot, autor de A Educação da Vontade, e William James, cuja psicologia pragmatista exaltava a autodisciplina, a força do hábito e a construção da personalidade por meio da escolha consciente. Em sintonia com esses autores, Irala acredita na “plasticidade” humana: ela é capaz de se moldar, resistir, recomeçar, desde que a vontade esteja desperta e treinada.

Essa abordagem faz com que o livro se torne um tratado pedagógico sobre o amadurecimento moral e existencial do ser humano. Ao unir razão, cristianismo e ação, Irala oferece uma pedagogia da vontade que busca restaurar no indivíduo a confiança em sua capacidade de crescer por dentro — e, assim, encontrar sentido mesmo em meio às crises emocionais mais brutais.



4- Espiritualidade Católica e Psicologia Aplicada


Um dos traços mais especiais de Controle Cerebral e Emocional é a maneira harmoniosa com que padre Narciso Irala integra psicologia e cristianismo, sem sacrificar a profundidade de nenhuma das duas dimensões. O autor apresenta uma proposta de amadurecimento humano que se ancora tanto na compreensão científica da mente quanto nos recursos sobrenaturais da vida sacramental. Nesse sentido, sua obra antecipa muitos dos debates contemporâneos sobre saúde mental integrativa e teologia prática.

Irala sustenta que a verdadeira cura da angústia, da ansiedade e das perturbações emocionais não pode prescindir de uma base espiritual sólida. No entanto, sua espiritualidade é concreta e aplicada, centrada na prática das virtudes cristãs como meios eficazes de reeducação do caráter. Humildade, paciência, esperança e caridade são vistas não apenas como mandamentos morais, mas também como ferramentas terapêuticas: disposições internas e externas que reorientam o sujeito, fortalecem sua estabilidade interna e promovem o reencontro com o sentido mais profundo da existência.

A obra também destaca a importância dos sacramentos como apoio psíquico. A confissão é apresentada como uma via privilegiada de alívio da culpa e reconciliação; a eucaristia, como alimento da alma e renovação das forças; e a direção espiritual, como o espaço de escuta e esclarecimento gradual dos conflitos interiores. Com isso, Irala resgata um entendimento tradicional católico, segundo o qual a saúde da alma e do corpo andam juntas — e segundo o qual Deus não apenas salva, mas também sustenta e cura.

Ao mesmo tempo, o autor adota uma postura crítica frente à medicalização excessiva da dor psíquica, que tende a reduzir os sofrimentos humanos a meras disfunções bioquímicas. Sem negar a importância da medicina ou da psicoterapia, Irala propõe que a chave da superação está, muitas vezes, na reeducação da vontade, no fortalecimento da consciência moral e no cultivo da graça divina. Para ele, a pessoa não deve ser tratada apenas como um mecanismo falho, mas como um ser livre, vocacionado à superação e à comunhão com Deus.

Assim, o livro oferece uma “espiritualidade encarnada”, que não se isenta do esforço psicológico, nem da disciplina interior, mas tampouco despreza o auxílio invisível da fé. Essa articulação entre alma e psique, graça e razão, estrutura uma proposta de formação integral que permanece pertinente — especialmente num tempo em que a busca por sentido e equilíbrio se tornou, novamente, uma urgência.



5- Recepção e Atualidade


A permanência da obra Controle Cerebral e Emocional no repertório formativo de educadores, religiosos e leigos aponta sua capacidade de atravessar décadas sem perder relevância. Embora concebido em meados do século XX, o livro encontra eco no século XXI, particularmente em contextos marcados por ansiedade generalizada, esgotamento emocional (burnout) e crise de sentido. Sua linguagem acessível e seu foco na reeducação da vontade oferecem um contraponto prático e espiritual a uma cultura que, muitas vezes, busca soluções rápidas e externas para dilemas internos.

Nos meios religiosos e educacionais, a obra foi prontamente acolhida como um recurso valioso. É comum encontrá-la presente em retiros espirituais, programas de formação humana, direções espirituais e até mesmo em escolas e comunidades paroquiais, onde auxilia no desenvolvimento da atenção, da constância e da maturidade afetiva. Ao abordar de forma direta as dificuldades emocionais que comprometem o rendimento escolar, o trabalho e a vida familiar, Irala se conecta com realidades muito próximas do cotidiano dos leitores, o que garante à obra sua resiliência editorial e pedagógica.

Apesar de seu valor formativo evidente, a obra não escapa a algumas limitações críticas. A principal delas reside na ausência de um aprofundamento clínico, o que a torna inadequada como substituta para acompanhamento psicológico ou psiquiátrico em casos mais graves. Além disso, alguns críticos podem identificar certa idealização da força de vontade, como se todos os problemas pudessem ser resolvidos apenas por disciplina e firmeza moral, uma premissa que, em contextos de transtornos mentais severos ou vulnerabilidades neuropsicológicas, pode não ser suficiente e até contraproducente.

Ainda assim, é justamente nesse equilíbrio delicado entre esforço pessoal e abertura à graça que o livro se consolida como uma ponte entre a psicologia pastoral e a espiritualidade laical. Sua proposta pode ser vista como precursora de iniciativas contemporâneas que buscam integrar fé, saúde mental e vida cotidiana. Oferecendo orientação segura, linguagem fraterna e confiança na capacidade de superação do ser humano, a obra continua sendo uma leitura oportuna para os que desejam compreender e guiar o coração humano em tempos de reconstrução interior ou em tentativas de iniciá-la.




Referências

IRALA, Narciso. Controle cerebral e emocional. 1. ed. São Paulo: Editora Castela, 2018.





¹Ana Paula Barros

Especialista em Educação Clássica e Neuro Educação. Graduada em Curadoria de Arte e Produção Cultural. Professora independente no Portal Educa-te (desde 2018). Editora-chefe da Revista Salutaris e da Linha Editorial Practica. Autora dos livros: Modéstia (2018), Graça & Beleza (2025).

Possui enfática atuação na produção de conteúdos digitais (desde 2012) em prol da educação religiosa, humana e intelectual católica, com enfoque na abordagem clássica e tomista.

Totus Tuus, Maria (2015)




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